Vereadoras apresentam pedido para incluir absorventes nas cestas básicas da PBH
Tema foi discutido na audiência da Comissão de Mulheres sobre impacto da pobreza na dignidade menstrual
Foto: Abraão Bruck/CMBH
Debater o impacto da pobreza na dignidade menstrual para mulheres em situação de vulnerabilidade social foi o objetivo da audiência pública realizada nesta sexta-feira (5/3) pela Comissão de Mulheres. A intenção é elaborar iniciativas que contribuam para eliminar a desigualdade social em que vivem grande parte das mulheres belo-horizontinas. Solicitada pelas vereadoras Bella Gonçalves (Psol) e Iza Lourença (Psol), a audiência teve a participação de várias convidadas que expuseram a questão da pobreza menstrual, a qual não passa apenas pela falta de acesso a produtos de higiene íntima, mas denuncia um problema global de desigualdade social. Foi aprovado envio de indicação ao prefeito Alexandre Kalil para incluir absorventes nas cestas básicas distribuídas a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e/ou famílias que tiveram acesso à renda prejudicado durante a pandemia de covid-19.
Iza Lourença, que conduziu a audiência, lembrou que o tema mestruação é tabu, apesar de estar sendo muito discutido atualmente no país inteiro. A vereadora falou sobre a necessidade de distribuir absoventes higiênicos gratuitos para mulheres em situação de vulnerabilidade social, “diretamente nos postos de saúde”. Para abrir o debate, ela apresentou um vídeo feito com mulheres atendidas pelo Projeto Flores da Resistência, que fornece kits de higiene, principalmente na Região do Barreiro. As entrevistas revelaram diversas situações de constrangimento e falta de dignidade pela qual passaram as mulheres entrevistadas. O vídeo também trouxe a conceituação de pobreza menstrual e seus riscos à saúde, a questão da dignidade menstrual na Constituição Federal, propostas da sociedade civil e da iniciativa privada e dignidade menstrual como política pública.
Fernanda Pereira Altoé (Novo) apresentou um vídeo sobre a menstruação como tabu e o surgimento e evolução dos produtos de higiene para esse período.
Em 2014, Maria Teresa Santos, representante da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, foi com sua equipe visitar o presídio São Joaquim de Bicas 2 para uma palestra. Durante uma oficina, ela observava o interior das celas “para ver o que tinha de errado”, quando vislumbrou um saquinho com miolo de pão sobre uma cama. Como uma detenta falou sobre a pouca quantidade de comida na unidade, Maria Teresa estranhou o desperdício, até descobrir que o miolo era usado como absorvente higiênico. “Fiquei extremamente abalada. O Estado prende essas pessoas e não oferece um absorvente nem uma calcinha para vestir”, indignou-se. A assistente social que estava no local informou que o Estado mandava, sem regularidade, um pacote de absorvente para cada presa. Diante da situação, muitas se vêem obrigadas a cortar pernas de calças para fazer um forro visando conter o fluxo, mas podem sofrer sanções de “dano ao patrimônio público” por estragar os uniformes. Nesse contexto de privações, surgiu o Flores do Cárcere que, com a ajuda de diversas mulheres e movimentos sociais, coleta doações de materiais de higiene para as encarceradas.
Modelo de coorperativa
Idealizado pela empresa Herself com apoio de diversos coletivos, o Movimento Cadê o Absorvente luta pela dignidade menstrual, por meio de petição contra a pobreza menstrual, oficinas de educação menstrual e de confecção de bioabsorventes. A representante Raissa Assman Kist explanou que “o objetivo do Cadê é possibilitar que todos possam viver a menstruação com autonomia e conhecimento do próprio corpo”, difundindo conhecimento e com “soluções adaptáveis a cada contexto”. Ela informou que, anualmente, uma mulher precisa de dois meses de renda do Bolsa Família para comprar absorventes, “em detrimento de outras necessidades básicas”, além de explicar sobre o desenho de uma cooperativa municipal de mulheres, para a confecção de calcinhas e absorventes para uso e venda, “forma de autonomia e fonte de renda”. Diante do questionamento de Flávia Borja (Avante) sobre a existência dessas cooperativas atualmente, Raissa contou que o movimento já opera, no Rio Grande do Sul, com maquinário existente no sistema prisional, e citou a cooperativa Libertas, de ex-presidiárias de São Paulo.
Luísa Manoela Romão Salles, do Girl Up - movimento global da Fundação ONU que luta pela igualdade de gênero - delimitou o que é pobreza menstrual e, assim como outras presentes, colocou em relevo a necessidade de distribuição gratuita de protetores higiênicos, esclacerendo que as mulheres têm, em média, 450 ciclos durante a vida, com os quais vão gastar um montante entre R$6 mil e R$8 mil. Ela também destacou a necessidade de diminuir e/ou retirar impostos sobre os absorventes e as iniciativas legislativas para garantir a distribuição gratuita desses materiais de higiene íntima em outros estados.
Itens de higiene como básicos
"Eu não entendo por que não é lei. Já sabem que vai acontecer 450 ciclos e nada é feito”, desabafou a representante da Campanha Flores da Resistência, Simone Maria da Penha de Oliveira. Ela demonstrou ter conhecimento prático sobre a pobreza menstrual: “No meu tempo eu tive que usar manga de blusa. Eu ficava toda assada, eu tinha que usar maisena, farinha de trigo”. Por conta de sangramento excessivo e da falta de recursos para comprar itens de higiene, Simone se viu obrigada a retirar o útero aos 39 anos. Mas o problema não acabou aí. Moradora da Vila Cemig, ela contou que a própria filha falta de aula quando está menstruada. “Aí eu vou na escola, justifico essa falta, muitas vezes eu minto”, admitiu, em seguida questionando quantas outras meninas fazem isso. “É muito duro uma mãe ter que escolher: eu compro pão ou compro absorvente?”
Para a vereadora Flávia Borja, duas questões foram muito levantadas: a falta de educação quanto ao período menstrual e os impostos. Esclarecendo que “não existem impostos municipais que incidem sobre absorventes”, pois a taxação ocorreria nos níveis estadual e federal, ela relatou que a Associação Comercial de São Paulo apontou uma taxação de 34,48% sobre os absorventes, “quase um terço do valor pago”. A parlamentar também sugeriu colocar o item nas cestas básicas e destacou a ideia das cooperativas como a mais positiva, pois, além de suprir a necessidade mensal do absorvente, traz a “dignidade do trabalho”.
A necessidade da criação de projetos de lei que considerem itens de higiene como básicos para a saúde da mulher também foi destacada pela representante da Marcha Mundial das Mulheres, Lígia de Laurentis Sabino, para quem a falta de acesso a esses produtos e o adoecimento causado pela falta de higiene “é mais uma das faces da desigualdade”, muito demarcada no caso da população em situação de rua. Ela elencou fatores de risco para a pobreza menstrual, como sofrimento psíquico, falta de moradia, violência, uso abusivo de álcool e outras drogas e conduta de ruptura de vínculos sociais (que afastam as pessoas dos serviços do SUS e do SUAS). Além disso, os serviços como consultório de rua recebem orçamento mensal de apenas R$ 1 mil, para um “processo burocrático de compra de insumos”.
A questão da dignidade menstrual para profissionais do sexo e pessoas trans foi levantada por Sandra Muñoz, do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte: “A gente tá falando de corpos. A gente pensa que todos os corpos são iguais”. Ela assinalou a luta para convencer os profissionais de saúde a atender a população em situação de rua, a invisibilidade do tema em relação às profissionais do sexo e a condição dos homens trans, já que nem todos passam pelo tratamento hormonal e, dessa forma, vários continuam menstruando.
Debate dentro da PBH
A secretária municipal de Assistência Social, Segurança e Cidadania, Maíra da Cunha Colares, se comprometeu a fazer, “de forma intensa”, a discussão sobre dignidade menstrual dentro da Prefeitura, especialmente com as áreas da saúde e educação, também tendo em vista a educação sexual. Outro compromisso assumido foi de “reforçar a necessidade de ampliar as estratégias”, embora tenha pontuado que a discussão está no escopo do Programa Saúde na Escola. A secretária defendeu o acesso à informação “para que a menstruação não seja um constrangimento” e garantiu que o Executivo entrega “serviços que atendem tanto meninas quanto mulheres em relação à dignidade menstrual”, sem se configurar como política universal – citando o trabalho com mulheres em situação de rua na região da Lagoinha, uma unidade na Pampulha que tem processo de confecção na linha das cooperativas e a entrega de 270 mil cestas básicas por mês, vigente há um ano, por conta da pandemia de covid-19.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional