ANEMIA FALCIFORME

Pacientes e entidades reivindicam atenção integral e abordagem interdisciplinar

Negros e pobres representam 95% e 98% dos brasileiros afetados pela doença genética que causa sofrimento e morte

quarta-feira, 17 Novembro, 2021 - 22:45

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Informação e conscientização da sociedade, capacitação de profissionais e ampliação do acesso a tratamentos especializados são demandas essenciais das pessoas com doença falciforme (DF), que afeta o sangue e causa problemas circulatórios graves, podendo levar ao óbito. Em audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento nesta quarta-feira (17/11), órgãos e entidades apresentaram dados e ações desenvolvidas e pacientes relataram suas dificuldades e dores. Os participantes celebraram os avanços já obtidos, mas alertaram que ainda há muito a ser feito para garantir o acesso universal ao atendimento e acompanhamento adequados, prevenção e tratamento, melhorando a qualidade de vida das crianças, jovens, adultos e suas famílias, a maioria negra e pobre. Ativista da causa, a requerente da audiência, Macaé Evaristo (PT), vai encaminhar indicações sugerindo a adoção imediata das medidas reivindicadas.

Macaé Evaristo explicou que requereu a audiência com o objetivo de dar visibilidade ao tema, compartilhar conhecimentos e buscar novas perspectivas na abordagem da doença falciforme (DF), que provoca alteração nos glóbulos vermelhos do sangue (hemácias) gerando anemia crônica e problemas de circulação em órgãos e tecidos, predominantemente na população negra. Segundo a vereadora, que acompanha e participa dessa luta há muitos anos, 95% dos afetados e suas famílias são negros e 98% são beneficiários do bolsa-família, e sua condição dificulta a sensibilização e o acolhimento da sociedade e a atenção integral e intersetorial ao problema, que poderia reduzir significativamente os sofrimentos e óbitos, especialmente de crianças e jovens.

A presidente da Fundação Hemominas, Júnia Guimarães, explicou que a DF é hereditária e foi trazida pelos negros escravizados, forçados a vir para o Brasil; hoje, segundo dados do Ministério da Saúde, é a anemia congênita mais comum no país. A médica apresentou números da doença no estado e um breve histórico das pesquisas, projetos e ações voltadas ao diagnóstico, cadastro e triagem de casos, atendimento primário e especializado, planejamento e organização de protocolos, divulgação de informações, capacitação de profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, entre outras, em parceria com o Ministério e as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da UFMG e associações nacionais e estaduais de pacientes.

Diagnóstico e tratamento

Segundo Júnia Guimarães, ocorreram avanços significativos a partir da implantação do diagnóstico neonatal conhecido como "Teste do Pezinho” na rede de saúde, favorecendo o cuidado precoce, a prevenção de complicações e óbitos e possibilitando a identificação de traços genéticos da doença, presentes em um a cada 30 recém-nascidos. A detecção facilita a conscientização e orientação de jovens e adultos em relação à transmissão hereditária e ações voltadas à contracepção e ao planejamento familiar. A Fundação Hemominas também desenvolve pesquisas e testes de novos medicamentos e tratamentos para as consequêncas da doença (dores intensas, problemas ósseos e articulares, acidentes vasculares, disfunções de órgãos, úlceras nas pernas, entre outras); acolhe, monitora e encaminha gestantes e demais pacientes aos tratamentos adequados, da fisioterapia às cirurgias e transplantes, em parceria com os Hospitais Municipais Odilon Behrens e Célio de Castro e o Hospital das Clínicas da UFMG.

José Nélio Januário, do Nupad, também ressaltou o trabalho conjunto dos órgãos e entidades e a importância ds ações educacionais e pedagógicas, que ensinam a identificar e entender a doença e a forma correta de lidar com ela. O médico elogiou o trabalho da Hemominas e o fluxo assistencial estabelecido em Belo Horizonte, beneficiado pelos avanços científicos e projetos realizados e a adequação da rede pública, hoje referência no acolhimento e cuidado de eventos agudos. Casos recebidos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) são encaminhados com prioridade aos hospitais da rede, e os que exigem especialidades não disponíveis são atendidos em outras unidades hospitalares.

Luta dos pacientes

Representando os pacientes, a presidente da Associação de Pessoas com Doença Falciforme (Dreminas), Maria Zenó, relatou a luta histórica e permanente da entidade cobrando e propondo medidas e ações em todas as esferas de governo e setores da sociedade. Uma das reivindicações mais importantes diz respeito ao financiamento e aporte de recursos para a efetivação do atendimento e cuidados necessários, apurados pelas entidades e movimentos sociais que lidam diretamente com a questão no dia a dia. A ativista agradeceu o trabalho e a dedicação dos orgãos e instituições parceiras para proporcionar o melhor atendimento e apoio aos pacientes e a colaboração de Macaé, agora como vereadora, dando continuidade à luta pela causa iniciada em suas atividades e cargos anteriores.

Emocionada, Zenó afirmou que “nada veio de graça” e cada conquista resultou do trabalho sério da entidade, que mantém contato e articulação permanentes com pacientes, órgãos e entidades para obter dados e propor ações efetivas, sendo hoje a única autorizada pelo Ministério da Saúde para exercer essas funções. Convivendo com as pessoas afetadas, ela conhece de perto suas dificuldades. “A pobreza tem cor”, afirmou, apontando que a população negra é reconhecidamente mais atingida pela doença e pela vulnerabilidade social, e lamentou o sofrimento, as mortes e a carência de educação, emprego e perspectivas de futuro. Segundo Zenó, a bolsa família é a única fonte de renda de 98% das famílias, 92% delas sustentadas por mulheres, e a sociedade precisa saber disso.

O paciente Marco Túlio, ligado à associação, testemunhou seu convívio com a doença e suas consequências, expondo as dores e dificuldades que interferiram em sua  qualidade de vida e na busca do crescimento pessoal, prejudicando o atingimento de seus objetivos acadêmicos e profissionais. Mesmo reconhecendo os avanços, ele considera que a rede de atendimento e cuidado ainda possui muitas deficiências, nem todos têm acesso às medicações e tratamentos adequados e as unidades básicas da saúde primária não estão preparados para atendê-los adequadamente, chegando a duvidar da gravidade da crise e da intensidade da dor. Desconhecimento ou dificuldades dos próprios pacientes também levam ao afastamento e baixa adesão ao acompanhamento periódico e ao tratamento.

A assistente social Eliana, também paciente e colaboradora da Dreminas, ressaltou a importância da assistência social na abordagem, orientação e apoio às pessoas e famílias afetadas pela DF, que não é reconhecida como deficiência, e relatou os esforços que desempenha em seu cargo na Prefeitura de Contagem para ajudá-las a se cadastrar e obter benefícios de programas sociais que as ajudem a cobrir os custos associados à doença e ao tratamento. Reforçando as falas que a antecederam, ela também defendeu a interdisciplinaridade na atenção integral aos afetados, possibilitando o atendimento de suas necessidades, que não se limitam aos cuidados de saúde.

Encaminhamento de demandas

Representando a Secretaria Municipal de Saúde, Carmem Lúcia Gomes declarou que acompanha e vive desde o início a construção gradual desses fluxos na rede pública e o esforço do Município para melhorá-los. Impressionada com o que ouviu, ela se comprometeu a levar ao secretário Jackson Machado as demandas prioritárias do segmento, como a retomada da capacitação de profissionais, prejudicada pela pandemia, e a oferta de insumos e tratamento específicos para a úlcera das pernas, que causa muita dor e limitações aos acometidos. Macaé Evaristo anunciou que vai encaminhar ao poder público, por meio da Comissão de Saúde e Saneamento, as solicitações e sugestões dos participantes, mantendo-os informados sobre os andamentos.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir "O que a cidade precisa saber sobre saúde e assistência à pessoa com doença Falciforme" - 41ª Reunião Ordinária - Comissão de Saúde e Saneamento