Invisibilidade do trabalho e da cultura negra na formação da cidade é apontada
Abertura do Dia da Consciência Negra na CMBH teve comida típica, apresentação cultural e reflexão sobre combate ao racismo
Foto: Claudio Rabelo /CMBH
Os desafios da construção de um Câmara Cultural diverso e antirracista foram abordados em uma roda de conversa que marcou o Dia da Consciência Negra na Câmara Municipal de Belo Horizonte, nesta segunda-feira (20/11). O evento, que integrou a programação do Legislativo, foi realizado pelo Programa Câmara Cultural, instituído em 2023, com o objetivo de contribuir para a preservação da memória e do patrimônio cultural belo-horizontino em suas diferentes manifestações. Depois de um café da manhã compartilhado, com quitutes de origem afro-brasileira, e de apresentação cutural, ambos no hall da entrada principal da Casa, teve roda de conversa com a participação do empreendedor social e artista urbano periférico Negro F, e da quilombola Glaucia Martins. Coordenadora do Programa Câmara Cultural, Débora Amaral, que é servidora da CMBH, lembrou que o movimento no Legislativo Municipal é recente e que a proposta é caminhar para promover uma luta que é constante.
Negro F fez um apanhado de sua trajetória enquanto negro e morador de favela, no Alto Vera Cruz. No painel Colos, Casas, Quilombos e Quebradas, Negro F destacou o aspecto estigmatizado que a mídia apresenta sobre as comunidades e lembrou que, mesmo após 135 anos da abolição da escravidão no país, não houve uma ação de reparação efetiva para as comunidades negras. Segundo ele, esse abandono ainda hoje se reflete na dificuldade de ascensão social. “Somos frequentemente carimbados por um estigma midiático associado à miséria e à violência. E cada quebrada tem sua história, sendo necessário ressignificar esses territórios”, afirmou. O artista lembrou, ainda, a necessidade de empreender imposta à população negra desde a abolição para garantir sua própria subsistência; sua contribuição efetiva na construção do país e da cidade; e o frequente processo de apagamento dessa contribuição, bem como das artes e do modo de vida do povo preto.
Ele pontuou que a oralidade é um hábito do povo negro que se contrapõe à escrita, que é uma prática europeia; enfatizou que o processo educacional é longo e deve ser um aprendizado cotidiano, e sugeriu que a CMBH adote espaços com nomes e referências negras para colaborar na ressignificação da história. “Territórios foram construídos com o sangue e os corpos de pessoas negras e o racismo cotidiano nos ataca o tempo todo. Pessoas não negras têm o dever de somar-se a essa luta e o Legislativo deve contribuir com o fortalecimento da luta antirracista”, disse.
Luta quilombola
Coordenadora da Associação do Quilombo Família Souza, Glaucia Martins abordou o desconhecimento da legislação por grande parte da população negra; a tradição da oralidade como forma de preservação da história; como a “falta do documento escrito” interfere no fazer cotidiano da comunidade; e as constantes perseguições em razão das práticas culturais e religiosas. “A cidade foi construída com o trabalho do negro, que foi jogado para a periferia, e ainda hoje nossa luta é diária. A todo momento, precisamos buscar nossos direitos, há uma invisibilidade da nossa contribuição e uma discriminação de nossas práticas”, afimou. Ela ponderou que a cultura negra também sofre com a invisibilidade e que as instituições trabalham com o apagamento histórico e cultural. “Nossa obra sempre foi apagada sob a nomenclatura de ‘autor desconhecido’. Temos que começar a valorizar esses artistas anônimos que foram calados durante muito tempo”, alegou.
Glaucia Martins foi taxativa ao afirmar que não basta reconhecimento, é preciso garantias. “Onde está nossa liberdade? O Quilombo é um espaço tombado pelo patrimônio e o tempo todo precisa se reafirmar”, lamentou. Ao reforçar que conhecer os próprios direitos é fundamental, a quilombola disse que a fase da resistência já se passou e que agora é preciso haver uma retomada da história, reconhecendo o lugar de construtores da sociedade. “Caminhamos para a igualdade de direitos e o racismo tem que acabar. Essa ideia de que o quilombo é mato é equivocada e advém de um desconhecimento da realidade. Se todo mundo evolui, por que não nós? A política tem que ser para todos, tem que caminhar para que todo mundo tenha tudo de melhor”, pontuou.
Representante do Comitê de Promoção da Igualdade Racial da Câmara, Efraim Gomes de Moura destacou o papel fundamental dos negros na construção cultural da cidade. Para ele, a reparação histórica precisa ser debatida. “Precisamos questionar as razões que levam às altas taxas de negros e pardos nos presídios e na periferia, bem como as razões de ocuparem quase que a totalidade de vagas em subempregos e praticamente inexistirem em cargos de chefia. Aqui na CMBH, eles são terceirizados ou prestadores de serviços. Poucos são os concursados. Isso é fruto de meritocracia?”, duvidou. Rejane Barbalho, da Escola do Legislativo, reiterou que a roda de conversa é didática e contribui para mudança de paradigmas.
Para os participantes essa temática deve estar na pauta o tempo todo e não ser delegada para poucos momentos. Eles sugeriram que CMBH abra espaço pra apresentações de artistas negros, inclusive com a estipulação de cotas. Ao concordar com as falas sobre a necessidade de reafirmar a identidade negra e a violência diária, a mediadora Priscila Muniz chamou a atenção para a importância de desconstruir estereótipos.
Superintendente de Comunicação Institucional