Sem ajuda pública, entidades sociais têm dificuldade para atender demanda
Pandemia agravou problema e associações querem políticas mais efetivas para acolher e tratar usuários de drogas
Foto: Abraão Bruck/CMBH - Foto original: José Cruz/ Agência Brasil
O aumento expressivo da população em situação de rua, quer seja pela crise sanitária quer seja pela crise econômica, deixa evidente a falta de investimentos do poder público para enfrentar a questão. Entre as queixas de entidades civis que atuam com esse público, usuário ou não de drogas, a ausência de uma política robusta e capaz de lidar com a complexidade do problema foi citada pela maioria dos participantes da audiência pública realizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário, nesta quinta-feira (17/3), a pedido de Braulio Lara (Novo). Uma das atividades propostas pelo Grupo de Trabalho (GT) BH sem Morador de Rua, a audiência abordou o uso de drogas entre as pessoas em situação de rua. Segundo Braulio, a proposta era conhecer as ações desenvolvidas na cidade que trazem bons resultados e aquelas que são inócuas, bem como a visão daqueles que atuam na “ponta”. O parlamentar defendeu que o poder público precisa mapear o problema.
Apoio de projetos sociais
Fundadora da Rede Solidária-BH, Dai Dias afirmou que a situação na cidade só não está pior por causa dos projetos sociais: “durante a pandemia, encontramos famílias inteiras nas ruas, sem casa, sem trabalho, sem comida". Ela explicou que a função da rede é fortalecer os projetos desenvolvidos na capital e que a entidade mapeou mais de 80 projetos sociais voltados para esse público e que a crise sanitária dobrou a procura por assistência. “Muitos dos que levantaram a bandeira do 'fique em casa’ se esqueceram dos moradores de rua, inclusive o poder público”, afirmou.
Janio Luiz de Miranda, presidente da Associação Brasileira Comunitária para Prevenção do Abuso de Drogas (Abraço), lamentou a falta de políticas mais efetivas para combater o problema, concordando com Dai Dias. Segundo Janio, sem as associações “a população de rua estaria ainda mais desamparada” e que esse público precisa ser tratado com dignidade. Ele disse que muitas instituições não recebem recursos públicos e que o dinheiro que deveria ser usado para socorrer “está sendo empregado para manter a pessoa na rua, sem oferecer opção que não seja permanecer ali”. Afirmando que falta projeto de vida que não seja morar na rua, o presidente da Abraço avalia que a capacitação para o mercado de trabalho poderia ajudar. “Muitos não querem sair das ruas porque têm lugar para dormir e comer, mas aqueles que querem sair, não encontram oportunidade", constatou.
“Há cinco anos, atuando na Pedreira Padre Lopes, o projeto Banho Solidário nunca foi procurado pelo poder público para firmar uma parceria", afirmou o presidente da instituição, Emílio Neto. Segundo ele, o local é considerado a “cracolândia” de BH, sendo completamente esquecido tanto pelos setores público e privado, quanto pelas ONGs. Ele contou que a proposta é levar um pouco de dignidade às pessoas, oferecendo, uma vez por mês, escuta qualificada, alimento, roupas limpas, produtos de higiene pessoal, corte de cabelo, entre outros.
Esvaziamento de conselho antidrogas
Jânio e Billy Pena, coordenador administrativo da Associação Fazenda Renascer, disseram que o Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas não se reúne há mais de dois anos e que teria sido substituído por um comitê que não apresentou nem uma ação voltada para o usuário de drogas. Billy reclamou que o comitê anulou o conselho. “Ficamos à mercê de uma política que motiva as pessoas a ficarem nas ruas e a usar drogas”, declarou Billy, sugerindo a aproximação das entidades para dar uma resposta mais efetiva para o problema.
Já Júlio Flavio, coordenador da Cidade Refúgio, contou que o tratamento oferecido na unidade dura em torno de seis meses e nesse tempo, além de atividades terapêuticas, são oferecidos cursos profissionalizantes nas áreas de construção civil, agronegócio, agronomia e apicultura, entre outros, cujo objetivo é inserir a pessoa no mercado de trabalho.
Participação da família e acompanhamento pós-alta
A gestora do Centro de Terapia e Assistência Social (Cetas) do Hospital Espírita André Luiz, Viviane Santos, destacou o diferencial do tratamento oferecido pela unidade: o envolvimento da família e o acompanhamento pós-alta, que é feito durante o tempo que for necessário. Segundo ela, o objetivo é alcançar a abstinência total e reinserir o indivíduo na vida familiar, laborativa e social. Ela explicou que o hospital oferece um tratamento multidisciplinar das 7h às 16h30, com atividades de terapia, música, horta-terapia, pilates, fisioterapia, educação física, entre outros. Viviane destacou que o trabalho com moradores de rua se torna mais complicado porque, como não têm referência familiar, à noite voltam para um local que facilita a recaída.
A diretora de Saúde do Hospital André Luiz, Cristiana Ávila, afirmou que não acredita na internação compulsória. Segundo ela, o paciente fica 30/40 dias em tratamento e consegue a abstinência, porém, “se não houver um suporte ao sair, ele vai rescindir".
Para Braulio Lara, é preciso criar alternativas para que as pessoas tenham um projeto de vida fora das ruas e das drogas. Ele reconheceu a complexidade do problema e admitiu que quanto mais rápido o poder público identificar essas pessoas e encaminhá-las, “menores serão os prejuízos que elas terão na própria vida e maiores as chances de recuperação”. O vereador acredita que a falta de uma política que coordene ou oriente o trabalho das associações prejudica a atuação. “Temos muito esforço e se houvesse coordenação teríamos uma performance muito maior em termos de resultados para a comunidade”, enfatizou. Segundo ele, o poder público municipal traz estratégias que são desproporcionais às necessidades e o primeiro passo do gestor deve ser reconhecer o tamanho do problema. “Todo esforço voluntário é muito importante, mas temos que ter uma política pública que cause impactos e não fique tangenciando a questão”. O parlamentar afirmou que as instituições devem estar integradas em uma política real e não ficar com 'o pires na mão' para sustentar o trabalho.
Superintendência de Comunicação Institucional