Entidades defendem assistência integral humanizada, moradia e reinserção social
Recriação do Comitê de Monitoramento, continuidade do projeto Canto da Rua e escuta dos afetados são principais demandas
Foto: Isabella Monteiro
Acesso a moradia, água e alimentos, saúde, autonomia, trabalho e renda. Além desses direitos básicos, as pessoas em situação de rua querem ser escutadas, respeitadas e participar da elaboração de políticas públicas. Reunidos pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor na segunda (28/6), representantes de entidades e movimentos sociais, Ministério Público e Defensoria Pública ouviram pessoas acolhidas no Canto da Rua Emergencial, que reivindicam a manutenção e extensão do atendimento. O reestabelecimento do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua, instituído e desativado em 2019, também será requerida à Prefeitura. O não comparecimento dos gestores municipais foi lamentado por todos os participantes.
A requerente da audiência, Bella Gonçalves (Psol), e os colegas Miltinho Cge (PDT) e Macaé Evaristo (PT) ressaltaram a importância de debater a violação de direitos e a exposição de um número crescente de pessoas e famílias inteiras a condições de extrema vulnerabilidade, sem acesso a moradia, saúde e segurança, agravadas pela pandemia. A realização deste encontro foi motivada pelo fim do repasse de verbas e da cessão do espaço ao projeto Canto da Rua Emergencial, instalado na Serraria Souza Pinto em junho de 2020 com objetivo de oferecer condições mínimas de dignidade a essas pessoas, como água potável, alimentação, corte de cabelo, banheiro, lavanderia, abrigo para pets e 60 vagas de hospedagem. Os parlamentares, que visitaram o projeto recentemente, elogiaram as instalações amplas e higienizadas, a observação das medidas de proteção contra a covid-19 e a dedicação da equipe.
Membros da equipe de atendimento e um grande número de moradores e beneficiários do Canto da Rua participaram do debate por meio de um telão instalado no local. Samuel Rodrigues, do Movimento Nacional da População de Rua, elogiou os gestores e trabalhadores do projeto, que já atendeu mais de 8.500 pessoas, e agradeceu a atenção e o olhar da Comissão de Direitos Humanos sobre a questão, dando visibilidade à causa da manutenção definitiva do projeto e a implantação de equipamentos similares em todas as regionais. “A maior riqueza de um país é seu povo”, afirmou Rodrigues. Em seguida, o colega Paulão fez a leitura da carta de reivindicações elaborada pela comunidade.
Vereadores e convidados declararam indignação com a ausência da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Secretaria Municial da Saúde e Subsecretaria de Assistência Social, convidados para a audiência, que não enviaram representantes. Embora reconheçam o apoio temporário aos trabalhos do Canto da Rua e o atendimento de algumas demandas, eles criticaram a postura contraditória da Prefeitura, que solicita a elaboração e proposição de ações, mas não as acolhe nem considera quando são apresentadas.
Moradia, saúde e trabalho
Moradoras e moradores do projeto, todos com trajetória de rua, relataram fatores como perda de emprego, impossibilidade de pagar aluguel e problemas com drogas, as dificuldades e desafios de viver nas ruas, lamentaram a invisibilidade diante de uma sociedade que os ignora e “os trata como lixo” e testemunharam os efeitos de ser enxergado como uma pessoa que tem sentimentos, ser ouvido, cuidado e “tratado como gente”, renovando o desejo e a esperança de reestruturar a vida. Além da continuidade e ampliação do projeto emergencial, eles pedem inclusão no bolsa-moradia, hospedagem, isolamento e acompanhamento de pessoas idosas e com comorbidades, vacinação, acesso à saúde física e mental e alimentação, pontos de água potável e sanitários em logradouros públicos, além da ampla vacinação do segmento.
Outro fator essencial para a superação da situação de rua, segundo eles, é a inserção no mercado de trabalho através de programas de economia popular e solidária e incentivo ao empreendedorismo. A defensora pública de Direitos Humanos Júnia Roman, Flávia Ancelmo, do Ministério Público Estadual, Claudenice Rodrigues e Cristina Bove, da Pastoral de Rua, Egídia Maria Aixe e Olga Ribeiro, do Fórum da População em Situação de Rua, e André Luís, do programa Pólos de Cidadania, reafirmaram que os beneficiários dos programas sociais querem ter cidadania e autonomia, oportunidades, fazer escolhas e ser capaz de se manter sem depender de assistencialismo, mas precisam de apoio para se reestruturarem no começo da nova vida. Auxílio emergencial e renda básica, temporária ou definitiva, também foram defendidos.
Equipamentos inadequados
Assim como os beneficiários, idealizadores, parceiros e colaboradores do projeto estão preocupados com o fim do repasse de recursos do Município e do prazo para deixar a Serraria Souza Pinto, previstos para o dia 30 de junho. Eles temem que a mudança comprometa a capacidade de atendimento e a qualidade dos serviços prestados. Visitas técnicas aos locais, denúncias e testemunhos de usuários apontam a insalubridade de abrigos e albergues do Município, onde chegam a dormir até 16 pessoas no mesmo quarto, compartilhado por idosos e pessoas com sintomas gripais, a inexistência de qualquer tipo de cuidado socioassistencial, inadequação para acolher famílias, falta de espaços para guardar carrinhos e animais, alimentação ruim e outras violações de direitos. Atualmente, são disponibilizadas pouco mais de mil vagas para uma população estimada de 9 mil pessoas.
O fechamento dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) durante a maior parte do ano passado, segundo eles, foi “gravíssimo”, privando os mais vulneráveis de atendimentos essenciais no momento de crise sanitária e social, que aumentou a demanda por serviços de assistência. Egídia Maria, do Fórum da População em Situação de Rua, ponderou que a promoção de políticas efetivas de moradia, saúde e assistência, a adoção da metodologia inovadora do projeto Canto da Rua e a oferta de equipamentos e serviços adequados e eficientes beneficiarão a Prefeitura, que gasta muito com modelos superados com poucos resultados, a cidade e a sociedade como um todo.
Também foi criticada a retirada e confisco dos pertences dos moradores de rua pelos fiscais, uma grave violação de direitos e da dignidade humana, e a não inclusão de mais 800 pessoas e familias no programa de bolsa-moradia anunciada pela Prefeitura. ; Outro problema apontado é a defasagem dos dados do Cadastro da População em Situação de Rua no CadÚnico, que não correspondem à realidade e fazem com que grande parte desse público fique sem acesso a programas e benefícios sociais. O professor André Luís lamentou a omissão e o descaso do poder público municipal, orientado historicamente por políticas higienistas.
Intersetorialidade, articulação e participação
De acordo com as representantes do Fórum Nacional, a criação dos Centros Integrados de Atendimento à Pessoa em Situação de Rua, no atual prédio do Abrigo Tia Branca e Centro Pop Leste, proposta pela Prefeitura, não atende adequadamente à demanda de intersetorialidade das políticas e ações para atendimento integral. Para eles, a reunião de diferentes setores e serviços em uma mesma política pública e um mesmo espaço, mesmo que em salas separadas, contrariaria os princípios da política nacional, estadual e municipal, rompe a lógica territorial dos serviços e desconsidera o direito à cidade, à circulação, ao convívio social e comunitário e à apropriação do espaço público.
A ausência de escuta e diálogo e de participação dessa população heterogênea, com perfis e necessidades diversas, que vive e conhece melhor que ninguém a situação e os desafios, nas instâncias de elaboração de políticas públicas, proposição de soluções, decisões e acompanhamento das ações, foi duramente criticada. Para restabelecer e promover a participação dos envolvidos e dos principais interessados, exercendo o controle social previsto na Constituição, eles reivindicam a reativação do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua e exigem que as políticas sejam elaboradas de forma participativa.
Encaminhamentos
Depois de ouvir as falas, consierações e sugestões dos convidados, Bella Gonçalves anunciou que será criado um Grupo de Trabalho voltado especificamente à questão do acesso à água e disponibilização de água potável e banheiros em praças e logradouros públicos em diversos pontos da cidade. A prorrogação do Canto da Rua e da metodologia adotada pelo projeto, e a implantação de unidades nas regionais e a reativação do Comitê de Monitoramento, para a escuta e articulação de todos os envolvidos na definição e no estabelecimento de uma transição adequada para o novo sistema serão solicitadas à Prefeitura através de indicações. Pedidos de informação da comissão vão questionar os ógãos pertinentes sobre o andamento da abertura das vagas nos programas de moradia e esclarecimentos sobre a retirada dos pertences dos moradores de rua.
Superintendência de Comunicação Institucional