Espaço de diálogo sobre demandas da educação é reivindicado por professores
Sugestão de indicação foi feita durante audiência pública sobre a valorização da educação sob a perspectiva de Paulo Freire
Foto: Abraão Bruck / CMBH
A importância da leitura de mundo e seus impactos sobre a docência, a perspectiva freiriana para uma educação com qualidade social e a valorização docente durante o retorno às aulas presenciais foram os temas debatidos em audiência pública realizada nesta quinta-feira (7/10) pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, a pedido de Macaé Evaristo (PT). Durante a reunião, os convidados destacaram questões como falta de diálogo, suporte e orientação por parte da Secretaria Municipal de Educação (Smed); necessidade de mais investimento em educação e valorização dos professores; e importância de se ter uma educação transformadora, também defendida por Paulo Freire. Macaé afirmou que pedirá à assessoria técnica da Casa estudos para a criação de uma câmara técnica ou outro espaço de diálogo sobre a educação: “grande parte das demandas trazidas pelos educadores passa por essa demanda de diálogo”. Ela também pretende fazer uma visita à Escola Municipal Professor Paulo Freire.
Professora municipal desde 2013, a representante do Coletivo Esperançar, Adriana Souza, queixou-se de “diversos desmontes da educação”, especialmente por parte do governo federal que, segundo ela, “não apresentou um plano de combate na pandemia”. A professora também fez várias críticas à atuação da Secretaria Municipal de Educação no contexto pandêmico, citando, mais de uma vez, “a omissão gigantesca da Smed no ano de 2020”. Falou, ainda, sobre a desorganização da secretaria, que “muda o tempo todo os processos”, o que desorganiza o ambiente escolar e adoece os trabalhadores; e da falta de diálogo com os professores, vistos como “meros reprodutores de conteúdo”. “Nem através de chat a gente consegue fazer as críticas”, disse Adriana Souza. Segundo ela, a autonomia das escolas tem sido usada para desresponsabilizar o governo municipal, deixando as escolas sem orientações para a volta às aulas presenciais e diante de uma realidade de fome e miséria de muitos estudantes. Além disso, conforme a professora, a Smed não garantiu recursos para o contato com alunos no regime não-presencial, que acabou sendo bancado pelos próprios professores. Por fim, Adriana Souza sugeriu a criação de um espaço de diálogo abarcando tanto a secretaria quanto vereadores, representantes de sindicatos, universidades e coletivos diversos.
Ao contrário da convidada antecedente, a diretora da Escola Municipal Professor Paulo Freire, Adriana Viana, elogiou a Secretaria Municipal de Educação. Apesar de considerar que “a Smed tem uma atuação que é deficiente ainda”, ela afirmou não ter “nenhum retorno negativo”. Como exemplos positivos dessa atuação, a diretora citou uma preocupação pedagógica com os alunos; a oferta de cursos “muito interessantes”, inclusive com a entrada da universidade dentro das escolas; e o oferecimento de materiais (de lápis a tablets).
A gestora observou que, durante as visitas técnicas feitas pela Comissão às escolas para verificar as condições materiais e humanas para a volta às aulas presenciais, a Escola Municipal Professor Paulo Freire (nome escolhido pela própria comunidade) não foi visitada, por ficar muito distante. Localizada no Bairro Ribeiro de Abreu (Região Noroeste), a unidade foi construída com recursos do Orçamento Participativo e atende uma “comunidade extremamente carente”. Inserida nessa realidade e, de acordo com a própria pedagogia de Paulo Freire, a escola tem no cuidado (visto como parte da aprendizagem) uma de suas preocupações principais, até por ser uma necessidade local diante do fato de que os pais não participam tanto da vida dos filhos por questões de trabalho. Para Adriana Viana, saber que a escola leva o nome do Patrono da Educação Brasileira “reverbera muito nas nossas ações”.
Subfinanciamento e brincar como pedagogia
O investimento obrigatório de 10% dos recursos orçamentários em Educação, como prega a Constituição, foi defendido pela representante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH), Vanessa Portugal, para quem a educação está “subfinanciada”. Além disso, para alcançar uma educação transformadora há exigência tanto de enxergar e valorizar as vivências de alunos e professores fora da escola, quanto de “priorização de uma educação institucionalizada”, além de mais tempo para planejar as atividades, levando em conta a singularidade de cada aluno. Em relação ao projeto da CMBH que transforma a educação em serviço essencial, impedindo o fechamento das escolas em caso de pandemias, por exemplo, a convidada se questiona se a essencialidade diz respeito a “só colocar as crianças em risco ou controlar professores”, citando o mesmo sentimento expressado por Adriana Souza: os professores estariam sendo transformados em “fazedores de coisas que estão prontas” e “preenchedores de planilhas diárias”.
“Brincar, para além da respiração da alma é, também, uma pedagogia”, “um caminho que nos alfabetiza para o mundo” e “a linguagem pela qual a criança se expressa universalmente”. Para o educador/brincante Roque Antônio Juaquim, “como Paulo Freire sugere, a gente precisa se apropriar do sentido profundo de infância”, sendo esse uma caminho necessário ao conhecimento, não apenas para crianças. Por outro lado, sem essa dimensão, “a escola como estrutura pode servir muito bem a um processo histórico antigo de nivelamento da natureza humana por baixo”.
Educação transformadora
Conhecedora do pensamento de Paulo Freire, a professora da Faculdade de Educação da UFMG e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão “Territórios, Educação Integral e Cidadania” (Teia), Lúcia Helena Alvarez Leite, trouxe algumas informações sobre o educador e seu legado. Paulo Freire recebeu mais de 40 títulos como doutor “honoris causa” de universidades nacionais e estrangeiras; seu livro “A Pedagogia do Oprimido” foi publicado em mais de 30 idiomas e é o único livro brasileiro indicado para universidades de língua inglesa. Com todo esse reconhecimento, “Paulo Freire tem sido muito difamado”, com informações falsas de que ele nunca se formou nem deu aulas. Entretanto, de acordo com Lúcia Helena, essa difamação apenas reforça o pensamento do próprio Paulo Freire pois, exatamente entre pessoas que defendem a meritocracia, “quando surge um nome que tenha esse reconhecimento, é difamado”. “Ele sempre disse que a educação não era neutra”, mas política, e como “ele exatamente reforça isso, é de se esperar mesmo que tenha essa desqualificação”. A educadora diferiu “educação bancária” e “educação transformadora”. Na educação bancária, educadores e educandos são objetos, e a solução para o problema de aprendizagem é pautada basicamente no conteúdo, desconsiderando experiências vividas. Na educação transformadora, de natureza dialógica, o conteúdo e o estudo são importantes, mas não prescindem do “contato com a vida”.
A ex-vereadora Cida Falabella lembrou a contribuição de Paulo Freire para as artes: influenciado pela perspectiva freiriana, o teatrólogo Augusto Boal criou o “Teatro do Oprimido”, trazendo a arte para a questão social e “ao alcance de qualquer cidadão”. No Teatro do Oprimido, o diálogo é trazido a partir das próprias cenas, quando se convida o público para participar. “Somos seres coletivos, que construímos socialmente”, e “é assim que conseguimos atravessar a tormenta”.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional