TRAÇÃO ANIMAL

Câmara vai mediar consenso entre carroceiros e defensores de animais

Em audiência pública marcada pela tensão entre as duas partes, vereadores vão criar grupo para debater formas de conciliar interesses 

terça-feira, 1 Agosto, 2017 - 20:00
Hall da presidência lotado por carroceiros e ativistas em defesa dos animais, que acompanham audiência sobre o tema

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Com o hall da Câmara de BH lotado de carroceiros e defensores dos direitos dos animais, os ânimos quase chegaram a se exaltar na audiência pública da Comissão de Administração Pública que debateu, nessa terça-feira (1º/8), o projeto de lei que prevê a substituição gradativa das carroças de tração animal por veículos motorizados. Dez vereadores participaram do encontro, no qual foi encaminhada a criação de uma comissão mista para discutir alternativas ou ajustes na proposta, repelida pela categoria e apoiada pelos defensores dos animais. O Executivo também será chamado a cumprir suas atribuições, referentes ao apoio nos cuidados com os animais e à fiscalização da atividade no município.

Promovida a requerimento do presidente da comissão, vereador Pedro Bueno (PTN), a audiência atraiu dezenas de carroceiros, que rejeitam a proposta alegando a “tradição cultural” representada pela atividade, a relação de afeto que existe entre o carroceiro e o animal e o temor de não se adequar às exigências do PL 142/17, de Osvaldo Lopes (PHS), perdendo o sustento de suas famílias. O projeto de lei prevê a redução gradativa dos veículos de tração animal (VTA) e humana (VTH) e a sua substituição por veículos motorizados em um prazo de quatro anos, nos quais deverá ser feito o cadastramento dos condutores e desenvolvidas ações para qualificar e viabilizar sua transposição para outros mercados de trabalho.

A proposta, explicada por Lopes e aplaudida por entidades e ativistas em defesa dos direitos dos animais, dá prazo de quatro anos para que seja proibida, em definitivo, a circulação de VTAs e cinco anos para que seja proibida, em definitivo, a circulação de VTHs, que poderão circular apenas em locais privados, áreas rurais ou em rotas previamente autorizadas pelo Executivo Municipal. O texto também autoriza o poder público a firmar convênio com instituições públicas e privadas, com vistas à implementação da lei. O autor do PL reafirmou seu compromisso com a defesa dos direitos dos animais e também com a dignidade humana, garantindo que a proposta visa ao progresso da própria categoria e também da cidade, terceira capital mais importante do país. Negando qualquer influência de empresários em sua iniciativa e afirmando não querer prejudicar os trabalhadores, ele sugeriu que uma comissão de carroceiros fosse conversar com ele em seu gabinete, de cabeça fria e sem agressões.

Além de Pedro Bueno e Osvaldo Lopes, estiveram presentes no debate os vereadores Hélio da Farmácia (PHS), Preto (DEM), Jorge Santos (PRB), Fernando Borja (PTdoB), Reinaldo Gomes (PMDB), Edmar Branco (PTdoB), Áurea Carolina (Psol), Dr. Nilton (Pros) e Gilson Reis (PcdoB). Este último, a exemplo do que já havia feito no Plenário na última reunião do mês de julho,  declarou-se contrário à proposta, que classificou de “irresponsável” pelo risco de prejudicar cerca de 6 mil carroceiros, sem contar as suas famílias, que dependem da atividade para sobreviver. Declarando-se biólogo de formação, Reis elogiou a preocupação do colega com os animais, mas reafirmou a acusação de que o PL atenderia aos empresários do ramo de caçambas, “ávidos” por “extinguir a concorrência”.

“Duas causas justas”

Os demais vereadores presentes também reconheceram a importância da categoria na história e na cultura da cidade, além dos serviços prestados na qualidade de “parceiros” da prefeitura na destinação correta de resíduos, parabenizando-os pela mobilização e pela disposição ao diálogo - apesar da atitude agressiva de alguns mais radicais, que chegaram até mesmo a ameaçar o autor da proposta e sua família. Defendendo o direito ao trabalho digno, especialmente em tempos de crise econômica e desemprego, eles ponderaram a necessidade de respeito à integridade física e ao bem-estar dos animais, reconhecendo a justiça das duas causas. Disponibilizando apoio à categoria, eles recomendaram a busca de soluções que conciliem os interesses, garantindo os direitos de todos e a paz social.

Os defensores do projeto de lei alegaram os inúmeros relatos de maus tratos aos animais registrados na cidade, ocorrências de abandono, sobrecarga e desrespeito à jornada máxima de trabalho e lembraram que a substituição por carroças mecânicas foi adotada com sucesso em outras nove capitais, representando progresso para a cidade, proporcionando melhores condições de trabalho aos carroceiros e poupando os animais do sofrimento.

Com relação às controvérsias sobre o número de carroceiros em atividade no município, cuja estimativa varia de 1.800 a 8.000, a representante da Secretaria Municipal de Governo, Maria Odília de Matos, informou que cerca de 2.500 condutores se cadastraram no último chamado da prefeitura, que não teve caráter obrigatório.

Sobre os maus tratos, apesar da negativa do advogado da Associação dos Carroceiros, Eduardo Lopes, e dos trabalhadores presentes, o alto índice de ocorrências e relatos que chegam às entidades foram apontados por participantes que defendem a proibição do exercício da atividade. De acordo com as ativistas Adriana Araújo, do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais, a advogada Samila e o protetor de animais Franklin de Oliveira, não apenas os maus tratos causam danos a esses animais, mas o próprio fato de viver em área urbana, distante de seu ambiente natural, sujeitos ao estresse do trânsito.

Papel da prefeitura

Gilson Reis e outros vereadores presentes mencionaram ainda a existência de lei municipal, aprovada na Casa e sancionada em 2011 (Lei 10.119), que disciplinou a circulação de animais montados ou atrelados a veículos no município. A norma foi regulamentada pelo Executivo em 2016, por meio do Decreto 16.270. Reis e os carroceiros cobraram o cumprimento do disposto no artigo 7º da lei, que autoriza à prefeitura a criar uma comissão composta por veterinários, representantes de entidades ligadas à proteção e bem-estar dos animais de grande porte, entidades ambientais e mestres-ferreiros, para atendimento e cuidados necessários à saúde dos animais cadastrados, além da fiscalização do cumprimento das determinações, verificando periodicamente suas condições físicas e de trabalho.

O mesmo artigo determina a promoção de esforços para garantir a gratuidade da realização dos procedimentos médico-veterinários previstos, por meio da celebração e da manutenção de convênios com entidades ligadas à proteção de animais de tração, possibilitando aos trabalhadores, que possuem baixa renda, o acesso aos devidos cuidados. A omissão do Município foi criticada por todos os participantes.

A representante de Paulo Lamac afirmou a preocupação e atenção do secretário e do atual prefeito Alexandre Kalil em relação ao impasse e comunicou que, a partir de agosto, a prefeitura dará andamento ao cadastramento e ao emplacamento das carroças em atividade, facilitando a abordagem da questão pelo município.

Encaminhamentos

Reafirmando que a proibição da atividade e a criminalização dos trabalhadores não são o melhor caminho para solucionar o impasse, Pedro Bueno também criticou a omissão do poder público, que não realiza as ações de fiscalização nem oferece o devido apoio à categoria, fazendo com que seja mal vista e hostilizada pela sociedade por causa dos maus profissionais. Reconhecendo as alterações e exaltação dos ânimos, o parlamentar solicitou o prosseguimento do diálogo a partir da criação de uma comissão mista, formada por vereadores, representantes dos carroceiros e da causa animal, com vistas a debater os pontos polêmicos da proposta e buscar alternativas que conciliem os diferentes interesses.  

O presidente da comissão anunciou ainda a apresentação de um requerimento, a ser aprovado na próxima reunião, solicitando o encaminhamento de indicação ao Executivo, cobrando o cumprimento das disposições da Lei 10.119.

Superintendência de Comunicação Institucional