Baixa no estoque de leite materno preocupa hospitais de BH
Doações estão abaixo do necessário nas maternidades da cidade, que tem somente dois bancos de leite humano
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Trinta por cento abaixo do volume ideal. Esta é o déficit de leite materno na Maternidade Odete Valadares, que abriga um dos dois únicos bancos de leite existentes em Belo Horizonte. Dos 250 litros considerados ideais para manter o funcionamento, apenas 177 litros estão sendo arrecadados mensalmente pela maternidade. Os dados foram apresentados em audiência pública realizada pela Comissão de Mulheres nesta sexta-feira (10/6), que debateu, além da baixa nos estoques, a necessidade de divulgação e do aumento do número de locais de coleta e de armazenamento do leite. A reunião foi solicitada pelas vereadoras Professora Marli (PP) e Fernanda Pereira Altoé (Novo) e contou com a presença de especialistas dos Hospitais Odete Valadares, Odilon Behrens e das Clínicas. A boa notícia ficou por conta da inauguração, prevista para o próximo mês, de mais um novo banco de leite humano, que será instalado no Hospital das Clínicas.
As evidências científicas indicam que bebês prematuros ou com patologias que se alimentam de leite humano no período de privação da amamentação possuem mais chances de recuperação e de terem uma vida mais saudável. Com o leite materno, o bebê prematuro ganha peso mais rápido, se desenvolve com mais saúde e fica protegido de infecções. A informação é reconhecida por todos os profissionais de saúde, mas colocá-la em prática ainda é um desafio para os hospitais e maternidades de muitas localidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte. Contando apenas com dois bancos de leite humano capazes de coletar e pasteurizar o produto, a cidade vive um desabastecimento de leite materno que aflige quem trabalha na área.
“Nós somos o 1º banco de leite do Estado e somos referência em Minas”, disse Maria Hercília Barbosa, psicóloga e coordenadora do banco de leite do Hospital Odete Valadares. Segundo ela, é preciso ampliar o número de unidades que fazem esse trabalho, pois não adianta somente coletar o leite, que precisa ser examinado e pasteurizado para, então, ser dado aos bebês que necessitam. Hercília deu como bom exemplo de trabalho na área a cidade de Brasília. De acordo com ela, na capital federal existem 20 bancos de leite e o trabalho de coleta é feito com a ajuda do Corpo de Bombeiros. “Brasília tem autossuficiência de leite que supre toda a necessidade da cidade”, explicou a psicóloga. Hercília disse ainda que nem todo banco precisa de uma estrutura grande como a do Odete. “Há bancos de leite menores, com equipe de até 10 pessoas, desde que tenham verba para comprar equipamento”, disse a psicóloga, salientando ainda que é fundamental que os administradores das maternidades entendam a importância de se ter uma estrutura como essa e que pensem no que chamou de saúde coletiva.
Integrante da Comissão de Mulheres, a vereadora Macaé Evaristo (PT) quis saber se o trabalho relacionado ao leite humano é feito de forma intersetorial, envolvendo outras áreas como a assistência social. De acordo com Hercília, há uma parceria com os centros de saúde, mas é preciso envolver mais a atenção primária do SUS-BH. “Pra melhorar é preciso fazer a divulgação com as unidades básicas, alimentando de informações as mulheres que ainda estão no pré-natal, criando consciência nessa mãe sobre a doação de leite excedente”, explicou a psicóloga.
Coleta em vários pontos
Além dos bancos de leite humano, há em BH alguns locais que funcionam como postos de coleta. É o caso da maternidade do Hospital Odilon Behrens (HOB), que colhe o leite de mães cadastradas e envia o material colhido para o Odete Valadares. Parte do leite, após a pausterização, é devolvido e, então, utilizado na maternidade do HOB. “O hospital tem transporte próprio e busca o leite. Fazemos visitas domiciliares para conhecer e orientar melhor as mulheres doadoras. Ensinamos em casa como se faz a higienização completa e também como fazer a ordenha (retirada do leite)”, disse Manuela Estrela, enfermeira referência técnica do posto de coleta do HOB. Também funcionária do hospital, Vanessa Antunes falou que nos dias atuais há dificuldades enfrentadas por causa de uma “demanda aumentada e dificuldade de captação de novas doadoras”. Atualmente o hospital conta com 300 ml diário de leite, tendo que priorizar bebês com menos de 1 kg, mesmo atendendo mulheres com gestação de alto risco.
Além do HOB, BH tem o trabalho de coleta nos centros de saúde, mas a atividade está deficitária. “Temos 23 centros de saúde cadastrados como comunidades coletoras. Dos 23, somente 11 estão ativos. Nós vereadoras temos que fiscalizar isso e saber o que está acontecendo”, disse Professora Marli contando que a Câmara Municipal de BH tem sala específica para coleta de leite e destacando sua preocupação com as crianças que nascem e não têm como se alimentar por serem prematuros e não existir uma quantidade de leite satisfatória nos bancos das maternidades.
De acordo com as profissionais do HOB, há um projeto de construção de um banco na maternidade, mas não há previsão de quando será efetivamente construído. “Entre as emendas impositivas, destinei 100% da verba da saúde para o HOB. O que mais podemos fazer?”, perguntou Fernanda Altoé. Para Vanessa Antunes, os parlamentares poderiam se dedicar mais à divulgação contínua da importância de doação de leite.
Novo posto de coleta
A boa notícia dada durante a audiência pública ficou por conta do Hospital das Clínicas (HC). Administrado pela Universidade Federal de Minas Gerais, o hospital vai começar, dentro de um mês, a pasteurizar o leite humano. “Nascem de 10% a 12% de bebês prematuros que, desmamados, têm chance menor de sobreviver. O HC é atualmente um posto de coleta e em breve seremos banco de leite. Será inaugurado em breve”, explicou a médica Maria Cândida Ferrarez, responsável técnica pelo banco de leite do Hospital das Clínicas. Para ela, é preciso pensar também nos centros de saúde como postos de coleta capazes de drenar leite para os bancos mais próximos.
Segundo nota técnica elaborada pela consultoria legislativa da CMBH, a atual estratégia da Prefeitura de Belo Horizonte para aumentar o alcance do serviço de coleta é a ampliação das unidades coletoras, um serviço que realiza ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e a captação e orientação de possíveis doadoras. Os profissionais dos centros de saúde capacitados buscam o leite humano extraído e congelado no domicílio da doadora, podendo armazená-lo em equipamento próprio ou enviá-lo diretamente ao posto gerido pela PBH. Uma vez por semana, o leite humano é enviado à Maternidade Odete Valadares.
Ainda segundo a nota, o modelo brasileiro para bancos de leite humano é referência internacional e, desde 2005, o país exporta técnicas de baixo custo para implementar bancos na América Latina, Caribe Hispânico, África, Península Ibérica e outros países.
Sala adequada para coleta
Em novembro do ano passado, a Câmara Municipal promulgou a Lei 11.321, de autoria da presidente Nely Aquino (Pode), que prevê a criação de salas de apoio à amamentação para servidoras da administração direta e indireta do Município. Já em março desse ano, a Casa inaugurou uma sala de apoio à amamentação em cumprimento à legislação, com todos os equipamentos necessários à coleta e armazenamento de leite materno para uso de mulheres que trabalham e frequentam a Câmara Municipal. No mês passado, audiência pública solicitada por Wilsinho da Tabu (PP) discutiu a importância do aleitamento materno; na ocasião, o parlamentar comunicou a apresentação do Projeto de Lei 342/2022, que institui a data de 21 de maio como o Dia Municipal de Proteção ao Aleitamento Materno.
Ao final do debate, que contou com a participação de vários profissionais do HOB, HC e Odete Valadares, a vereadora Fernanda Altoé destacou que um dos objetivos do debate é dar visibilidade ao tema, mas que a Comissão de Mulheres irá agendar visitas técnicas às três unidades de coleta e armazenamento de leite materno, além de estudar a possibilidade de propor remanejamento no Orçamento Municipal, direcionando verba para a atividade e para a criação de novos bancos de leite. Fernanda também se disponibilizou a conversar com o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais para ver se há a possibilidade de implantação do modelo utilizado em Brasília na coleta do material.
Assista a íntegra da audiência.
Superintendência de Comunicação Institucional