VOLTA ÀS AULAS

Maioria das escolas públicas não foi readequada e não cumpre protocolos

Dados apurados em pesquisa são preocupantes. Estudo também apontou que comunidade escolar não participa das decisões

quinta-feira, 10 Junho, 2021 - 20:45

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Impossibilidade de observar o distanciamento mínimo em salas de aula e refeitórios, atraso das obras estruturais, pouca ventilação e espaço para aulas ao ar livre, estoque baixo de insumos e número insuficiente de servidores para supervisão e apoio aos alunos foram observados na grande maioria das escolas municipais que participaram de pesquisa. Os dados que apontam a inadequação da rede pública de ensino e os riscos da reabertura das unidades são do Grupo de Trabalho (GT) da Comissão de Educação de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia, Desporto, Lazer e Turismo. As conclusões da 1ª etapa do estudo foram apresentadas a vereadores e convidados nesta quinta-feira (10/6). A falta de diálogo dos gestores municipais com a comunidade escolar foi criticada por todos, que cobraram avanços na testagem e vacinação e garantia de acesso de alunos e professores ao ensino remoto.

Criado em fevereiro deste ano por solicitação de Macaé Evaristo (PT), eleita relatora pelos membros da comissão, o GT tem objetivo de fiscalizar e avaliar a situação das escolas da rede pública e conveniada de educação da Capital quanto à implementação do protocolo de funcionamento para o retorno às aulas presenciais. Concluída a primeira etapa do levantamento e análise, o relatório demonstra a ausência de condições estruturais e recursos humanos suficientes para o cumprimento das normas sanitárias e pouca ou nenhuma interlocução entre o poder público e a comunidade escolar em mais da metade das unidades pesquisadas. Além dos números e estatísticas, o documento inclui uma série de recomendações para garantir a segurança de alunos, famílias e trabalhadores do setor.

Antes da apresentar o relatório, Macaé passou a palavra aos consultores da Casa e ao pesquisador Mateus Lemos, do Instituto Olhares, que ajudaram a definir o modelo e a metodologia a serem utilizados na apuração dos indicadores da forma mais confiável e representativa possível. A aplicação de um questionário eletrônico com 42 perguntas às direções das escolas para obter dados quantitativos nessa primeira etapa considerou as incoveniências de realizar visitas técnicas a todas as unidades e contato direto com os gestores pelo tempo gasto e as restrições da pandemia. Segundo o especialista, apesar de apenas 21% das escolas terem respondido, a representatividade da amostra confere um índice de 95% de confiança e margem de erro de 8,25%, permitindo a extrapolação dos resultados para a rede como um todo.

Situação preocupante

A autorização do retorno das atividades para crianças menores de seis anos no dia 26 de abril e a previsão da volta dos alunos de 6 a 13 anos no proximo dia 21 de junho, anunciado ontem (9/6) pela Prefeitura, foram consideradas inoportunas e inseguras por realizadores e colaboradores do estudo, pela professora da Faculdade de Educação da UFMG Ana Saraiva e os representantes do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal (Sind-Rede). Convidado, o infectologista e membro do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 do Município, Unaí Tupinambás, não compareceu ao encontro.

As resultados da primeira parte do estudo, auferidos por meio das respostas enviadas durante pouco mais de um mês por 112 das 530 escolas que compõem a rede pública e conveniada da cidade, apontam que a maioria não tem condições de atender aos protocolos estabelecidos, nos aspectos estruturais e de recursos materiais e humanos. Entre as estatísticas mais preocupantes, o relatório constata que 43,7% das escolas não têm espaço suficente para cumprir o distanciamento mínimo de 1,5 metro com metade dos alunos presentes; 25,8% reponderam que atendem “parcialmente” e apenas 30,3% afirmaram que atendem. O espaçamento entre os alunos nos refeitórios é impossível em 53,5%.

Quarenta por cento das unidades não dispõem de áreas externas para realizar aulas ao ar livre e, caso alguém apresente sintomas de covid, 50,9% não têm espaço para isolamento imediato com ventilação adequada e mobiliário de fácil higienização. A necessidade de revitalização e readequação dos espaços foi relatada por 81,2% dos gestores. Em 25% das escolas, as obras estão em fase de conclusão; em 28,5%, foram iniciadas agora; 37,5% delas, no entanto, ainda nem obtiveram autorização para realizá-las. O número de funcionários para garantir a higienização de refeitórios, banheiros e bebedouros e para alimentar individualmente as crianças é insuficiente em 59,8% e 57,1%, respectivamente, e o levantamento do número de profissionais que serão afastados por comorbidades foi concluído em 74,1% das unidades.

O resumo do relatório analítico também indicou que o estoque de insumos é insuficiente em quase 20% das escolas pesquisadas e em 56% delas é suficiente para um bimestre. Mais de três quartos (77%) declararam que a PBH não disponibilizou instrumentos para contato e estabelecimento de vínculos com as famílias, dificultando até mesmo a localização de alunos que não retornaram ou nem se matricularam ainda. A falta de interlocução com a rede de saúde básica do local de referência afeta 29% das unidades.

Insegurança e falta de diálogo

Criticando a falta de celeridade do Município, que teve mais de um ano para planejar e executar as medidas necessárias, que resultou na impossibilidade ou dificuldade da maioria das unidades de cumprir os protocolos constatada na pesquisa, os participantes foram unânimes em considerar que o retorno presencial não é seguro neste momento, em que a expectativa de uma terceira onda, a insuficiência de testagem, a vacinação incompleta e/ou atrasada põem em risco professores, trabalhadores e a comunidade em geral e podem causar o aumento dos casos de contágio, internações e óbitos.

O direito à educação, de acordo com os sindicalistas, não pode ser garantido às custas da saúde dos estudantes; nesse sentido, é necessário qualificar e ampliar o acesso às aulas remotas e fornecer os recursos necessários (computadores, tablets, acesso à internet) para alunos e professores que não têm condições de arcar com esses custos. Os 80 casos de contágio e dois óbitos de crianças relatados ao Sind-Rede, a insegurança e os receios das famílias, segundo eles, têm causado o não comparecimento da maioria dos alunos. A ausência presencial e a falta de acesso ao ensino remoto reforçam ainda mais as desigualdades.

Outra reclamação manifestada por todos os participantes diz respeito à falta de interlocução com a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação, que impediu e impede a participação e a contribuição dos interessados no planejamento e na tomada de decisões sobre essas questões. A falta de diálogo e de transparência, as decisões súblitas sem consulta ou aviso prévio aos principais afetados seriam fatores de atraso e inadequação das condições para retorno seguro. A incompetência e a omissão da secretária Ângela Dalben em relação às reivindicações dos professores, segundo o sindicato, permitem que a gestora seja responsabilizada pelas consequências que podem advir da volta às aulas sem a devida preparação. “O Minitério Público e a Defensoria Pública também já perderam a paciência”, afirmou Wanderson Rocha, do Sind-Rede.

Ana Saraiva, representante de Política Educacional e Trabalho Docento da Faculdade de Educação da UFMG, ponderou que este não é o momento apropriado para a reabertura das escolas, mas que é preciso estudar e planejar o retorno em etapas, elaborar modelos híbridos e outras possibilidades, com a participação de toda a comunidade escolar na construção de soluções pactuadas e garantir estrutura e tecnologia para que a retomada das aulas e dos processos de aprendizagem ocorram o quanto antes. Macaé reforçou a necessidade da ampliação e aceleração da vacinação, testagem em massa e monitoramento efetivo dos casos confirmados e suspeitos nas escolas e comunidades vinculadas pelas Equipes de Saúde da Família, que não têm feito o registro e o acompanhamento das ocorrências.

Recomendações e encaminhamentos

Os participantes concordaram que a interlocução entre os setores de Educação e Saúde, a transparência dos atos da administraçao pública e o envolvimento das partes nas discussões e decisões contribuirão para que o direito a educação seja conciliado com a proteção das crianças e adolescentes. A atuação firme da Câmara sobre a questão também foi apontada como um importante fator de pressão e também de colaboração com a Prefeitura. Os vereadores, as mães, pais e alunos querem e precisam entender melhor a situação e as providências que têm sido e serão tomadas para a retomada das aulas presenciais e a viabilização do acesso às aulas remotas, concluiram.

Convidada a se pronunciar, Professora Marli (PP), membra titular da comissão, afirmou que seu objetivo foi ouvir as diferentes opiniões e pontos de vista e se oferecer para colaborar no que for possível. A vereadora lamentou o fechamento das escolas durante a pandemia e declarou que, embora respeite as opiniões e pontos de vista diferentes, sua posição em defesa da reabertura imediata, observando os protocolos de segurança, é pública e conhecida por todos. Respondendo a colega, Macaé salientou que as considerações apresentadas na reunião foram baseadas em dados, e não em opiniões.

Antes do encerrar a reunião, a relatora do GT informou que vai encaminhar o relatório à Comissão de Saúde e Saneamento da Casa, cobrar novamente da Prefeitura o envio do mapeamento da situação, já solicitado mas não atendido, e tentar obter os dados necessários para acessar os alunos e as famílias para incluí-los na próxima etapa do estudo, que levantará dados qualitativos por meio de questões abertas e entrevistas.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Reunião com convidados para e apresentar relatório com os resultados e proposições da primeira etapa do estudo realizado pelo Grupo de Trabalho de Educação - 15ª Reunião Ordinária - Comissão de Educação