Camelôs e vendedores ambulantes reivindicam direito de trabalhar nas ruas
Transferência para shoppings populares não agradou aos trabalhadores, que sugerem a criação de feiras livres e camelódromos
Foto: Abraão Bruck/Câmara de BH
Insatisfeitos com a redução da clientela e com o aumento de custos gerados por sua alocação em shoppings populares, determinada na Operação Urbana Simplificada do Plano de Inclusão Produtiva de Camelôs do Hipercentro (OUS-PIPH), dezenas de camelôs e vendedores ambulantes expuseram suas dificuldades e demandas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor nesta quarta-feira (29/8). Aprovada há um ano na Casa, a ação foi acusada de favorecer empresários em detrimento dos trabalhadores. Pedidos de informação sobre o andamento de licitações e uma Indicação* contendo as reivindicações e sugestões apresentadas serão encaminhadas à Prefeitura.
Sancionada em outubro na forma da Lei 11.074/17, a Operação Urbana Simplificada do Plano de Inclusão Produtiva de Camelôs do Hipercentro (OUS-PIPH), posteriormente estendida aos ambulantes das regionais Venda Nova e Barreiro, determinou a retirada dos camelôs das vias públicas e sua transferência para shoppings populares, com custos de aluguel subsidiados e oferta de cursos de capacitação. A política municipal abarcou ainda a regulamentação de várias atividades informais previstas no Código de Posturas da capital, como a dos pipoqueiros, fruteiros, caixeiros, guardadores de carros e vendedores ambulantes com deficiência, que também apresentaram suas demandas na audiência.
Após uma reconstituição do histórico das lutas desses trabalhadores, que reivindicam o direito de permanecer nas ruas e a regulamentação de suas atividades, as vereasoras que conduziram a audiência defenderam a apropriação do espaço público pelos cidadãos e o reconhecimento do setor informal, especialmente no momento de crise econômica vivido pelo país, marcado por altos índices de desemprego e redução de oportunidades no mercado formal. Em sua fala, Cida Falabella reforçou a importância de realizar um balanço dos resultados atingidos pela operação, identificando suas falhas e inadequações, e garantir a participação dos afetados na construção e ajuste das políticas públicas sobre o tema.
Redução nas vendas e aumento de custos
Por meio de relatos e de imagens gravadas nas ruas e nos shoppings populares, camelôs e ambulantes criticaram a truculência das ações de fiscalização, intensificada após a implantação do Plano, e a significativa redução das vendas nos novos locais de trabalho. O abandono e a ausência de ações da Prefeitura para aumentar a atratividade desses espaços também foram alvos das reclamações.
O representante dos camelôs na comissão da OUS, Vanderson da Silva e outros que se declararam satisfeitos com a transferência para os shoppings foram vaiados por colegas, que afirmam que pelo menos 90% da categoria está descontente com a falta de estrutura adequada, as más condições de trabalho e a ausência de compradores, cujo número vem decrescendo na proporção do aumento dos custos, uma vez que o contrato firmado prevê a redução progressiva do subsídio do Município. A maioria dos manifestantes declarou o desejo de retornar às ruas, que proporcionam mais autonomia e um maior fluxo de compradores. A cobrança de taxas adicionais de energia elétrica, cujo custo já estaria incluído no contrato de locação, também foi alvo de críticas.
Favorecimento dos empresários
Reforçando as falas de Marcos China, Adjailson Andrade, Robson Braga e André Luís Altair, representantes dos camelôs, o defensor público Vladimir Rodrigues e a advogada Taís Console, membros da Defensoria Pública de Direitos Humanos e da Central Intersindical, apontaram assimetrias nos benefícios e vantagens auferidos pelas partes. Afirmando que os termos do contrato e as contrapartidas estabelecidas beneficiam os donos dos shoppings populares, em detrimento dos trabalhadores, eles criticaram a concessão de benefícios aos parceiros privados da OUS-PIPH na forma de geração de potencial construtivo adicional, em contrapartida ao atendimento à locação de espaços comerciais nas condições previstas.
Edilson Cruz, da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), afirmou que o comércio formal também atravessa um momento de crise e lembrou que o espaço público deve conciliar diferentes interesses, com os respectivos direitos e deveres. Afirmando a preocupação com o desemprego e o apoio da entidade à causa, ele encorajou a formação e capacitação dos trabalhadores informais para que se transformem em microempreendedores individuais.
Regulamentação de atividades
Representantes de outras categorias cujas atividades estão previstas no Código de Posturas do Município também apresentaram suas demandas. Os pipoqueiros denunciaram a ocorrência de autuações e multas a despeito da legalidade do exercício da atividade; artesãos relataram a apreensão de materiais e até mesmo de documentos pessoais; fruteiros e caixeiros reivindicaram o direito de atuar livremente em eventos e vias públicas da cidade; ambulantes com deficiência se queixaram da proibição de utilizar auxiliares; e guardadores de veículos apontam os prejuízos sofridos com a criação do aplicativo para substituir os talões de estacionamento.
Licitações em andamento
Após ouvir as reclamações e denúncias dos camelôs, que reivindicaram a criação de feiras livres e a liberação de vias espaços públicos para o exercício da atividade, a exemplo do que ocorre em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, o subsecretário de Fiscalização José Mauro Gomes, que representou a secretária Municipal de Política Urbana, Maria Caldas, negou as denúncias de favorecimento dos empresários e o descaso em relação aos trabalhadores. Com dificuldades para se expressar, diante dos gritos e acusações partidas da plateia, o gestor se dispôs a esclarecer as dúvidas e expor os números referentes aos contratos, a qualquer momento, aos vereadores e demais participantes.
José Mauro anunciou o estabelecimento de parcerias com entidades como o Sebrae e a Fiemg para a capacitação e suporte dos pequenos empreendedores e com órgãos públicos como o INSS, a Guarda Municipal e a Secretaria Municipal de Saúde para a instalação de postos de serviços nos shoppings populares, de forma a atrair maior fluxo de pessoas, e o lançamento, em uma ou duas semanas, do edital para a instalação de 34 feiras de artesanato e produtos alimentícios nas nove regionais da cidade, que oferecerão 1.580 vagas para os comerciantes informais. Em cerca de dois meses, deverá sair a licitação que prevê 156 vagas para ambulantes com deficiência, reelaborada de forma a incorporar demandas do segmento.
Em nome da Mais Invest Empreendimentos, proprietária de shoppings populares, Bernard Martins também negou as denúncias de descumprimento de critérios exigidos para a concessão, apontados pela advogada do Intersindical, e a obtenção de lucros indevidos por meio da parceria com a Prefeitura, prontificando-se a abrir as contas e planilhas da empresa para verificação dos interessados. Com relação à taxa de energia, ele esclareceu que, assim como nos condomínios residenciais, os custos de manutenção, limpeza e segurança previstos no contrato abrangem apenas as áreas comuns, e não as despesas individuais de cada box.
Encaminhamentos
No final da reunião, vereadoras criticaram o caráter higienista, racista e discriminatório demonstrado pelo poder público em relação aos trabalhadores de rua, e anunciaram o encaminhamento ao Executivo, por meio da comissão, de pedidos de informação sobre o andamento das licitações e demais medidas anunciadas e de uma Indicação, recomendando que sejam acatadas as seguintes reivindicações:
1) instalação de feiras livres e corredores populares em praças, quarteirões fechados, estações do move e ruas de pouco trânsito do centro e das regionais; 2) licenciamento dos pontos sugeridos pelos fruteiros e camelôs com deficiência e a suspensão das ações fiscalizatórias até o final do processo de licitação; 3) garantia do direito ao ajudante, previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência; 4) licenciamento dos pontos atualmente ocupados e abertura de edital para contemplar os mais de 300 pipoqueiros excluídos da política pública; 5) permissão para atuação dos caixeiros, inclusive nos eventos e festas da cidade; e 6) revogação da legislação que institui a Operação Urbana Simplificada e suspensão imediata dos atos administrativos que assegurem sua implementação até que alternativas reais de garantia ao direito ao trabalho e de apropriação democrática da cidade sejam construídas.
*Proposição pela qual o parlamentar sugere a a adoção de providência, realização de ato administrativo ou de gestão ao Poder Executivo, acerca de determinado assunto.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional
Em atendimento às restrições previstas na legislação eleitoral, os conteúdos noticiosos publicados neste portal e nas redes sociais da Câmara de BH deixarão de mencionar nomes de vereadores que disputarão cargos na próxima eleição. As limitações ocorrerão no período de 7 de julho a 7 de outubro de 2018.