Famílias atingidas pelas chuvas de janeiro querem soluções para o problema
Em audiência, moradores do Bairro Jardim Alvorada combraram agilidade do Poder Público; a região registrou cinco mortes
Foto: Karoline Barreto/CMBH
“A situação é de alto risco de deslizamento. De 24 de janeiro para cá não foi feito nenhum tipo de obra, e a torre da Cemig está caindo e colocando todos em risco”. A denúncia foi feita por Daiane Ferreira em audiência pública, realizada na última sexta-feira (18/12), pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. Moradora do Bairro Jardim Alvorada - localizado na região Noroeste de Belo Horizonte e fortemente atingido pelas chuvas do início de 2020 - Ferreira representa uma das centenas de famílias que sofreram e sofrem em área de risco localizada na região. A reclamação recebeu apoio de Claudinei Nunes, representante dos moradores do bairro. Segundo ele, há pouca informação oficial sobre a atual situação dos moradores. “A gente vem solicitando aos órgãos públicos e conseguimos o Bolsa Moradia. Mas as pessoas estão em dúvida e apreensivas sobre o que será delas pois nenhuma solução foi apresentada até agora. Há uma omissão em mostrar um planejamento concreto”, reafirmou Nunes. Para a vereadora Bella Gonçalves (Psol), que solicitou a audiência, “há mesmo questões que precisam ser respondidas emergencialmente”.
Jéssica Teixeira, que também participou da audiência, é moradora do bairro e representante do Movimento Nacional de População de Rua. Segundo ela, não há diálogo entre os representantes do Poder Público, o que dificulta o acesso à informação correta e a aplicação certa das políticas voltadas para os atingidos. “Não há diálogo entre Urbel e o Serviço Social. Perdi meu trabalho e também o auxílio pecuniário. Um desrespeito com a gente pois liberam o benefício e depois cortam. Como é que vocês estão criando estratégia se há um empurra empurra entre vocês?”, perguntou Teixeira aos representantes da Urbel e da Secretaria Municipal de Assistência Social, que estiveram na audiência. Ainda segundo a moradora, uma torre da Cemig localizada no bairro pode cair a atingir muita gente. “Caminhamos para um ano sem obra e sem resposta. Perdemos tudo e não tivemos apoio nem emocional”, relatou.
Chuvas de janeiro
Com as fortes chuvas ocorridas no início de 2020, milhares de famílias ficaram desabrigadas em razão de alagamentos e deslizamentos. Apenas nos dias 24 e 28 de janeiro, dias de maiores ocorrências de chuvas na capital, foram registrados 3.166 desabrigados e desalojados na cidade. Para amenizar os danos às famílias, a Prefeitura encaminhou os atingidos às casas de parentes e amigos e a pousadas em uma parceria feita com a Cáritas, organização humanitária ligada à Igreja Católica. Conforme relatório final do Grupo de Trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor sobre Direito à Moradia, com a pandemia da Covid-19, a PBH instituiu a possibilidade de concessão da Bolsa Moradia na forma de Abono Pecuniário para atendimento às famílias. Ainda de acordo com dados fornecidos pelo Município, até o dia 6 de julho deste ano, 905 imóveis receberam indicativo de remoção temporária em um primeiro momento, sendo que, para 579 deles, foi confirmada a necessidade de remoção definitiva ou temporária. Desse total, 424 famílias foram direcionadas para Abono Pecuniário, e as 285 restantes receberam orientação para solicitar nova vistoria na hipótese de alteração na situação inicialmente identificada.
Somente no Jardim Alvorada, onde cinco pessoas morreram, a Urbel realizou 240 vistorias e confirmou a remoção de 122 famílias. As chuvas também causaram a desestabilização da torre da Cemig e danos às redes de água e esgoto da Copasa. Há necessidade ainda de estabilização de encostas e mitigação de áreas de risco. As informações foram apresentadas na reunião pela assessoria da vereadora Bella Gonçalves. “Temos sido procurados diariamente pelos atingidos para responder às perguntas sobre como a situação vai ficar. Precisamos de um trabalho conjugado”, afirmou a vereadora.
Defensora Pública Especializada em Direitos Humanos, Cleide Nepomuceno destacou que as dificuldades aumentam quando não se tem uma política nacional de habitação. “A responsabilidade por construir cidades sem acidentes e riscos é dos três entes federativos. Não temos programas de construção de moradias. Não há recursos para moradia. Não há política para a área em âmbito nacional nem estadual. Enquanto não houver política de reassentamento, o mínimo que se pode esperar é que as famílias continuem no Bolsa Moradia”, afirmou a defensora.
Esclarecimentos
Isabel Volponi é Diretora de Áreas de Risco e Assistência Técnica da Urbel e, segundo ela, a Prefeitura está trabalhando na região, mesmo com as dificuldades de acesso ao local e as limitações impostas pela pandemia de Covid-19. “É mesmo necessária uma boa comunicação da nossa parte, pois estamos trabalhando com obras de pequeno porte que estamos executando em parceria com os moradores. Oito obras de pequeno e médio porte já foram feitas. Obras em encostas, que muitas vezes são feitas manualmente. No contexto deste ano, nossa produtividade não é a que a gente desejava. As obras de grande porte ainda têm que ser discutidas e recursos buscados. É um processo de construção que não é fácil e rápido”, explicou Volponi.
Conforme Ana Flávia Martins, coordenadora do Núcleo de Trabalho Técnico Social da Urbel, desde o início de 2020, as famílias atingidas estão sendo acompanhadas e atendidas pela PBH. “Fizemos um esforço para alcançar todas as famílias. Aquelas que tiveram a remoção confirmada foram inseridas no Bolsa Moradia e, posteriormente, no Abono Pecuniário. Fizemos atendimento emergencial e temporário inclusive de famílias que não cumpriram todos os critérios exigidos. A prioridade é ver se é possível (fazer alguma) obra para permanecer no mesmo imóvel com segurança”, afirmou Martins, explicando que, mesmo famílias que estão em casa de parentes e que atendem aos critérios, estão recebendo o auxílio.
Outra preocupação dos moradores é sobre o fechamento das pousadas, até o final deste ano, tendo em vista que a cidade já se encontra em um novo período de chuvas. Atualmente, há apenas oito famílias abrigadas em pousadas da cidade, totalizando 20 pessoas. A informação foi repassada por Régis Spíndola, diretor de Proteção Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania. Segundo ele, o fechamento das vagas nas pousadas se dá por causa do encerramento de parceria emergencial feita com a Cáritas. “Temos que encerrar pois está previsto no decreto de calamidade pública que venceu em 17 de julho. As famílias que ainda estão em pousadas vão para unidades próprias da PBH”, respondeu Spíndola, contando que, para este período chuvoso, será feito um Termo de Referência para Serviço Continuado de atendimento, o que não foi feito em 2020. “Com esse termo garantimos equipes, insumos e não só para atingidos pelas chuvas como também outros eventos. Há um tempo legal que tem que ser respeitado, mas nos próximos meses ele já será executado”. O diretor informou também que a prefeitura está em processo de chamamento, conforme a classificação, de 800 famílias para o Bolsa Moradia, o que pode solucionar provisoriamente o problema das famílias do Jardim Alvorada.
Cemig e Copasa
Em relação à torre da Cemig que corre risco de desabar sobre as casas no Bairro Jardim Alvorada, o representante da empresa, Omar Claudino, afirmou que a companhia já está acompanhando e tratando do assunto com prioridade. “Estamos acompanhando semanalmente e não houve deslocamento da estrutura. A Cemig está concluindo os estudos necessários para a intervenção e realocação da estrutura", explicou Claudino, informando que já foram removidas duas moradias e que, outras duas - já desocupadas - poderão ser removidas em breve, assim que houver a reintegração de posse. Ainda segundo Claudino, estão sendo feitos estudos para que a estrutura (torre de transmissão) seja realocada onde não corra risco de cair, o que deve ser concluído no primeiro semestre de 2021.
Sobre os problemas de abastecimento de água e captação do esgoto na região, a Copasa informou que tem monitorado a situação de todo o bairro e que não há vazamento de água e esgoto. Segundo representante da empresa, recentemente houve um vazamento em ligação clandestina onde logo foi feita a supressão, o que foi questionado pela vereadora Bella Gonçalves. “Verificamos que há água desaguando para dentro das construções. Águas das casas de cima que estão caindo inclusive no pé da torre (de transmissão da Cemig)”, afirmou a parlamentar.
Encaminhamentos
Após cerca de três horas de debate, os participantes decidiram que a Urbel vai repassar à Comissão informações e cronograma das obras executadas pela Companhia, uma vez que intervenções maiores são feitas pela Sudecap, que foi chamada, mas não compareceu à audiência. A Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania também vai passar informações sobre o Termo de Referência para Serviço Continuado de Atendimento e ainda quais serão os critérios utilizados na distribuição, pela PBH, das 800 Bolsas Moradia. A Cemig enviará o projeto de realocação da torre de transmissão para a Comissão, e a Copasa estabelecerá um canal de comunicação com os moradores sobre falta de água. Moradores e Urbel também acertaram que haverá fortalecimento do Núcleo de Defesa Civil – NUDEC da região, ampliando a participação dos moradores atingidos. Será feito ainda um conjunto de pedidos de informação relacionados ao tema. Para Bella Gonçalves, o assunto é denso e exige união na busca de soluções. “Essa foi uma audiência super complexa. Precisamos construir juntos a permanência dos moradores do Jardim Alvorada sem riscos”.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional