GALBA VELLOSO E RAUL SOARES

Em CPI, gestores públicos divergiram sobre fechamento de hospitais psiquiátricos

Município defendeu atendimento em Caps e Cersams; outras esferas apontaram falta de estrutura desses equipamentos

segunda-feira, 5 Outubro, 2020 - 20:00
Reunião da CPI Extinção de leitos psiquiátricos, nesta segunda-feira (5/10), para discutir impossibilidade de internação no Hospital Galba Velloso, restrição de internação no Instituto Raul Soares e atendimento em Caps e Cersams

Foto: William Delfino / CMBH

O fechamento dos hospitais psiquiátricos em Belo Horizonte, como o Galba Velloso, em março deste ano, após encerramento dos atendimentos nas clínicas Nossa Senhora de Lourdes (em 2008) e Serra Verde (em 2012), dividiu opiniões entre gestores estaduais e federais, em reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre Extinção dos Leitos Psiquiátricos, na manhã desta segunda-feira (5/10). Convocada para oitiva, a Coordenação de Saúde Mental da Prefeitura avaliou positivamente a reforma psiquiátrica no Município e a transferência dos atendimentos para os Centros de Atenção Psicosocial (Caps) e Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams), alegando condições precárias e maus tratos aos pacientes nos hospitais. Já representantes do Estado e Governo Federal defenderam a manutenção desses equipamentos, argumentando que Caps e Cersams não possuem estrutura para atender quadros mais complexos de internação, oferecendo somente assistência ambulatorial especializada. Segundo familiares de pacientes internados, após o fechamento do Galba Velloso, inviabilizou-se o atendimento no Instituto Raul Soares e centros de saúde, por falta de vagas ou recusa no acolhimento.

“Quando levei meu filho para o Raul Soares, ele fugia, até que a Justiça o internou compulsoriamente. Somente no Hospital Galba Velloso, foi diagnosticado com esquizofrenia, déficit cognitivo e transtorno mental. Lá, recebeu tratamento humanitário, com medicamentos, pois era muito violento. Com o fechamento do hospital, levei-o para o Raul Soares, que não tinha vaga e onde uma placa informava sobre a impossibilidade de atendimento. Ao procurar o Cersam, argumentaram que o local não era adequado para pacientes em crise”, relatou Maria da Conceição Dias de Assis Lacerda, sobre seu filho, que é dependente químico.

De acordo com o coordenador de Saúde Mental da Prefeitura de Belo Horizonte, Fernando de Siqueira Ribeiro, desde 2008, a Secretaria Municipal de Saúde vem discutindo o fechamento de leitos psiquiátricos do Sistema Único de Saúde (SUS), como o do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em 2008, e do Serra Verde, em 2012. Segundo ele, eram desumanas as condições a que eram submetidos os pacientes no sistema, há cerca de 30 anos. Contudo, hoje, a responsabilidade pelo fechamento desses hospitais não é da Secretaria Municipal de Saúde, mas sim do Estado.

Atenção primária

Para o gestor, a saúde mental primária deve oferecer atendimento nos centros de saúde, mantendo o paciente em seu território. Segundo ele, 1% dos transtornos mentais em BH necessitam de internação psiquiátrica, justificando-se o cuidado com a atenção primária de usuários na capital. Ribeiro defendeu a reforma psiquiátrica, com o fechamento de leitos credenciados nos hospitais e atendimento em Caps e Cersams.

De acordo com o médico, nas unidades básicas de saúde da cidade, totalizam-se 52 equipes de saúde mental, com 52 vagas para psiquiatras, sendo 1 psiquiatra para cada 3 centros de saúde e 4 para atender à população de rua, além de equipes complementares, voltadas à infância e à adolescência, e 9 centros de convivência de reabilitação psicossocial.

Reforma psiquiátrica

Conforme justificou Ribeiro, os leitos credenciados do SUS para internação de casos de saúde mental são caros e já foram constatados, nas clínicas Serra Verde e Nossa Senhora de Lourdes, a violação de direitos, com usuários nus nas dependências do hospital, impedidos de receberem visitas de familiares, sem tomar banho, internados de 1 a 30 anos na mesma instituição e vítimas de agressão física e até de morte.  Ele citou um caso recente, no Instituto Raul Soares, de um paciente há mais de dez dias contido, amarrado e sob inquérito.

Unidades de atendimento

O médico informou, na oportunidade, que existem quatro hospitais de saúde mental em Belo Horizonte: Galba Velloso, Raul Soares, Cersam Infanto-Juvenil (Cersami) Centro-Sul e Cersam AD Centro-Sul. Segundo ele, em setembro de 2019, foram abertos o Cersam AD Pampulha Noroeste e o Cersam AD Nordeste, com 2 psiquiatras e 2 enfermeiros. Além disso, desde 2006, é realizado atendimento noturno nesses locais, salientando-se que, antes da pandemia, havia sido atingida a taxa de 93% de ocupação e durante o período atual, foram ocupados 80% dos leitos.

Segundo Ribeiro, por demanda espontânea e nos centros de saúde, os pacientes são atendidos por equipe multidisciplinar, composta por enfermeiro, terapeuta ocupacional, assistente social, psicólogo, psiquiatra e técnico em Enfermagem, quando são mantidos laços com familiares, de trabalho e religiosos, dentro do território do paciente. Ele falou, ainda, que Caps e Cersams estão substituindo manicômios e hospitais psiquiátricos, com investimentos e repasses do Estado e do Governo Federal.

Relatando que existem, também, serviços de residência temporária na cidade – 33 casas criadas em Belo Horizonte após o fechamento dos manicômios - informou que, a partir de março deste ano, com o fechamento do Hospital Galba Velloso, a orientação é que casos de urgência não sejam internados no Instituto Raul Soares e, sim, nos Cersams, de acordo com o Programa BH Zero.

Prevenção de drogas

Conforme informou o secretário nacional de Cuidados e Prevenção de Drogas, Quirino Cordeiro, a legislação federal garante acesso ao tratamento a esses quadros clínicos, incluindo a possibilidade de internação por dependência química. Comentando sobre o Hospital Galba Velloso, não o considera propriamente um manicômio, mas um equipamento com boa estrutura física e de pessoal e taxa de ocupação elevada, que cumpre satisfatoriamente o seu papel social. Para ele, o acolhimento dos pacientes nos Cersams não é adequado e internações devem ser feitas em hospitais psiquiátricos. Cordeiro considerou reduzido o número de leitos psiquiátricos na capital (10), o que, para o secretário, favorece o aumento do número de aprisionamentos, da população em situação de rua e de taxas de suicídio.

Repasse de verbas X Internações

Segundo a coordenadora nacional de Saúde Mental, Maria Dilma Teodora, o Hospital Galba Velloso realizava, em 2018, 1509 internações; em 2019, esse número subiu para 1545. Teodora afirmou que BH não possui leitos psiquiátricos nos hospitais em geral, totalizando-se 365 leitos por mês. Relatou, ainda, que foram repassados R$ 2 milhões para o Estado para este fim e que a taxa de ocupação encontra-se, hoje, abaixo de 80%. Por isso, avalia que deve ser feita uma prestação de contas sobre a assistência a essa população. Por fim, a gestora reforçou que os leitos de retaguarda (Caps) não comportam internações, já que os pacientes não podem permanecer lá por mais de trinta dias.

Papel dos hospitais psiquiátricos

Reafirmando a importância dos hospitais psiquiátricos, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo, destacou que, conforme política do Governo Federal, os hospitais psiquiátricos fazem parte da rede de assistência em doenças mentais. Questionando o fechamento desses hospitais, apontou o preconceito do Poder Público em relação aos pacientes de saúde mental e a vulnerabilidade de quem não pode pagar pelo serviço, buscando ajuda fora do SUS.

Paulo Repsold, da Câmara Técnica em Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina, ratificou, na reunião, que Caps e Cersams não possuem estrutura hospitalar, pois são bases ambulatoriais especializadas, ao contrário dos hospitais psiquiátricos, que oferecem assistência integral por vários dias, com internação, assistência médica e de enfermagem.

Deliberou-se, na reunião, que a CPI encaminhará, à Secretaria Municipal de Saúde, um pedido de informação a fim de obter dados relativos aos Cersams de Belo Horizonte.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

5ª Reunião - Comissão Parlamentar de Inquérito – Extinção de leitos psiquiátricos no Hospital Galba Velloso e restrições de internação no instituto Raul Soares e seus desdobramentos na saúde mental de Belo Horizonte