MAPA DE BH

Desigualdades de renda, de gênero e de raça precisam ser combatidas, aponta estudo

Busca por igualdade passa por políticas que priorizem mulheres pretas, pobres e da periferia. Dados são do Movimento Nossa BH

terça-feira, 8 Junho, 2021 - 21:00

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

O Mapa das Desigualdades 2021, publicação elaborada pelo Movimento Nossa BH, que mapeia informações sistematizadas e territorializadas sobre as condições socioeconômicas, raciais e de gênero dos bairros belo-horizontinos, foi objeto de discussão em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana nesta terça-feira (8/6). O objetivo é que o diagnóstico apresentado possa subsidiar políticas de enfrentamento às desigualdades e permita o desenvolvimento de medidas que aprimorem a mobilidade urbana e o acesso da população a outros serviços e direitos essenciais.

Na reunião, que mobilizou representantes da sociedade civil e da Prefeitura, a requerente da audiência, Duda Salabert (PDT), salientou a necessidade de se enfrentar as desigualdades de gênero e de raça na cidade. O estudo em debate demonstrou que a tendência é que sejam encontrados mais negros (pretos e pardos) em bairros que abrigam pessoas com renda mais baixa, mas se a exclusão é grande para a população negra, é ainda maior para as mulheres negras, uma vez que a média da renda das pessoas brancas é 1,4 vez maior que das pessoas negras, e a renda média de homens brancos é 2,1 vezes maior que a de mulheres negras.

Renda, gênero e raça

O Mapa das Desigualdades 2021 também demonstra que as maiores rendas médias em Belo Horizonte são encontradas nos Bairros Belvedere (11,6 salários mínimos), São Bento e Comiteco, com 7,7 salários mínimos de renda média em cada um desses dois. Já a Grotinha, o Distrito Industrial do Jatobá e o Vila Real II apresentam as menores rendas médias da cidade, com 0,3 salários mínimos cada um. Isso significa que a renda média dos moradores do Belevedere é 38,7 vezes maior que a dos habitantes dos bairros que detêm as menores rendas médias da cidade. Já a renda média geral de Belo Horizonte é de 1,5 salário mínimo. Os dados foram obtidos a partir do censo demográfico de 2010, realizado pelo IBGE, sendo que os valores de renda foram corrigidos pelo IPCA acumulado até julho do ano passado.

Ao dividir a renda total per capita de homens brancos pela renda total per capita de mulheres negras, por bairro de Belo Horizonte, o Mapa das Desigualdades descobriu que a maior diferença está no São Pedro, no Estrela e no Santa Rita de Cássia, onde a renda média dos homens brancos é 4,2 vezes a das mulheres negras. Já a menor diferença é encontrada nos Bairros Flamengo, Lagoinha Leblon e Piratininga, onde a renda média dos homens brancos é 1,4 vez maior que a das mulheres negras.

A menor proporção da população autodeclarada preta em relação à população total de cada bairro é encontrada no Sion, Santa Lúcia e Vila Paris; 1% dos moradores de cada um desses três bairros se autodeclarou preto no censo demográfico de 2010. Já a maior proporção da população autodeclarada preta é encontrada nos Bairros São Francisco das Chagas (45%), Vila São Rafael (41%) e Vila da Área (36%). A média de pretos autodeclarados em Belo Horizonte é de 12%.

Mulheres pretas ou pardas

A menor proporção de mulheres autodeclaradas pardas ou pretas em relação à população total de cada bairro é encontrada no Vila Paris (4%), Sion e Belvedere, com 6% de mulheres pretas ou pardas em cada um. Já a maior proporção de mulheres autodeclaradas pardas ou pretas é encontrada nos Bairros Vila Paraíso (52%), São Francisco das Chagas (47%) e Vila São Rafael (46%).

Duda Salabert salientou que, no Brasil, a discussão de gênero e raça não pode ser dissociada do debate sobre classe social. Ela elogiou o trabalho do Nossa BH, que demonstra que, para combater as desigualdades, as políticas públicas devem ser focadas na mulher preta, moradora dos bairros periféricos, que atua em uma jornada dupla ou tripla de trabalho em sua casa e em bairros centrais. A parlamentar afirma que se os contrários às políticas para redução das desigualdades estão muito organizados, ela própria e os demais apoiadores de ações em prol do combate às injustiças sociais contam com coletivos da sociedade civil como o Nossa BH, organização não governamental que atua para dar visibilidade a dados que possam garantir ao poder público as informações necessárias para subsidiar políticas de transformação social.

Luana Silva Costa, do Movimento Nossa BH, afirmou que o racismo é uma constante na construção de Belo Horizonte, que expulsou a população preta do centro da cidade onde estão concentradas as oportunidades de trabalho, os parques bem cuidados e os equipamentos de saúde.

Para o Movimento Nossa BH, esse racismo estrutural presente nas cidades brasileiras decorre de uma sociedade que conviveu com a escravização de negros, por mais de 350 anos, e que não criou políticas para reparar a desigualdade. A diferença entre pretos e brancos está presente desde o início da construção de Belo Horizonte, quando os trabalhadores pobres vindos de diversas partes de Minas Gerais e do Brasil não tiveram a oportunidade de habitar as zonas centrais, destinadas às elites do funcionalismo público mineiro, fazendo com que a população preta fosse levada a morar em zonas sem acesso a serviços públicos adequados.

A representante do Movimento Nossa BH salientou que essa segregação territorial na cidade está associada à política de mobilidade urbana, que, conforme demonstram os dados do Mapa das Desigualdades, não atende adequadamente a pretas e pretos que estão distantes das áreas centrais, que são aquelas que concentram as melhores oportunidades e serviços públicos.

Mobilidade Urbana

O Movimento Nossa BH demonstrou que Vila Cemig e Jardim Felicidade têm, respectivamente, 0,5 e 0,9 pontos de ônibus para cada mil habitantes, enquanto que a média em Belo Horizonte é de 5,4 pontos de ônibus para cada mil pessoas. Além disso, a média do tempo de deslocamento de um bairro até o estabelecimento de saúde de alta complexidade mais próximo, em horário de pico, também demonstra a desigualdade no acesso aos serviços públicos. Enquanto um morador do Funcionários gasta 5,9 minutos para se deslocar até um equipamento de saúde de alta complexidade, um morador do Capitão Eduardo leva 67,1 minutos.

Os representantes do Nossa BH também demonstraram que a frequência de circulação de ônibus por ponto de parada, em dia útil, entre 5h e 20h, em Belo Horizonte, é baixa em diversas áreas da cidade, onde circulam menos de quatro ônibus por hora nos pontos. Além disso, foi criticada a baixa frequência de ônibus nos pontos também à noite e aos finais de semana.

Falta de ônibus e tarifas altas

A respeito das críticas à política de mobilidade, a BHTrans afirmou que a oferta de ônibus é maior quando há mais demanda por viagens e que a Empresa de Transportes e Trânsito da capital se esforça para equilibrar a oferta de acordo com a demanda por ônibus. Além disso, a BHTrans informou que há uma quantidade mínima de ônibus que deve ser disponibilizada pelas concessionárias do serviço de transporte mesmo em horários de menor procura.

Sobre este tema, André Veloso, do Nossa BH, ao discordar da BHTrans, afirmou que a demanda é baixa em determinados dias e horários não porque as pessoas não precisem se locomover pelo transporte público, mas porque elas sabem que não adianta buscar por ônibus, em determinadas ocasiões, uma vez que eles não estarão disponíveis. Nessas situações, ele aponta que as pessoas optam por pegar carona, ir a pé ou não saem de casa. O representante do Nossa BH defendeu que haja uma inversão de lógica por parte da BHTrans, pois, segundo ele, se houver oferta de ônibus em dias e horários em que hoje o serviço inexiste, as pessoas passarão a fazer uso do transporte público também nessas ocasiões.

Em relação à mobilidade urbana, Duda Salabert criticou o preço das tarifas. De acordo com ela, a média de internação de crianças prematuras no Brasil é de 51 dias e, diante disso, a parlamentar questionou como mães, sobretudo negras e de periferia, poderiam visitar filhos hospitalizados para amamentá-los tendo em vista o alto preço das passagens.

Planejamento Urbano

Representantes de movimentos da sociedade civil também questionaram a falta de acesso a serviços públicos para moradores do Barreiro. Eles apontaram a falta de espaços públicos culturais, a necessidade de mais investimento estatal e a promessa não cumprida da construção do metrô na região, que é aguardado pelos moradores da maior regional de BH, há cerca de três décadas.

A respeito dos dados apresentados e discutidos na audiência, Tiago Esteves, representante da PBH, afirmou que a desigualdade está entre os maiores problemas do país e que, pessoas que, como ele, trabalham com planejamento urbano sabem que ela está expressa nos territórios das cidades. O representante da Prefeitura elogiou o Movimento Nossa BH por apresentar e disponibilizar seus dados e afirmou que o Mapa das Desigualdades será analisado, divulgado e utilizado pela área de planejamento urbano da PBH para subsidiar a tomada de decisões.

Desigualdades para além de BH

Vitor Mihessen, que é representante da Casa Fluminense, explicou que também na realidade do Rio de Janeiro as áreas com mais negros têm menos acesso a serviços públicos. Ele também apontou que a depender da cor da pele e do CEP de moradia, a expectativa de vida do indivíduo se reduz. Brancos moradores de áreas nobres tendem a viver mais em decorrência da perversa estrutura de desigualdade brasileira.

Para a representante do Movimento Nossa São Paulo, Paola Lima, a capital paulista apresenta cenário parecido com o de Belo Horizonte. Ela apontou que também lá a desigualdade de renda é reforçada pela desigualdade de acesso aos serviços públicos.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública - Finalidade: Discutir sobre a publicação do Mapa das Desigualdades 2021, publicação elaborada pela ONG Movimento Nossa BH - 17ª Reunião Ordinária - Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana