SEGURANÇA HÍDRICA

Entidades cobram bloqueio de projeto minerário que ameaça adutora da Copasa

Impactos de atividades da mineradora Tamisa na Serra do Curral podem pôr em risco o abastecimento hídrico de 70% da população de BH

quarta-feira, 29 Junho, 2022 - 23:45

Foto: Karoline Barreto/CMBH

Explosão de rochas, tráfego pesado de caminhões e eventual rompimento de barragens no Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST), da empresa Taquaril Mineração (Tamisa), podem danificar a adutora da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e comprometer a qualidade da água captada no Rio das Velhas. O risco do empreendimento para a segurança hídrica da Capital foi o foco do debate desta quarta-feira (29/6) na Comissão de Saúde e Saneamento. Vereadoras e especialistas criticaram a ausência da Tamisa, da Vale e da Copasa, que se furtaram a fornecer respostas. Gestores estaduais foram questionados quanto a supostos equívocos e irregularidades na análise e no licenciamento do projeto e cobraram um plano emergencial em caso de colapso do abastecimento. A Prefeitura de BH, que já acionou a justiça federal contra a implantação do Complexo na Serra do Curral, patrimônio ambiental, paisagístico e cultural da cidade, reafirmou o posicionamento do Município e considerou a solicitação de bloqueio da área à Agência Nacional de Mineração (ANM) em nome do interesse público. Serão encaminhados pedidos de informação sobre as questões apresentadas e reforçada, junto à PBH, a sugestão de pedir o bloqueio da área.

Requerente da audiência, Duda Salabert (PDT) reafirmou que a ameaça à segurança hídrica da Capital é uma das maiores preocupações de parlamentares municipais e estaduais, entidades ambientais, especialistas, movimentos sociais e cidadãos, já que a área pretendida pela Tamisa para implantação do Complexo Minerário de grande porte e alto potencial poluidor abriga vários quilômetros de uma adutora do Sistema Rio das Velhas, da Copasa, que garante o fornecimento de água para 70% da população de Belo Horizonte e 45% da Região Metropolitana. Além das vibrações causadas pelas explosões de dinamite e do tráfego diário de centenas de carretas carregadas de minério, que podem danificar as tubulações, o projeto inclui a construção de três barragens de contenção de sedimentos, cujo rompimento resultaria na contaminação dos cursos d’água que alimentam o Sistema e o desabastecimento de cerca de 2 milhões de pessoas somente na Capital.

Bella Gonçalves (Psol) celebrou a mobilização do Legislativo, que realizou visitas técnicas e audiências sobre a questão, pautando a Prefeitura e a sociedade, e salientou o pioneirismo da instituição no debate sobre os impactos da mineração. Comparando a luta ao confronto entre Davi e Golias, ela declarou que as grandes corporações “são grandes pela covardia, mas não para a economia", já que a mineração representa apenas 4% do PIB. Com omissão e recusa ao diálogo, “querem nos vencer pelo cansaço, mas não nos cansaremos nunca!”, alertou a vereadora, citando a CPI que apurou responsabilidades e cobrou reparações ao Município pela tragédia de Brumadinho, resultando no Termo de Ajustamento de Conduta imposto à Vale pelo Ministério Público, que incluiu a construção de poços e de um novo ponto de captação de água no Sistema Paraopeba, atingido pela lama, e a aprovação de Lei Municipal que determina a elaboração de Plano de Contingência para caso de interrupção no abastecimento.

"Irresponsabilidade e leniência”

O geólogo Paulo Horta Rodrigues, do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, apresentou de forma resumida os conceitos básicos envolvidos no ciclo da água no planeta, da evaporação dos oceanos às precipitações, infiltração da água no solo, armazenada nos chamados aquíferos, e seu retorno à superfície. Em mapas do Quadrilátero Ferrífero, que abriga as maiores concentrações de minérios e de águas subterrâneas de Minas Gerais, o especialista explicou a intensidade com que as atividades minerárias comprometem as principais áreas de recarga, situadas nas Serras do Curral, Gandarela, Piedade, Itabirito e Caraça, que deveriam ser integralmente preservadas e protegidas, mas também são alvo das mineradoras.

O engenheiro ambiental Felipe Gomes, do Movimento “Tira o Pé da Minha Serra” também se queixou da leniência do governo, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e do Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais (Igam) com os interesses das mineradoras, da não realização de estudo sistêmico do sistema hidrológico do estado, da não consideração das mudanças climáticas nos cálculos de resiliência e da necessidade de analisar com mais rigor os dados fornecidos pelo empreendedor no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em processos de licenciamento e outorga, que parecem ser concedidos, segundo ele, na base do “pediu, levou”, sem a devida responsabilidade sobre os impactos ambientais e priorização do interesse e da segurança da população. Indignado com o não comparecimento da Tamisa e da Copasa nas visitas técnicas e audiências sobre o tema, ele defendeu a criação de uma nova CPI ou a adoção de outros instrumentos que permitam a convocação em vez do convite.

Euler Cruz, do Fórum Permanente do São Francisco, Renato Mutarelli, do Movimento "Eu Rejeito Barragens", e Ana Flávia Quintão, do Movimento Defesa das Águas de Minas Gerais, também se manifestaram contra o licenciamento de projetos de mineração na Serra do Curral e adjacências, comprometendo nascentes, rios e áreas de recarga e pondo em risco o abastecimento hídrico de humanos, animais e da agricultura. Os ativistas testemunharam impactos de outros projetos de mineração, fizeram duras críticas à postura do governo estadual, que privilegiaria interesses econômicos privados em detrimento do interesse público, e relataram ações das entidades em relação a essas questões, como o encaminhamento de denúncias e notas técnicas, requisição de informações e acionamento de órgãos competentes.

Benedito Rocha, ex-funcionário da Copasa que participou da construção do Sistema e guiou os parlamentares na visita ao local, exibiu imagens e forneceu informações sobre as adutoras, cuja manutenção estaria sendo negligenciada pela atual gestão da Companhia. Ele também explicou os danos da mineração e do eventual rompimento das barragens sobre as instalações e cursos d’água. Segundo o ex-servidor, que hoje atua como consultor, não é possível minerar com segurança sobre uma estrutura como essa e, em vista do modelo de captação “em fio”, sem armazenamento de água em reservatórios, não há como mitigar os efeitos de um colapso; a única medida a ser tomada seria a construção de uma nova adutora. Benedito confirmou que o projeto original da Tamisa, analisado pela Copasa, que exigiu uma série de estudos técnicos à empresa antes da manifestação definitiva sobre o licenciamento, foi arquivado, e o atual foi apresentado e licenciado sem qualquer consulta à Companhia.

Estado nega acusações

A subsecretária Ana Carolina Almeida, que representou a Semad, e o diretor-geral do Igam, Marcelo da Fonseca, negaram que haja irresponsabilidade e leniência no licenciamento de projetos das mineradoras e garantiram que os estudos necessários, inclusive outros adicionais, foram feitos e apresentados durante o processo de licenciamento, seguindo os procedimentos e requisitos aplicados em todas as outorgas de exploração minerária e uso de águas. O gestor negou que o CMST vá causar o rebaixamento do lençol freático, apontado por Felipe Gomes, e que o projeto atual tenha “driblado” exigências e restrições impostas à versão arquivada. O estudo sobre o regime pluviométrico, segundo ele, não foi realizado por não haver necessidade, de acordo com as normas e critérios estabelecidos na legislação. Em relação aos impactos das mudanças climáticas, o órgão vem se empenhando para adequar e aprimorar as análises.  

A divisão de responsabilidades entre estado e empreendedor é prevista na legislação federal e estadual e, apesar da presunção de qualidade técnica dos EIAs apresentados pelo requerente, o Igam verifica eventuais desvios e problemas e solicita estudos e informações complementares quando necessário. Em relação à baixa resiliência do Rio das Velhas a períodos de secas prolongadas, o diretor informou que as captações são monitoradas e quando a vazão atinge nível crítico são limitadas ou suprimidas. A Bacia do Velhas é acompanhada e gerida coletivamente por comitês e agências da sociedade civil, Semad, Copasa e Instituto Estadual de Florestas (IEF), que realizam intervenções adaptativas. Os córregos da área do CMST, segundo ele, respondem por apenas 0,06% do volume do Sistema.

Mobilização da Prefeitura

Gestor de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, Ricardo Aroeira reafirmou que a PBH é contra a mineração na Serra do Curral e contra o projeto da Tamisa, os quais ameaçam o patrimônio simbólico, paisagístico e cultural da cidade e põem em risco o abastecimento de água de milhões de pessoas. O gestor se mostrou receptivo à recomendação de que o Município entre com um pedido de bloqueio de área junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), o que suspenderia a implantação do projeto.  Ao sugerir a medida, o ambientalista Felipe Gomes explicou que a concessão do bloqueio atende critério de interesse público, e a ameaça ao abastecimento de cinco milhões de pessoas, em uma das maiores metrópoles do país, seria aceita como razão incontestável. Concedido o bloqueio, o processo é interrompido imediatamente e permanece parado enquanto a questão é analisada, negociada e decidida.  

Aroeira ponderou que, embora ele não tenha conhecimento, o pedido de bloqueio já pode estar incluído na ação impetrada na justiça federal pela Prefeitura em maio contra o licenciamento do projeto; para apurar se o pedido já está em andamento e, caso não esteja, a possibilidade de utilizar esse instrumento, ele vai consultar a Procuradoria Geral do Município. Sobre as determinações da lei resultante da CPI, ele esclareceu que a Prefeitura vem cumprindo a atribuição de cobrar da Copasa a elaboração do Plano de Contingência a ser adotado em caso de danos aos sistemas de abastecimento.

Questionar e cobrar

Expressando os sentimentos e temores dos demais opositores do projeto, Duda e Bella consideram “inaceitável” que o governo permita a inserção de um projeto tão grande e, segundo elas, predatório na já intensa atividade mineradora no entorno da cidade. As parlamentares apontam que os riscos intrínsecos às atividades minerárias ampliam ainda mais os temores quanto à segurança hídrica. Classificando o cenário como “surreal”, Bella o comparou ao filme “Mad Max”, no qual o planeta enfrenta altas temperaturas e secas que geram sofrimentos e disputas. Se ignorarmos os impactos das atividades predatórias sobre os recursos hídricos, especialmente diante das mudanças climáticas, “essa distopia deixará de ser ficção para se tornar realidade”.

Ao final da reunião, Duda anunciou o envio de pedidos de informação à Semad, ao Igam, à Copasa e à Agência Metropolitana sobre a realização do estudo sistêmico, a inserção das variáveis da mudança climática nas avaliações e cálculos de impacto, denúncias de danos ambientais e contaminação do Rio das Velhas por outras mineradoras em operação na Serra do Curral e região, alternativas de reparação dos danos ao Sistema Paraopeba pela Vale, e elaboração de planos de contingência e segurança em caso de desabastecimento, especialmente nas unidades de saúde. As vereadoras também vão enviar indicação à Prefeitura reforçando a sugestão de pedir o bloqueio da área. Pergunta de cidadão enviada por formulário eletrônico, que não pôde ser respondida em razão do tempo regimental, será encaminhada ao órgão pertinente e a resposta será comunicada ao remetente. Além da Tamisa e da Copasa, a Vale e o Ministério Público também não enviaram representantes à audiência.

Superintendência de Comunicação Institucional

 

Audiência pública para debater os riscos à segurança hídrica do município de Belo Horizonte - 21ª Reunião Ordinária - Comissão de Saúde e Saneamento