Inconsistências e contradições marcaram o depoimento de Shaila Silva à CPI
Comissão recebeu contadora responsável pelo relatório final da Maciel Consultores, que auditou o transporte em 2018
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Em depoimento à CPI da BHTrans, realizado nesta quinta-feira (15/7), a contadora Shaila Santos da Silva, responsável pela assinatura do relatório de auditoria feito pela empresa Maciel Consultores, em 2018, para apurar as contas do transporte coletivo, não correspondeu às expectativas dos vereadores e, misturando termos como auditoria contábil e verificação independente, se esquivou de responder perguntas. Acompanhada de sua advogada, a contadora e, então, sócia da empresa Maciel Consultores, deu respostas evasivas e inconclusas que não permitiram à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans avançar nas investigações. A comissão estuda apresentar uma notificação para o Conselho de Contabilidade sobre a conduta da contadora, que foi classificada pelo presidente da CPI, vereador Gabriel (sem partido), como "má fé ou incompetência”.
Ficaram sem respostas diversas perguntas como "por que a empresa apresentou um valor 42% inferior ao valor de referência estipulado pela contratante para auditar as contas das empresas de ônibus?" e "por que a Maciel foi a única participante da licitação?". Também se questionou qual ou quais foram as metodologias utilizadas pela consultoria para apontar como justo um valor de R$ 6,35 para a passagem de ônibus; e se a BHTrans exigiu viabilidade técnica da empresa. Dados e informações constantes no relatório final assinado pela depoente e apresentados durante a reunião também foram negados por ela, que, ora disse que não eram verdadeiros, ora que não se lembrava do ocorrido. Ao ser questionada se a prática de se calcular com base em custos estimados seria uma forma de abrir a caixa preta do serviço de transporte, ela foi taxativa: “O meu contrato não é para abrir a caixa preta”.
Após declarar que atua no mercado há 23 anos, 18 deles como consultora, a contadora alegou que não fez parte da equipe que trabalhou na licitação, que não participou da formulação do preço a ser cobrado, nem do processo licitatório para apuração dos custos das quatro concessionárias do transporte público e coletivo de BH. Ainda, esclareceu que assumiu o contrato depois de assinado. Ela admitiu que não tem experiência com mobilidade urbana e que este foi o único projeto de auditoria dessa natureza em que atuou.
Apresentando falas contraditórias, Shaila Silva explicou que era responsável pela coordenação e planejamento do trabalho - de acordo com as normas de auditoria - , repassando instruções de como esse seria efetuado e quais seriam os procedimentos adotados. Ela informou que era responsável pelas reuniões com a BHTrans para falar sobre o trabalho e sanar dúvidas. Ela também afirmou que o trabalho de análise de custos foi feito por amostragem e se baseou em notas emitidas - em períodos específicos - solicitadas pela Maciel Consultores. Shaila Silva esclareceu que, fora desses períodos, foram utilizados como parâmetros estimativas da ANTP ( Associação Nacional de Transportes Públicos). Em vários momentos, a contadora afirmou que as notas não foram levadas em conta para elaboração dos custos, o que confundiu e irritou os parlamentares. Bella Gonçalves (Psol) chegou a inquirir a depoente sobre a metodologia utilizada. "A Maciel foi contratada para auditar livros-caixa. As notas serviram ou não para se chegar a essa tarifa de R$ 6,35?”, questionou. A resposta foi negativa.
Metodologia
Os parlamentares questionaram quais foram as bases de cálculos e a metodologia utilizados que permitiram à Maciel afirmar em relatório que o custo da passagem de ônibus deveria ser de R$ 6,35. Mesmo sendo responsável técnica pelo relatório apresentado, a contadora não soube explicar como chegaram a esse valor, nem por que o trabalho foi feito por amostragem, o que claramente contrariava o edital. De forma bastante confusa, Shaila Silva revelou que o objetivo do trabalho não era indicar o valor da tarifa, mas o percentual da taxa de retorno do investimento das empresas. Ela disse que a metodologia utilizada foi com base no contrato de concessão e nas médias das notas fiscais apresentadas e confrontadas com as estimativas da ANTP. Silva afirmou que “o trabalho executado foi com relação à parte da avaliação da taxa de retorno e de investimento e se chegou à tarifa de R$ 6,35. Não significa que a tarifa deva ser 6,35”, completou.
Ela disse ainda que o escopo do edital era para “analisar as despesas e custos incorridos na licitação da concessão pública. As despesas incorridas consideradas, apresentadas pela BHTrans, foram as despesas através dos custos da ANTP . Essa foi a base do trabalho”, afirmou. Braulio Lara (Novo) quis saber se os documentos apresentados eram suficientes para fazer uma auditoria, tendo em vista que menos de 17% do que foi exigido pelo edital teria chegado às mãos da empresa responsável. Para complementar, Reinaldo Gomes Preto do Sacolão (MDB) quis saber como foram escolhidas essas notas e se a depoente tinha conhecimento de que a amostra não chegava a 17% do que deveria ser analisado. Ela respondeu que as notas foram escolhidas pela Maciel por meio de amostragem e explicou que não foram avaliadas mês a mês. De acordo com ela, apenas os custos, que foram repassados pela BHtrans e pelas concessionárias, foram avaliados mês a mês.
Então, rebateu Bella Gonçalves (Psol), se o que foi analisado mês a mês, e durante apenas três meses, foram os custos apresentados pela BHTrans, o edital não foi cumprido. A vereadora demonstrou desconfiança no processo ao constatar que uma única concorrente fez um estudo claramente benéfico para as empresas. “Parece haver um combinado entre a BHTrans e a empresa para se fazer o balanço de custos de três meses do período total e, o restante dos períodos, a partir das projeções da ANTP. Além disso, foi feita uma análise por amostragem - o que não era permitido - amostras diferentes das que foram solicitadas à BHTrans”, pontuou a parlamentar. E completou que “atestar notas tidas como verdadeiras não é auditar.”
Notas rasuradas
Confrontada pelos parlamentares sobre a utilização de notas fiscais rasuradas ou emitidas em outro município, como Montes Claros e Conselheiro Lafayete, Shaila Silva respondeu que tais documentos não fizeram parte da verificação, ainda que as provas estivessem à mão. Mesmo com a confirmação de que os documentos apresentados constam oficialmente do relatório assinado pela contadora, conforme apresentação visual, ela insistiu em afirmar que tais notas não teriam sido consideradas. A negativa irritou o presidente da CPI, que chegou a citar um bordão usado pelo apresentador de TV Chacrinha: “Não vim pra explicar, eu vim para confundir”. Ele lembrou as manifestações realizadas em 2013, por causa do aumento das tarifas, e pediu desculpas à população por não conseguir “abrir a caixa preta da BHTrans”, objetivo que vem perseguindo desde 2017, sem sucesso.
O vereador Gabriel acusou a empresa Maciel Consultores de fazer uma "auditoria fajuta” que não atende ao proposto, tendo em vista que "não analisou sequer 20% do esperado”. O parlamentar lembrou que, quando um agente público não garante o cumprimento das cláusulas de contrato firmado, ele incorre em crime de prevaricação.
O parlamentar chamou a atenção para o fato de que a Shaila Silva, apesar dos longos anos de atuação na área de contabilidade, não teria experiência com mobilidade urbana e classificou como amadorismo o trabalho entregue pela empresa. “A senhora não é objetiva, não responde aos questionamentos e foi contratada para fazer algo que nunca fez na vida”, disparou.
Diante de respostas evasivas, o presidente da CPI afirmou que é preciso saber quem contratou a empresa Maciel Consultoria e quem topou fazer uma licitação pela metade do preço com o dobro do escopo. Ele também questionou “como alguém faz um processo licitatório com uma empresa que afirma gastar a metade do tempo que outras grandes empresas gastariam para executar o que foi pedido.” E concluiu: “a senhora assinou uma peça de ficção”. O vereador Reinaldo Gomes concordou. “Parece que a senhora foi contratada só para assinar o documento. Não consegue responder o básico. Vocês foram contratados para fazer um trabalho e entregaram uma coisa muito diferente”, afirmou, destacando que a empresa não tinha competência para realizar o trabalho e que não cumpriu as regras do edital. Reinaldo Gomes afirmou ainda que tudo leva a crer que a auditoria foi uma fraude. “O tempo utilizado foi mínimo, nada do que o edital exigia foi cumprido e a senhora não sabe de nada”, alegou.
Indícios de fraude e nova chance de resposta
Gabriel concordou com a hipótese de fraude e destacou que tudo que foi mostrado impacta no valor da tarifa. De acordo com ele, a auditoria não identificou sequer notas fiscais relativas aos custos de um casamento. Ele questionou a depoente se o relatório assinado por ela afirma que as empresas de ônibus de BH atuam no prejuízo. Sem resposta, ele lamentou: “a senhora foi contratada para responder isso e não se lembra?”.
Ele questionou se algum agente público passou diretrizes para que fosse feita vista grossa e assegurou que a empresa deve ressarcir os cofres públicos. O presidente da CPI afirmou que vai fazer uma representação no Conselho de Contabilidade contra Shaila Silva para que nenhum outro município passe pelo que BH está passando. Gabriel destacou que, em virtude do relatório apresentado pela consultoria, muitos empresários foram à Justiça reclamar um aumento na tarifa e, ainda, processar o prefeito por não liberar tal aumento. “Ou você agiu de má fé ou é incompetente e não pode continuar a prejudicar a sociedade".
A vereadora Bella Gonçalves interveio e pediu que as perguntas fossem encaminhadas para a testemunha por escrito, dando a ela mais uma oportunidade de respondê-las antes de notificar o Conselho. A parlamentar advertiu que nenhum outro depoente foi confrontado com essa possibilidade e que não seria justo tomar essa decisão agora.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional