Pessoas com doenças intestinais cobram mais acesso ao tratamento na rede púbica
Estado fornece medicações, mas serviço de infusão no SUS-BH não atende à demanda; questão será levada à SMSA e ao Ministério Público

Foto: Dara Ribeiro/CMBH
A doença de Crohn e a retocolite ulcerativa são as principais formas de Doença Inflamatória Intestinal (DII), condição crônica e progressiva que exige acompanhamento médico contínuo para preservar a saúde física e mental dos pacientes e melhorar sua qualidade de vida. Em audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento na quarta-feira (25/6), a Associação Brasileira de Portadores de DIIs (DII Brasil) relatou que as medicações endovenosas de alto custo, mais eficazes, são disponibilizadas pelo governo do estado; porém, a insuficiência de vagas para infusão no Sistema Único de Saúde da capital (SUS-BH) compromete o tratamento, principalmente dos que não podem pagar o serviço em clínicas particulares. Representantes da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) se comprometeram a levar as colocações e demandas ao conhecimento da pasta. A fim de obter soluções imediatas, o vereador Helinho da Farmácia (PSD), requerente do debate, vai solicitar reuniões com os secretários, enviar pedidos formais de informações e relatar a questão ao Ministério Público.
Na abertura do encontro, Helinho da Farmácia explicou que a realização da audiência foi motivada pela ausência de critérios para o fornecimento de pulsoterapia (método de aplicação das medicações) na rede SUS-BH, que, segundo a DII Brasil, não atende a demanda. A dificuldade de acesso ao serviço na rede pública do município vem gerando longas filas de espera, obrigando diversos pacientes a recorrerem à rede particular. O parlamentar informou ainda que, de acordo com levantamento da entidade, dados oficiais da Secretaria Municipal de Saúde indicam que 41 pacientes aguardam pela infusão de medicamentos essenciais à sua qualidade de vida e, em muitos casos, à sua sobrevivência.
“A solicitação mais antiga da fila de espera data de 28 de fevereiro de 2025, um atraso de quatro meses que compromete não apenas a saúde física, mas também a saúde emocional e a dignidade de quem espera. Esse cenário alarmante exige respostas imediatas do poder público”, alertou Helinho da Farmácia.
O vereador lamentou que, atualmente, o Município conta apenas com dois prestadores habilitados para realizar a infusão pelo SUS: a Santa Casa, com duas vagas semanais, e o Hospital das Clínicas da UFMG, que não oferece vagas desde o ano passado. “Dezenas de pacientes seguem sem atendimento e a fila de espera só cresce enquanto o tempo corre contra a saúde de cada um deles”, lamentou. Helinho da Farmácia parabenizou a DII Brasil por trazer a questão à pauta e se comprometeu a reforçar as demandas junto ao Poder Executivo.
Mãe relata dificuldades
Fernanda das Graças Resende Dias, mãe de um paciente com DII, contou que o filho, hoje com 18 anos, foi diagnosticado com doença de Crohn no final de 2022 e obteve a medicação três meses depois por meio da Farmácia de Minas, do governo do estado. Na ocasião, o fornecedor oferecia vouchers para a infusão nas clínicas indicadas. Com a troca do fornecedor, os pacientes não recebem mais esse acesso, tendo que pagar cerca de R$ 250 pelo serviço. Hoje, ela paga R$ 150 graças ao desconto conseguido pela Associação Mineira de Portadores. O filho, segundo ela, repete o procedimento a cada oito semanas na Santa Casa. No início do tratamento e em caso mais graves, no entanto, podem ser necessárias infusões em intervalos menores, até mesmo semanais. A solicitação de avaliação de um gastroenterologista, necessária para obter o atendimento do filho via SUS, foi feita no dia 14 de março, respondida em maio, e a consulta agendada para setembro.
Ex-presidente da Associação Mineira de Portadores de DIIs e hoje à frente da associação nacional, Patrícia Mendes lamentou a invisibilidade das DIIs no âmbito da rede pública de BH. “Mesmo numa capital com infraestrutura consolidada, ainda enfrentamos obstáculos graves no acesso a exames, medicamentos, atendimento especializado e, acima de tudo, ao fluxo coordenado e contínuo de cuidados”, relatou a ativista, lembrando que uma norma regulatória municipal de julho de 2024 prevê a realização de pulsoterapia com medicamentos via SUS. Segundo ela, o número real de pessoas que precisam é bem superior aos 41 registrados pela SMSA.
“Desde que acabou o fornecimento de voucher, as pessoas não fazem mais infusão. Têm direito, mas precisam pagar. Mas e quem não tem condições? E, se não tiver como aplicar, a medicação fornecida pelo SUS, que custa mais de R$ 20 mil a dose, fica na geladeira da casa do paciente, que não se beneficia do tratamento e permanece vulnerável às dores e complicações da doença, que pode levar à invalidez", questionou a presidente do DII Brasil.
Nova legislação
Patrícia Mendes mencionou a sanção recente da Lei Federal 15.138/2025, que estabelece diretrizes para o atendimento integral de pacientes de DII em todo o território nacional. Para a entidade, que se mobilizou pela aprovação, a nova legislação que entra em vigor em novembro exige atenção imediata da SMSA, para que Belo Horizonte inicie desde já a adequação às normas e crie protocolos locais, tornando-se um modelo para outras capitais. Embora fosse o ideal, ela entende que a implantação de centros de infusão municipais envolveria custos com a locação de espaços, licenciamentos e treinamento de pessoal. Dessa forma, Patrícia sugere que seja analisada a viabilidade de cadastramento de clínicas que realizam o procedimento a fim de aproveitar a estrutura e os profissionais, desafogando a fila.
A DII Brasil se disponibilizou a oferecer apoio técnico e institucional para a construção dos protocolos, produção de materiais educativos e execução de ações conjuntas que atendam as necessidades reais dos pacientes. De acordo com Mateus Quintiliano, advogado da entidade e diagnosticado com doença inflamatória intestinal, os medicamentos biológicos são muito caros porque a eficácia deles realmente é bem alta. Segundo ele, quando o médico opta por prescrevê-los, é porque o caso é grave ou quando já foram tentadas as medicações mais básicas. O advogado reforçou ainda a importância de dar mais visibilidade à questão, já que, segundo relatos, muitos profissionais de saúde da rede pública “desconhecem 100%” as DII.
“A informação é a primeira porta de entrada, antes dos encaminhamentos adequados, e o tratamento da saúde física e mental não podem ter interrupções. A imprevisibilidade afeta diretamente o bem-estar e a capacidade laboral do paciente”, alertou Mateus Quintiliano.
Sem respostas
Natália Patrícia Torres, da gerência de Assistência Farmacêutica da SMSA; Helaine Oliveira, da gerência de Atenção Primária à Saúde; Ana Clara Santos, da diretoria de Média e Alta Complexidade; e Aline Maria Chaves, da gerência de Integração no Cuidado à saúde; representaram o secretário Danilo Borges. Elas reconheceram a importância da integração e participação do Município na disponibilização do acesso à infusão dos medicamentos. Sem terem como se posicionar no momento, as servidoras asseguraram que todas as colocações e demandas apresentadas na audiência serão levadas à pasta para avaliação e discussão interna.
A presidente do DII Brasil contou que, na capital paulista, a secretaria de saúde, ao ser informada do fim da concessão de voucher, orientou todas as unidades básicas a encaminhar os casos ao hospital-dia escolhido pelo paciente, agendando a consulta para o dia seguinte. “São Paulo fez isso em menos de um mês. Por que BH não pode fazer?”, questionou. A representante da SMSA informou que não há previsão neste momento, mas isso não quer dizer que não seja possível. Segundo ela, é preciso que a questão da segurança do paciente na aplicação dos medicamentos seja avaliada pela comissão multiprofissional do setor.
Encaminhamentos
Acolhendo demanda da associação, Helinho da Farmácia vai encaminhar pedido formal de informação a respeito do número de pessoas que recebem os medicamentos para DII pelo SUS em Belo Horizonte. Ainda que não abranja os que fazem o tratamento via plano de saúde ou particular, esse dado pode dar uma estimativa do número total de afetados na cidade. Patrícia informou que, apesar dos muitos pedidos da entidade, o Ministério da Saúde ainda não implantou a notificação compulsória dos casos de DII. As ações que podem ser adotadas pela SMSA em relação ao atraso do atendimento também serão questionadas.
Valdemar Silva, da comissão local do Centro de Saúde Barreiro de Cima, sugeriu que a criação de protocolos de atendimento e acompanhamento dos pacientes seja pautada no conselho municipal e nos conselhos distritais e locais de saúde, ampliando a informação sobre a doença e a busca de soluções. Além de enviar pedidos de informação, o vereador vai solicitar reuniões com os secretários estadual e municipal de Saúde para tratar do assunto e reforçar a urgência de oferecer respostas para os portadores de DIIs. Helinho acolheu ainda a sugestão de reportar a questão ao Ministério Público. “Precisamos de resultados”, salientou.
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