Palestrantes defendem efetivação de instrumentos que garantam acesso à moradia
Direito previsto na Constituição, habitação é a porta de entrada para os demais direitos e garantia de acesso à cidade
Foto Rafaella Ribeiro/CMBH
Uma retrospectiva histórica da legislação sobre Política Urbana e Plano Diretor marcou o segundo e último dia da I Jornada de Direito Municipal, realizada nesta terça feira (29/8) pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH). Promovido pela da Escola do Legislativo em parceria com a Procuradoria da Casa, o evento abordou os temas citados através da Constituição da República, do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) e das várias versões do Plano Diretor de Belo Horizonte. O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Daniel Gaio, palestrou sobre Política Urbana, enquanto a arquiteta e consultora de Política Urbana da CMBH aposentada Patrícia Garcia discorreu sobre o Plano Diretor de Belo Horizonte. Os dois palestrantes defenderam a efetivação de instrumentos previstos nas legislações mencionadas para garantir o acesso a moradia e à cidade pela população de baixa renda, inclusive em áreas centrais da cidade.
Izabella Santos e Nunes, procuradora-adjunta da CMBH, ressaltou a importância em debater temas com impacto direto em Belo Horizonte. “Espero que todos os presentes extraiam os melhores conhecimentos do evento”, disse. A gerente da Escola do Legislativo, Emanuela Pilé, defendeu a importância do Direito Urbanístico, abordado nas duas palestras previstas, e afirmou ser extremamente produtiva a união entre o Poder Legislativo, a academia e os cidadãos.
Daniel Gaio, professor de Direito Urbanístico e Ambiental da UFMG, tratou de Política Urbana de uma maneira geral, abordando o tema desde a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade até a atual realidade socio urbanística, com foco nas grandes cidades brasileiras, mencionando a capital mineira. Gaio disse a Constituição conferiu a centralidade do tema ao Plano Diretor Municipal, como uma forma que o “Centrão” utilizou para barrar os avanços da reforma urbana. Nesse contexto, a função social da propriedade e da cidade e os instrumentos de combate à especulação imobiliária não foram definidos na Carta Magna e ficaram para o Estatuto da Cidade e o Planos Diretores Municipais, locais onde a correlação de forças é desfavorável para a aplicação de mecanismos que cumpram com a função social. Ele acrescentou que o Estatuto da Cidade nasceu sob a ideia de reforma urbana e tinha o objetivo de tornar as cidades mais inclusivas e igualitárias.
O professor comentou que Belo Horizonte é uma cidade 100% urbana, que, como qualquer capital, possui inúmeros vazios com um custo social, ambiental e econômico para o poder público. Gaio iniciou a explicação sobre a função social da propriedade, um direito previsto na Constituição que não é absoluto e deve ser harmonizado com outros direitos fundamentais. Ele deu como exemplo os casos de tombamento histórico de casas ou edifícios, onde há redução das faculdades proprietárias para atender a interesses sociais. Daniel também citou o caso da proteção da vista da Serra do Curral, comentando que a harmonização de interesses sociais e privados é difícil e requer utilização de mecanismos de contrapartida urbanística, como outorga onerosa e revisão do IPTU.
O professor também mencionou o conceito de função social da cidade, que visa garantir a todos o acesso à cidade, e se baseia nos princípios de direito à moradia, mobilidade urbana e usufruto equitativo, o que depende de políticas redistributivas. Ele afirmou que empresários são necessários e a questão é como fazer a regulação na qual prevaleça os interesses da cidade, estabelecendo contrapartidas que estabeleçam políticas redistributivas. Belo Horizonte é regulamentada pelo Plano Diretor, que prevê a necessidade de participação popular. Gaio comentou que o Plano Diretor da capital mineira ainda não começou a utilizar o instrumento do Parcelamento da Edificação ou Utilização Compulsória (PEUC), previsto na Constituição, que, em sua posição minoritária, deveria ser de utilização obrigatória e atingiria o grande proprietário em vazios urbanos. Daniel Gaio disse que grande parte da população está na periferia e que o quadro atual das cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte, é de uma cidade partida, com baixa produção de moradias em áreas centrais. Ele concluiu afirmando que a construção de cidades democráticas não deveria se pautar nessa premissa.
Plano Diretor
Patrícia Garcia abordou o Plano Diretor na constituição, seus desdobramentos, instrumentos e perspectivas. Ela afirmou que a década de 1970 foi um período de efervescência do planejamento urbano, feito por especialistas e distante das necessidades e demandas dos municípios. Na década de 1980, houve uma pressão pela democracia, e o planejamento urbano entrou em descrédito. O Estatuto da Cidade colocou o Plano Diretor como o centro da cena, além de dar ênfase na necessidade de participação popular na revisão do Plano Diretor, que é responsável pela reforma urbana e por orientar o crescimento do município. O Plano Diretor foi previsto na Constituição como um instrumento básico, obrigatório para uma cidade de mais de 20 mil habitantes. Ele tinha ênfase na participação popular, e adiou questões polêmicas, deixando a legislação complementar aos municípios.
Garcia mencionou os planos diretores de Belo Horizonte, que são os seguintes: Lei 7.175/1996, Lei 8137/2000, Lei 9.959/2010 e Lei 11.181/2029 . Essas leis marcam uma ruptura com o planejamento funcionalista e dão ênfase na gestão democrática, presente nos Conselhos e Conferências Municipais de Política Urbana. Ela comentou que, no período de construção do primeiro dos planos diretores, houve uma grande resistência de setores ligados à construção e ao mercado imobiliário. A partir de 2019, a alteração do Plano Diretor, prevista a cada dez anos, passou a depender de projeto de lei resultante da Conferência Municipal de Política Urbana.
A palestrante também abordou o conceito de função social da propriedade urbana, afirmando que essa função visa combater a especulação imobiliária e promover a gestão democrática da cidade. De acordo com a arquiteta, o instrumento permite que o Executivo exija imóveis não utilizados ou subutilizados, mas há uma dificuldade em colocar em prática esses os instrumentos. Garcia também enumerou os instrumentos previstos no Plano Diretor de Belo Horizonte, entre eles a operação urbana, o convênio urbanístico de interesse social, o estudo de impacto de vizinhança e o Zoneamento e Áreas Especiais, explicitando os que são mais ou menos utilizados na atualidade e explicando o funcionamento de cada um deles.
Ao final, Patrícia Duarte tratou das utopias envolvendo o Plano Diretor, afirmando que moradia é um direito fundamental e um portal para os demais direitos, e que não compreende “tantas pessoas sem casa e tantas casas sem gente”. Para ela, o direito à cidade é um direito de todos, um direito revolucionário que se transforma constantemente, e envolve poder usufruir totalmente da cidade. A especialista também disse ser um alento olhar a cidade através dos grupos que lutam por direitos, e concluiu que o Plano Diretor pode ser uma expressão dessa luta.
Durante o diálogo com os participantes, os dois palestrantes afirmaram haver uma cultura que coloca as moradias populares na periferia, longe dos centros urbanos, onde há mais recursos em geral – tanto de saúde quanto de lazer. Eles defenderam que a área central também seja habitada por extratos populares. Duarte disse que uma área desabitada é uma área extremamente insegura, enquanto Gaio defendeu que moradias populares sejam feitas em prédios desenhados para o convívio de moradores com faixas salariais distintas.
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