Carroceiros alegam falta de planejamento da PBH para implementação de lei
Faltando pouco mais de um mês para a proibição definitiva de veículos puxados por animais na capital, a Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou, nesta terça-feira (16/12), uma audiência pública para debater os direitos fundamentais dos carroceiros. O encontro buscou discutir as medidas que estão sendo tomadas para assegurar a transição para modelos motorizados ou reinserção desses trabalhadores no mercado. Carroceiros se disseram preocupados com o sustento das famílias, com a dificuldade que alguns terão com a adoção dos veículos motorizados, e com a destinação dos animais. Autor do requerimento que deu origem ao encontro, Pedro Patrus (PT) disse que solicitará uma reunião com o prefeito Álvaro Damião, para que sejam esclarecidos os procedimentos que serão adotados a partir de janeiro, bem como a inclusão dos carroceiros à comissão intersetorial que trata da implementação da norma.
Respostas concretas
Com as alterações instituídas pela Lei 11.611/2023 na norma que dispõe sobre a criação do Programa de Substituição Gradativa dos Veículos de Tração Animal em Belo Horizonte, o prazo final para circulação de carroças puxadas por animais foi fixado para o dia 22 de janeiro de 2026. Diante da proximidade da efetivação, Pedro Patrus declarou que a audiência pública tinha o objetivo de responder a questionamentos sobre a implantação da lei. O parlamentar afirmou que a prefeitura deve informar de que forma se dará a transição, e se há previsão de substituição do trabalho feito pelos carroceiros, como o de capina.
“Eu quero escutar da prefeitura o que é que foi feito. Qual a substituição gradativa que aconteceu até agora? Qual a política que foi feita, e o que nós podemos apresentar aqui hoje com relação, em primeiro lugar, aos carroceiros e a suas famílias. Como vai se dar essa transição? Nada disso a gente tem uma resposta concreta, e eu quero ver quando chegar no dia 22 de janeiro”, declarou Pedro Patrus.
“Situação calamitosa”
Representantes dos carroceiros se declaram preocupados com os impactos que a lei vai trazer para a categoria. Segundo relatos, muitos já estão adoecendo em função da preocupação com o sustento da família e com a destinação que será dada a seus animais. Presidente da Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos(as) de Belo Horizonte e Região Metropolitana (ACCBM), Sebastião Alves Lima afirmou que os carroceiros estão vivendo “uma situação bem calamitosa”, e chamou atenção para a falta de condições de muitos dos trabalhadores de pilotarem um veículo motorizado, alternativa proposta como substituição aos veículos de tração animal. Sebastião declarou ainda que a atividade é mais do que uma fonte de renda, “é o nosso modo de vida que está sendo ignorado pelo progresso”.
“Esse projeto nunca foi viável para nós e nunca será. Nós nunca procuramos trocar os nossos animais por qualquer coisa motorizada que seja, mesmo porque nós temos amor por nossos animais, eles são a razão do nosso viver”, completou Sebastião.
Os carroceiros ainda ressaltaram que muitos não são alfabetizados, o que inviabilizaria a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), necessária para a condução do veículo motorizado. Integrantes da associação da categoria também destacaram que em nenhum momento do processo de tramitação do projeto de lei foram consultados pelos vereadores autores da proposta ou pela Prefeitura de Belo Horizonte. Segundo eles, a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), direito fundamental de povos tradicionais afetados por medidas legislativas, não aconteceu. “Nunca procuraram a associação para nada. Não nos receberam em momento nenhum. Por que esse descaso com os carroceiros e carroceiras?”, questionou Marcelo Rodrigues, membro da ACCBM.
Preservação dos modos tradicionais
Pesquisadores e representantes do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública de Minas Gerais destacaram o caráter de comunidade tradicional dos carroceiros e a necessidade de preservação dos seus modos tradicionais de vida. Defensora pública do estado de Minas Gerais, Ana Cláudia Alexandre reiterou que a categoria deveria ter sido ouvida pelo direito à CLPI, e esclareceu que a ação pública movida pela defensoria questiona pontos que não foram apresentados aos carroceiros que, segundo suas palavras, "não têm nenhuma ideia do que pode vir a acontecer”.
“A lei viola direitos humanos, é racista e xenófoba, porque quer de certa forma higienizar, limpar as ruas de Belo Horizonte dessa tração animal e desses que efetivamente executam as atividades", disse o representante do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG) Aderval Costa Filho. O professor afirmou que os carroceiros são reconhecidos como comunidade tradicional e estão resguardados pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, e que a prefeitura deve “prover imediatamente" um programa de transferência de renda para cobrir os prejuízos desses trabalhadores "até que o modo de vida seja resguardado”, disse.
Também pesquisador da UFMG, o professor Emmanuel Duarte Almada apontou um diagnóstico realizado pela instituição que revela que 12% dos carroceiros são analfabetos, e 51% têm apenas o fundamental incompleto, dados que evidenciam os pontos colocados pelos carroceiros e reforçam suas preocupações.
Posicionamento da prefeitura
Diretora de Parcerias e Projetos da Fauna da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), Jane Karoline Souza informou que uma comissão intersetorial está desenvolvendo um plano para implementação das medidas previstas na Lei 11.611/2023. Segundo Jane, os projetos da PBH estão estruturados em três pilares. Um deles é a oferta de triciclo motorizado para os carroceiros que tenham interesse e habilidade para pilotar o veículo, e da CNH social, sem custos para os que puderem obtê-la. Para os que não têm interesse ou condições de pilotar o triciclo, um outro pilar do projeto busca oferecer qualificação prática, com oferta de bolsa durante o período da qualificação, “para que as famílias mantenham suas rendas”, disse ela.
O terceiro pilar é o auxílio da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) para aqueles que tenham direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS). Jane Souza esclareceu que o recolhimento dos animais não será feito de maneira compulsória, e que os carroceiros não serão obrigados a entregar seus animais. “Caso tenha interesse em entregar, a prefeitura está estruturada para receber esses animais e dar destinação para eles”, disse Jane. A diretora da PBH ainda informou que um decreto com as diretrizes de como essa lei se aplicará, na prática, está sendo construído pela comissão, e deve ser publicado nas próximas semanas.
Pedro Patrus afirmou que irá solicitar uma “reunião urgente” com o prefeito Álvaro Damião para que ele esclareça os procedimentos que serão adotados a partir do dia 22 de janeiro; bem como a integração dos carroceiros à comissão intersetorial que foi formada. Um pedido de informação ainda deverá ser enviado à prefeitura cobrando dados sobre o orçamento destinado às ações previstas.
Superintendência de Comunicação Institucional
