Falta de informação sobre doença celíaca coloca pacientes em risco
Hospitais, restaurantes e escolas devem garantir o direito a uma alimentação segura. Participantes propõem campanhas informativas
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A falta de informação sobre a doença celíaca e a insegurança quanto à ingestão de alimentos com glúten ou com contaminação cruzada foram destacados durante a audiência pública, realizada pela Comissão de Saúde e Saneamento nesta quarta-feira (27/10), para debater as necessidades das pessoas celíacas. Em seu requerimento, Irlan Melo (PSD) destacou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 1% a 2% da população mundial sofre deste mal.
Diagnosticada há pouco mais de uma ano, a paciente Edwirges Simões destacou que uma das maiores dificuldades enfrentada pelos pacientes é a possibilidade de uma contaminação cruzada - quando o alimento originariamente não contém glúten, mas no processo de plantio, armazenagem, transporte ou preparação entrou em contato com trigo, cevada ou centeio. A ausência de rótulos precisos e confiáveis nas embalagens de produtos e de treinamento de atendentes em hospitais e restaurantes que “confundem glúten com lactose” também estão entre as preocupações de Edwirges. "Também temos que pensar em uma alimentação especial e um atendimento qualificado em escolas e hospitais, além de fazer amplas campanhas educativas”, afirmou.
Falta de programas específicos
Questionada pelo vereador se o Executivo desenvolve algum trabalho voltado para celíacos ou para informar a população sobre sobre os cuidados com a doença, a referência técnica especializada da Secretaria Municipal da Saúde, Carmen Lúcia Soares Gomes, informou que a Prefeitura não tem programas específicos para os celíacos, que são atendidos na rede básica e na rede especializada conforme a demanda. Segundo ela, dos três tipos de exames para detectar o problema, apenas um é liberado pelo SUS. Ela não soube informar os valores cobrados na rede particular para realização dos exames não liberados pelo SUS e afirmou que a Prefeitura só paga em casos de ordem judicial.
Médica, nutróloga e portadora da doença celíaca, Patrícia Veloso destacou a alta incidência desta grave doença genética, que deixa sequelas em crianças e adultos, como baixa estatura, anemia, infertilidade e até câncer de intestino. Para ela, a falta de conhecimento sobre a doença e de acesso a exames laboratoriais fazem com que os pacientes sofram ao longo da vida.
Patrícia Veloso destacou a importância de se garantir os direitos dos pacientes em escolas e hospitais, oferecendo alimentação de forma descontaminada. A médica também reclamou que, apesar dos reiterados requerimentos da sociedade organizada, a rotulagem de alimentos é feita de forma inadequada e acaba dando uma falsa segurança aos pacientes. “Há muita confusão na rotulagem e muitas vezes as pessoas se enganam e consomem produtos com glúten por causa do rótulo. Se há alguma chance de contaminação - desde a produção até o produto final - tem que constar no rótulo”, advertiu.
Baixa testagem e pouca informação dos profissionais de saúde
Responsável pelo site Rio sem glúten, a professora Raquel Cândido explicou, de forma bem didática explicou que se trata de uma doença autoimune que pode aparecer em qualquer idade em pessoas com predisposição genética, causando inflamação no intestino delgado. O paciente pode ser assintomático ou ter sintomas como indigestão, diarréia, desidratação, entre outros. Segundo ela, o tratamento exige uma dieta rigorosa por toda a vida, e a maior dificuldade é evitar a contaminação cruzada dos alimentos por glúten. “Um farelo pode levar à internação de um paciente”, afirmou.
Ao elogiar o protocolo do Sistema Único de Saúde, Raquel refutou a informação de que seria necessário mais exames além do que é liberado pelo SUS, destacando que a endoscopia é usada para fechar o diagnóstico. Entretanto, ela chamou a atenção para a quantidade insuficiente de testagem, alegando que os médicos não estão se lembrando da doença celíaca na hora de investigar as doenças. “De acordo com o site do SUS, em 10 anos, foram feitos, na capital mineira, 12 mil exames. Se considerarmos que a doença acomete cerca de 1% da população, temos algo em torno de 30 mil celíacos só em BH”, alertou. Ela destacou ainda, que 13% das pessoas com síndrome de Down são celíacas, devendo o profissional realizar testes anualmente. Além de cobrar da Prefeitura a instituição de uma metodologia para contabilizar os pacientes, a professora sugeriu a realização de campanhas para lembrar aos médicos de incluir a doença celíaca no rol de investigações.
Após destacar que já existe arcabouço jurídico e penalidades previstas sobre a matéria, Raquel Cândido afirmou que a contribuição do Legislativo vai além da elaboração de leis. Para ela, o que falta é fiscalização e informação. “Os vereadores devem fazer mais audiências públicas, solicitar informações, devem juntar forças para fazer valer o que já existe”, disse ao questionar, por exemplo, se a Prefeitura tem informações sobre o número de alunos celíacos atendidos na Rede. Ela sugeriu reunir a legislação existente para avaliar o que já existe, mas está precisando de fiscalização, e, ainda, o que falta ser implantado. Ela também chama a atenção para a necessidade de fiscalizar também os produtos artesanais e sugere a realização de capacitação para celíacos e alérgicos.
Presidente da Associação dos Celíacos do Brasil (Acelbra), Angela Abreu concordou que não basta fazer dieta. Para entender a dificuldade vivida por quem não pode consumir o glúten, ela sugere fazer um exercício de evitar o alimento por um mês. A preocupação com a contaminação cruzada, principalmente em hospitais, a discriminação de pacientes e o preconceito no trabalho foram destacados por ela. “Não há controle sobre contaminação cruzada, nem alimentação específica em muitos hospitais. Recebemos uma pulseira de identificação de celíacos , mas é só”, reclamou reforçando que falta acolhimento adequado para o paciente e para o acompanhante celíaco. “Avisamos para toda a equipe - desde os médicos até os funcionários da copa- e de repente, na hora do almoço aparece um quibe em cima do arroz. Após reafirmar que não podemos comer trigo, eles apenas tiram o quibe do prato desconsiderando que o arroz está contaminado. É muito desconhecimento, muita desinformação”, lamenta.
Ângela também sugere a elaboração de campanhas informativas para a população e programas de capacitação e treinamento para profissionais da saúde e da nutrição “para que não venham a adoecer ainda mais os pacientes”.
Certificação de estabelecimentos e fiscalização
Total segurança é o que promete a proprietária de um restaurante em BH, especializado em alimentação sem glúten. Maria Silvia garante que faz um rastreio de fornecedores, busca produtos selecionados, faz uma higienização complexa e trabalha com insumos separados, tudo para evitar a contaminação cruzada. “Muitos daqueles que afirmam ser especializados em alimentos sem glúten não garantem isso. É o mesmo problema dos rótulos”, comparou. Ela afirma que, além de trabalhar com uma equipe treinada e especializada, faz supervisão constante.
Maria Silvia lembrou que a alimentação sem glúten, uma necessidade dos celíacos, pode ser saborosa e nada tem a ver com moda ou dietas para emagrecimento. “Há muito preconceito em relação a essa restrição alimentar. Salada com crouton é fitness mas tem glúten”, lembrou. Ela sugere a instituição de um selo de certificação para estabelecimentos que comprovarem que os alimentos não têm traços de glúten, além de ações de intensificação da fiscalização e de campanhas educativas para a população. Irlan concordou com a necessidade de campanhas educativas e ressaltou que as associações podem também contribuir nesse objetivo.
Angela Abreu afirmou que é muito importante ter restaurantes seguros, mas avisou que a instituição de um selo de certificação não é simples. “A formação continuada de todos os funcionários onera o estabelecimento e o consumidor e, após receber o selo, o restaurante pode não conseguir seguir o protocolo”, afirmou. Segundo ela, são necessários treinamento e fiscalização constantes e a rotatividade de trabalhadores faz com que o investimento seja perdido. Angela informou que a Acelbra mantém uma nutricionista que faz visitas técnicas e oferece orientação sempre que solicitado, e a própria associação divulga que aquele estabelecimento é seguro.
Ao final da reunião, Raquel Cândido destacou a importância de se falar sobre o assunto, “tirando a doença celíaca da invisibilidade”. Irlan Melo afirmou que vai requerer à Prefeitura informações sobre pacientes em BH e reclamou com a representante da Secretaria de Saúde que ainda não recebeu resposta dos últimos pedidos de informações que fez à pasta.
Superintendência de Comunicação Institucional