SERVIÇO PÚBLICO

PEC da Reforma Administrativa é criticada por sindicalistas

Ampliação de possibilidades de demissão de trabalhadores e concentração de poderes na União estão entre os questionamentos

quarta-feira, 28 Abril, 2021 - 22:15

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, que dispõe sobre a Reforma Administrativa do governo federal, foi discutida, nesta quarta-feira (28/4), em audiência da Comissão de Administração Pública. Os principais pontos da proposta foram criticados por representantes de servidores públicos: a possibilidade de o presidente da República criar ou extinguir órgãos públicos por decreto; a concentração de poderes na União para gestão de pessoas, edição de políticas remuneratórias e de benefícios; a delegação a particulares de atividades exercidas pelo poder público; e a ampliação da possibilidade de contratação de trabalhadores sem estabilidade. Os representantes de trabalhadores afirmaram que estas medidas permitirão maior incidência de práticas patrimonialistas, perseguições políticas a trabalhadores no serviço público, apadrinhamentos, perda de direitos e precarização dos serviços prestados à população. Não houve falas favoráveis à reforma administrativa pretendida pelo governo federal.

A requerente da audiência, vereadora Iza Lourença (Psol), acredita que a reforma não será ruim apenas para quem trabalha para o Estado, mas também para aqueles que precisam fazer uso dos serviços públicos, isto é, para os mais pobres, que não têm condições de pagar por serviços privados. De acordo com a parlamentar, a lógica do Estado deve ser a de garantir o bem-estar social dos cidadãos, função que, segundo ela, ficará prejudicada com a reforma pretendida pelo governo de Jair Bolsonaro. Iza Lourença também defendeu o concurso público como forma de se evitar perseguições a trabalhadores e apadrinhamentos no serviço público.

Novos regimes de contratação

O presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar de Moura, criticou a ampliação das possibilidades de demissão e a criação de novas categorias de trabalhadores por meio do novo regime jurídico de pessoal proposto pela PEC 32/2020. De acordo com o projeto do governo federal, haverá servidores ocupantes de cargos típicos de Estado como juízes, por exemplo; servidores ocupantes de cargos não classificados como típicos de Estado, como professores; servidores ocupantes de cargos de liderança e assessoramento; e cidadãos inscritos em concursos públicos que não serão titulares. Ainda de acordo com a PEC, a estabilidade será restrita a servidores ocupantes de cargos típicos de Estado.

A proposta também passará a permitir a contratação, mediante processo seletivo simplificado, de pessoal com vínculo por prazo determinado. Além disso, com a PEC, deixam de existir os cargos em comissão de livre provimento e as funções de confiança previstos atualmente na Constituição, que serão substituídos pelos cargos de liderança e assessoramento destinados a atribuições técnicas, gerenciais ou estratégicas. Será possível, ainda, que os titulares no novo sistema desempenhem atividades atualmente exclusivas de servidores efetivos.

O presidente do Sindibel salientou que o servidor não é empregado do governo de plantão, mas do Estado, e apontou que, caso os dispositivos previstos na PEC 32/2020 entrem em vigor, o trabalhador “pensará dez vezes” antes de denunciar um chefe por prevaricação, tendo em vista que será o chefe denunciado que irá avaliá-lo. Assim, o sindicalista aponta que o trabalhador que preza pelo serviço público poderá ser considerado um mau servidor e poderá perder seu cargo; já o mau servidor, que faz vista grossa para irregularidades dos chefes, poderá receber boa avaliação. Ele explica que as avaliações dos servidores pelas chefias, que, em geral, são subjetivas, darão ao chefe o poder de decidir qual trabalhador será demitido.

Para ilustrar a questão, ele lembrou uma antiga anedota brasileira que conta que quando um novo político assumia a Prefeitura de uma cidade do interior, seus parentes eram levados para ocupar os cargos públicos municipais. O sindicalista afirma que, com o concurso público, essa situação perdeu espaço na vida do país, mas poderá voltar à cena caso a Reforma Administrativa passe a vigorar.

O sindicalista explicou que saúde, educação e limpeza urbana, por exemplo, não são consideradas carreiras típicas de Estado e, assim, com a Reforma Adminsitrativa, seria possível desde a demissão em massa de trabalhadores até o uso político dos cargos, tendo em vista o fim da estabilidade e as novas possibilidades de entrada no setor público. Sobre a quebra da estabilidade, o sindicalista Cacau Pereira afirma que tal medida deixará o servidor à mercê de políticos que poderão contratar e descontratar trabalhadores. Segundo ele, isso representará uma reconfiguração brutal do serviço público e ensejará a volta do patrimonialismo no Brasil.

Parcerias com entes privados

Outra mudança prevista na PEC diz respeito a parcerias com entes privados. A Proposta de Emenda à Constituição pretende permitir que o Poder Legislativo edite normas gerais para delegar a particulares as atividades exercidas pelo poder público, assegurando o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, desde que não se abranjam atividades privativas de cargos típicos de Estado. De acordo com o sindicalista Cacau Pereira, essa proposta permitirá que a iniciativa privada abocanhe os fundos públicos das áreas de saúde e educação por exemplo. Ele lembra, ainda, que as parcerias entre o Estado e as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), que são entidades privadas criadas por particulares a fim de exercerem atividade de interesse social, foram geradoras de vários casos de corrupção. Ele diz, ainda, que a possibilidade de cessão a entidades privadas de estrutura pública na área da saúde levará à privatização do setor no Brasil.

Para o sindicalista Davi Landau, a Reforma Administrativa atende à lógica do lucro, não à lógica de assegurar direitos à população. Ele apontou, também, que os direitos atualmente em vigor tiveram origem na luta da população, inclusive, contra a ditadura militar que vigorou entre 1964 e 1985. O sindicalista apresentou ainda um questionamento: quem vai custear o lucro da iniciativa privada que ofertará os serviços que hoje são oferecidos diretamente pelo Estado?

Concentração de poderes na União

Com a PEC 32/2020, haverá uma federalização de normas gerais, de modo que a União poderá decidir sobre gestão de pessoas; ocupação de cargos de liderança e assessoramento; progressão e promoção funcionais; políticas remuneratórias e de benefícios. O representante do Sindibel apontou que esta alteração contraria o lema de campanha do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, que falava de “menos Brasília e mais Brasil”, uma vez que concentra na União questões que poderiam ser decididas pelos entes federados.

Para os sindicalistas, a concentração de poderes nas mãos do presidente para extinguir ou criar órgãos públicos por mero decreto poderá levar a medidas autoritárias. A sindicalista Vanessa Portugal afirmou que, no Brasil, os privilegiados não são trabalhadores com carteira assinada ou concursados, mas banqueiros e grandes industriais que controlam os governantes. Ela exemplificou, ainda, os efeitos da PEC ao falar sobre as instituições e fundações públicas que desenvolvem tecnologias de vacina no Brasil e que se mostraram importantes durante a atual pandemia. De acordo com a sindicalista, estas instituições e fundações públicas poderiam ser fechadas pelo governo federal, caso a Reforma Administrativa estivesse em vigor.

Prejuízos à sociedade e ataques

A representante do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH), Marisa Barbato, se referiu à Reforma Administrativa como mais um ataque à sociedade brasileira que, segundo ela, se soma às reformas trabalhista, previdenciária, às privatizações e ao golpe jurídico-parlamentar de 2016, que apeou a presidente Dilma Roussef do poder.

Durante a audiência, os sindicalistas lembraram também dos ataques retóricos que os servidores públicos receberam de integrantes do governo Bolsonaro, sendo chamados pelos agentes políticos do Executivo federal de “parasitas” e de “zebras gordas”. Além disso, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que ao impedir reajustes a servidores, o governo estaria colocando uma “granada” no bolso da categoria.

Ainda durante a audiência, foi afirmado que a PEC 32/2020 trará prejuízos à economias dos municípios, pois permitirá remunerações reduzidas e contratos temporários, sendo que grande parte das cidades brasileiras têm suas economias dependentes de salários pagos pelo Estado. Os participantes lembram também que, caso a Reforma Administrativa entre em vigor, haverá redução da renda de aposentados e pensionistas, de modo a também prejudicar as economias das cidades.

O vereador Wilsinho da Tabu (PP) afirmou que a PEC tem que ser questionada, uma vez que pode retirar direitos. Ele também afirmou que a população merece ser bem servida e pontuou que se serviços públicos forem sucateados diversas cidades Brasil afora serão prejudicadas.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir como serão afetados os serviços e os servidores públicos na proposta de Reforma Administrativa do Governo Federal - 11ª Reunião Ordinária - Comissão de Administração Pública