Capacitação da rede de proteção é vital no combate ao abuso infantil

Qualificar profissionais da rede de proteção é essencial para garantir um atendimento mais eficaz, humano e livre de revitimizações nos casos de abuso e exploração sexual infantojuvenil. Este foi um dos apontamentos feitos durante seminário realizado na manhã desta sexta-feira (23/5) na Câmara Municipal de BH. O evento, realizado pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, foi solicitado por Juhlia Santos (Psol) e Dr. Bruno Pedralva (PT), e contou com a participação de representantes das principais entidades que compõem a Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente no Estado de Minas Gerais, como o Ministério Público Estadual (MPMG), a Polícia Civil, a Polícia Militar e conselheiros tutelares de BH. Prevenção ao abuso, acolhimento das vítimas e desafios vividos pelo Judiciário foram debatidos por duas mesas formadas por especialistas. Ao final do encontro, foi sugerida a formulação de uma emenda parlamentar impositiva que destine recursos para viabilizar a capacitação dos agentes da rede de proteção e a criação de um projeto de lei que impeça que condenados por crimes contra crianças e adolescentes ingressem no serviço público municipal.
Infância em risco
O delegado da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Diego Mendonça, trouxe dados de 2023 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontando que 86% dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes são cometidos por pessoas próximas ou do convívio familiar. O caso de uma criança de nove anos que prestou depoimento contra o pai foi compartilhado pelo juiz José Honório Rezende, da Vara da Infância e Juventude de Ibirité. A mãe, responsabilizada por omissão, foi condenada a 13 anos de prisão.
A médica pediatra Tatiane Miranda, que atua na rede Fhemig e no Hospital Infantil João Paulo II, ainda destacou dados considerados alarmantes sobre tráfico de adolescentes transexuais, especialmente na Região Norte do país, e lembrou que meninas trans têm o dobro de chance de sofrer abuso sexual na infância em comparação com adolescentes cisgênero.
Prevenção e identificação de casos
Alguns sinais de comportamento podem indicar que a violência aconteceu, de acordo com a médica legista Cristiani Regina de Faria, especialista em sexologia forense do Instituto Médico Legal (IML). São indícios como hipersexualização em crianças pequenas ou retraimento e automutilação em adolescentes. Ela ainda reforçou a obrigação legal dos profissionais de saúde de notificarem suspeitas de abuso. “Notificar não é acusar. Esse é o primeiro mito que precisamos combater”, defendeu.
Para que a própria criança consiga identificar situações de abuso, existem materiais educativos como o "Semáforo do Toque", destacado pelo delegado Diego Mendonça. O semáforo ajuda a abordar o tema de maneira acessível e não sexualizada, estabelecendo regiões do corpo que não devem ser tocadas por adultos.
“A prevenção começa com informação. Fortalecer as crianças é fundamental”, afirmou o delegado.
Atendimento às vítimas
A defesa das crianças e adolescentes também passa pela qualidade do atendimento às vítimas e fortalecimento da Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. Gerente do Centro de Referência em Saúde Mental Infanto-Juvenil (CERSAMi) Centro-Sul, o psicólogo Wellington Antônio Domingues reconheceu dificuldades dos profissionais da rede em lidar com o crime sexual, e lembrou que o despreparo pode gerar consequências graves à vítima. Também defendendo mais formação, a conselheira tutelar da Regional Centro-Sul, Dalila Rosane, chamou atenção para a falta de comitê de escuta especializada nos conselhos, que deveriam atuar compreendendo a rotina e o ambiente familiar de crianças vulneráveis. Isso estaria comprometendo a proteção integral de crianças que são vítimas dentro de seus próprios lares.
Acolhimento da Justiça
Os casos que são levados à Justiça também nem sempre são tratados da melhor maneira possível. É o que acredita o juiz José Honório Rezende. Ele criticou a revitimização nos processos judiciais e a dificuldade na implementação de medidas como o depoimento especial, previsto por lei desde 2017, que estabelece que a vítima dê seu depoimento se possível somente uma vez, em ambiente privativo, e que não tenha que ter nenhum tipo de contato com seu agressor, nem mesmo contato visual. “A Justiça precisa ser protetiva, não apenas punitiva”, argumentou.
A respeito das adolescentes transexuais vítimas de tráfico sexual, a médica Tatiane Miranda destacou problemas no acolhimento do Judiciário.
“Além do abuso, há assédio processual e dificuldade de acesso à Justiça, o que reforça um ciclo de exclusão e revitimização”, afirmou a pediatra.
Propostas
Dr. Bruno Pedralva propôs a formulação de uma emenda parlamentar impositiva para 2026 com foco em formação continuada para capacitar profissionais de saúde, educação e conselheiros tutelares dentro do tema do abuso infantojuvenil. As emendas impositivas são de execução obrigatória pela Prefeitura de BH e destinam uma parte do orçamento anual da cidade para atividades propostas pelos vereadores. Pedralva também defendeu uma revisão da legislação municipal para impedir o ingresso no serviço público de pessoas condenadas por crimes contra crianças e adolescentes.
“Não podemos seguir uma linha punitiva, mas precisamos proteger as crianças que são atendidas nas nossas escolas, centros de saúde, Centros de Referência de Assistência Social e outros equipamentos”, concluiu o vereador.
Superintendência de Comunicação Institucional