Crianças apresentam suas sugestões sobre a cidade que desejam ter

Um espaço na Câmara Municipal para que as crianças tenham voz nas decisões da cidade. Esta foi uma das várias sugestões apresentadas durante audiência pública que debateu os direitos e as percepções das crianças sobre Belo Horizonte. O encontro, realizado pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, discutiu com meninos e meninas, de 10 a 13 anos, suas principais reivindicações para a capital mineira. Solicitada por Wagner Ferreira (PDT), a reunião contou também com a participação de representantes da Prefeitura e de dirigentes de movimentos em defesa das crianças. Além do direito ao brincar, a partir do aumento do tempo de recreação nas escolas e da oferta de mais áreas de lazer nas praças, foram apontadas como demandas a ampliação da Escola Integral, a implementação da escola bilíngue em Libras e a oferta de diferentes modalidades esportivas. Crianças moradoras de regiões vulneráveis pediram ainda urbanização das vilas, vagas em creches, escolas dentro da comunidade e Wi-fi. Especialistas lembraram a importância de se cumprir a legislação vigente que determina que crianças são sujeitos de direitos e que políticas públicas para o segmento devem não devem prescindir da participação delas. Além disso, ressaltaram a necessidade de se pensar estratégias que alcancem a diversidade e a individualidade das crianças, como as que estão institucionalizadas ou em hospitais.
Cidade pensada também pelas crianças
A audiência é parte das ações que debatem no Legislativo a criação do Plano Municipal da Primeira Infância de Belo Horizonte. Objeto de proposta parlamentar, por meio do PL 603/2023, o texto tem entre seus princípios o fortalecimento do vínculo e do senso de pertencimento familiar e comunitário; o desenvolvimento integral da criança, com foco nas interações e no brincar; e a articulação entre administração pública, família, comunidade e sociedade civil para efetivação da prioridade das crianças nas políticas públicas. A proposta foi aprovada, em 1º turno, na tarde de ontem (23/10) e agora as emendas apresentadas serão avaliadas pelas comissões.
Segundo Wagner Ferreira, que também assina o PL, o prefeito Fuad Noman já teria se comprometido com a sanção da medida e então é fundamental que as crianças, em suas diversidades, sejam ouvidas em suas necessidades a partir das políticas públicas ofertadas pelo Município. Precisamos saber o que pensam as crianças sobre a educação, a saúde, a cultura, a alimentação, o meio ambiente e a acessibilidade. Uma cidade que valoriza a infância é uma cidade boa para todo mundo, e temos que mudar essa cultura de fazer uma cidade só pensada pelos adultos”, afirmou o parlamentar ao abrir o encontro.
Desirée Ruas, integra a secretaria executiva da Rede Primeira Infância (Repi-MG) e ressalta a importância de dar visibilidade às demandas das crianças e de tornar compromisso do poder público pensar a cidade também a partir delas. Segundo a especialista, é comum a percepção de que elas não estariam capacitadas, mas isso trata-se de um equívoco. “Elas nos permitem ter uma visão sensível e completamente diferente. As crianças enxergam coisas que nós adultos não enxergamos e trabalhar juntos, adultos e crianças, nesses processos é de fundamental importância, para que elas não tenham apenas participações figurativas”, explicou, lembrando ainda ser importante criar e consolidar os espaços de participação infantil.
Crianças em suas diversidades
Ouvir as crianças implica em reconhecer suas individualidades e necessidades. Foi a defesa de Jacqueline Dantas, que se dedica à infância hospitalizada. Segundo a pedagoga, é preciso pensar que existem crianças que passam boa parte da vida em um hospital, e outras, entretanto, que passarão a vida inteira. Para a especialista, é preciso pensar estratégias para que essa criança não perca a infância e que ela tenha acesso à bens que são comuns a todas as crianças. “Existe uma lei que determina a criação de brinquedotecas nas unidades que ofertam tratamento pediátrico e infelizmente ela não é cumprida. Negligenciamos estes espaços, que são locais onde elas poderiam ter um respiro da dor de um tratamento. Além disso, existem crianças em locais aos quais estamos acostumados, como escolas e praças, mas existem crianças institucionalizadas, nas prisões com suas mães e precisamos garantir o direito de todas ao brincar”, afirmou.
As irmãs Thayane e Thayná integram o Movimento Bilíngue e na audiência apontaram a dificuldade das crianças surdas em viverem em uma cidade não acessível. Filhas de pais também surdos, segundo Thayná, a rede da saúde, por exemplo, não é inclusiva. “Fomos ao médico, ele era só ouvinte e não tinha intérprete disponível. Agora quando vamos a uma consulta, pagamos pelo intérprete. Então é difícil”, contou, defendendo ainda a criação de uma escola bilingue para que professores possam ensinar em Libras.
Lazer, escola integral e infraestrutura
E se as crianças são diversas, o que elas querem da cidade e para a cidade parece espelhar isso. Lucas, Emily, Kaunany e Arthur são alunos da Escola Municipal Hebert José de Souza, no Bairro Novo Aarão Reis e trouxeram como demanda a criação de mais parques com bebedouros e banheiros; oportunidade para novas práticas esportivas, além do futebol e mais vagas na Escola Integral.
A Associação Buritis de Esporte e Cultura (Abesc) atua no esporte como forma de promover a atividade motora, a socialização e a cognição das crianças. O trio Clara, Julia e Luan é atendido pela entidade e trouxe como sugestões a ampliação do horário do recreio nas escolas e a criação de quadras públicas de handebol, além da manutenção das que já existem.
Moradores da comunidade Dandara, Esther, Rodrigo e Kiara disseram que seria importante que o bairro tivesse escolas próprias, já que é caro pagar escolar para o transporte para outros bairros; aulas de reforço nas escolas, além de criação de uma rotatória na entrada do bairro e asfaltamento das ruas, para que não haja alagamentos e lama no período chuvoso.
Escuta e espaço de voz
Dirigentes da Secretaria Municipal de Educação (Smed) concordaram com a importância e necessidade de uma escuta atenciosa das demandas das crianças. Vânia Machado, gerente de Coordenação Pedagógica da Educação Infantil ressaltou que no Município a prática é uma prioridade. “A criança já é um sujeito de possibilidades e na educação infantil a nossa proposta é essa de ouvir. Isso não acontece do dia para a noite, nossa estrutura não nos dá muita condição, mas com o que temos é para ontem”, destacou.
Para o encerrar o encontro, Júlia Bonitese apresentou algumas de suas demandas. A ativista ambiental, que tem 11 anos, defendeu o incremento dos espaços de lazer como forma da criança estabelecer vínculo e interesse com a cidade e a comunidade em que vive, a fim de gerar compromisso ambiental e social com o país e o planeta.
Após uma pesquisa com os seguidores na sua rede social, Júlia destacou como principais reivindicações das crianças: a falta de praças e de brinquedos, bancos e árvores nas que existem; a falta de manutenção nos parques e de opções de brinquedos que possam desafiar a inteligência das crianças, além da impossibilidade de brincadeiras com água. “Não temos um lugar onde possamos ligar uma mangueira e brincar. Temos os clubes e parques aquáticos, mas são espaços pagos e isto é um problema, porque nem todos podem pagar”, descreveu.
Júlia Bonitese finalizou o debate dizendo que irá trabalhar para que BH tenha um local para o debate e a escuta dos interesses das crianças. Segundo a ativista, o artigo 4º do Marco Legal da Primeira Infância prevê que as políticas públicas voltadas ao atendimento dos Direitos da Criança na primeira infância devem ser elaboradas e executadas de forma incluir a participação da criança na definição das ações que lhes dizem respeito e em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento. “Por isso vou lutar e já estou lutando para ter um Conselho Mirim aqui na Câmara Municipal. São Paulo já possui desde 2019, e já tem muita mudança acontecendo lá. E eu tenho certeza de que também conseguimos fazer essas mudanças se a gente realmente se empenhar”, finalizou.
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional