Denúncias de violação de direitos da população em situação de rua serão apuradas
Em audiência, pessoas em situação de rua denunciaram retirada de seus pertences pessoais em desacordo com decisão judicial
Foto: Abraão Bruck / CMBH
Denúncias de retirada ilegal de pertences de pessoas em situação de rua por parte da Prefeitura foram discutidas em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, na terça-feira (23/4). A PBH negou agir em desacordo com decisão da Justiça que estabelece o direito de sujeitos com trajetória de rua manterem seus pertences pessoais. Os proponentes da audiência Bella Gonçalves (Psol) e Pedro Patrus (PT) irão apresentar na próxima reunião da comissão uma série de requerimentos para auxiliar na apuração das denúncias apresentadas e inibir agressões aos direitos fundamentais desse que é um dos grupos mais vulneráveis da sociedade. Entre as ações propostas estão vistorias das unidades de acolhimento institucional da PBH.
Recolhimento de pertences
Apesar de estar em vigor decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais proibindo que agentes públicos recolham compulsoriamente os pertences pessoais da população em situação de rua, diversas denúncias de desrespeito à decisão por parte do Município foram relatadas durante a audiência pública. O representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Alex Maciel Teixeira, afirmou que a PBH retira colchões, panelas e outros objetos essenciais para as pessoas que usam os logradouros públicos como espaço de moradia e sustento. Ele apresentou relatos de opressão diária perpetrada pelo poder público municipal contra sujeitos que já vivem em extrema vulnerabilidade.Teixeira também reclama da falta de bagageiros para as pessoas com trajetória de rua guardarem seus pertences.
A ação que a PBH denomina como retirada de materiais, Alex classifica como roubo institucional. Ainda segundo ele, a Guarda Municipal, que deveria zelar pela segurança da população em situação de rua, oprime este grupo de pessoas, uma vez que falta a estes agentes públicos, na visão de Alex, cursos de formação para capacitar-lhes a lidar com os sujeitos em situação de extrema vulnerabilidade e sem moradia convencional regular.
A defensora pública, Junia Roman Carvalho, afirmou que a mesma Prefeitura que provê os documentos para pessoas com trajetória de rua, recolhe os seus pertences, em uma crítica à política adotada pela PBH. Ainda segundo ela, guardas municipais violentos, que agridem fisicamente a população em situação de rua prejudicam a imagem da própria Guarda Civil Municipal. Ela cobrou que aqueles que estão no “ápice da vulnerabilidade”, em referência às pessoas sem moradia regular, sejam protegidos e não oprimidos pelo poder público.
De acordo com Joviano Mayer, membro do Coletivo Margarida Alves, que, em conjunto com movimentos sociais e entidades em defesa da população em situação de rua, ingressou com uma ação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais que resultou na proibição do recolhimento compulsório dos pertences deste grupo em Belo Horizonte, a PBH continua a promover o recolhimento em desacordo com a decisão judicial. O advogado e ativista defendeu que o poder público atue para erradicar a pobreza e não para criminalizá-la.
Abordagem orientativa
O subsecretário municipal de Fiscalização, José Mauro Gomes, afirmou que a tentativa da PBH é dar o “tratamento mais humanizado possível” em suas ações de fiscalização à população em situação de rua. De acordo com ele, a atuação dos agentes públicos na abordagem da população em situação de rua respeita o que está estabelecido em Portaria Conjunta editada pelo Executivo Municipal em 2017. A portaria determina que os agentes públicos primem suas condutas pela urbanidade e pelo absoluto respeito à dignidade da pessoa humana.
Ainda de acordo com representantes da Subsecretaria Municipal de Fiscalização, quando constatada a utilização do espaço público por população em situação de rua de forma a impedir o livre trânsito, acesso ou a plena utilização do espaço por todas as pessoas, os agentes públicos realizam uma abordagem inicial orientativa, esclarecendo sobre as desconformidades com as normas de posturas e sobre a futura ação fiscal a ser executada. O subsecretário municipal de Fiscalização garante que antes da retirada de pertences classificados pela PBH como inservíveis, há um processo de negociação com as pessoas em situação de rua.
São considerados inservíveis pela Portaria Conjunta editada pelo Executivo materiais como arames, carvão, restos de papelão, pedaços de madeira e aço, pedaços de plástico, pedaços de lona e cordas, pedras e madeirite. Uma vez encontrados, tais materiais são recolhidos pela fiscalização.
A mesma Portaria garante a posse dos pertences pessoais que o sujeito em situação de rua possa portar consigo em seus deslocamentos, sendo, ainda, admitido o auxílio de um veículo de tração humana de pequeno porte até que sejam disponibilizados guarda-volumes públicos para uso desta população. Os pertences pessoais que excedam o disposto na Portaria são recolhidos pela fiscalização. Nestas situações, deve ser lavrado um auto de apreensão, assegurada a discriminação detalhada dos bens apreendidos, o endereço do depósito de armazenamento para posterior retirada pela pessoa em situação de rua, além da identificação do responsável pela lavratura do documento. O relatório da ação deverá ser instruído com registro, preferencialmente em vídeo ou fotográfico, que evidencie a necessidade da ação de recolhimento.
A defensora pública Junia Roman Carvalho criticou o conteúdo da Portaria Conjunta e questionou a classificação de inservíveis adotada pela PBH. De acordo com ela, materiais assim caracterizados pela Prefeitura desempenhariam, na verdade, funções de extrema importância para a sobrevivência da pessoa em situação de rua, como pedaços de papelão, que são necessários para proteção contra o frio.
Unidades de acolhimento
O representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Alex Maciel Teixeira, denunciou que unidades de acolhimento institucional de pessoas em situação de rua da PBH estão infestadas por percevejos.
O subsecretário de Assistência Social, José Crus, afirmou que o enfrentamento dos percevejos nas unidades de acolhimento da PBH é “uma questão de honra” para a gestão municipal. De acordo com ele, o problema foi minimizado em decorrência de ações implementadas pela PBH como a aplicação de "vassoura de fogo" nos locais em que o problema foi detectado a cada quinze dias. O subsecretário também convidou a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor para visitar os abrigos e registrar in loco as melhorias implementadas desde o início da atual gestão municipal.
Outro problema relatado pelo representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Alex Maciel, nas unidades de acolhimento da PBH são as ações violentas da Guarda Municipal contra os abrigados. Ele defende que a guarda seja proibida de atuar dentro dessas unidades até que os agentes tenham a formação adequada para lidar com o público atendido. Ainda de acordo com ele, a população com trajetória de rua tem receio de denunciar à Corregedoria da Guarda Municipal as ações violentas e ilegais perpetradas pelos agentes, uma vez que estes continuariam em contato com os denunciantes, seja em abrigos da capital, seja apoiando as equipes de fiscalização.
Também de acordo com Junia Roman Carvalho, a Guarda Municipal age com violência contra pessoas abrigadas nas unidades de acolhimento institucional da PBH. Ela relatou denúncias de agressões perpetradas por guardas que teriam gerado sequelas físicas em pessoas em situação de rua. Segundo ela, a administração dos abrigos deve denunciar o uso da violência contra os abrigados. “Quem se cala, toma o lado do opressor”, afirmou a defensora.
José Crus afirmou que irá notificar a entidade parceira que cuida dos abrigos da capital em decorrência das denúncias de violação de direitos. De acordo dom ele, a Guarda Municipal não pode violar direitos e o gestor precisa ser acionado se houver problema dentro dos albergues da PBH.
De acordo com o supervisor da Guarda Municipal, Marcelo Silvestre, as acusações contra membros da corporação devem ser encaminhadas à Corregedoria. Ele salientou também que, enquanto instituição, a Guarda Municipal não agride. “Esse não é o retrato da instituição”, afirmou o supervisor. Ele também explicou que a Guarda Municipal acompanha as abordagens com base no que determina a Prefeitura, agindo apenas quando necessário.
O vereador Pedro Bueno (Pode) afirmou que a premissa da Guarda Municipal é o respeito à dignidade humana e salientou que não é a corporação que recolhe pertences de pessoas em situação de rua. Assim como o supervisor, o parlamentar argumentou que a presença da Guarda Municipal junto às equipes de fiscalização se dá em decorrência de determinação da Prefeitura. O vereador também defendeu a adoção de uma política de habitação que garanta moradia às pessoas em situação de rua.
Políticas públicas
A representante da Pastoral de Rua, Claudenice Lopes questionou a falta de banheiros públicos na capital e a ausência de pontos de acesso à água potável. Ainda de acordo com ela, não é investindo em ações de repressão e controle do espaço público que serão obtidos os resultados almejados. Claudenice Lopes defendeu a reinserção dos sujeitos em situação de rua e a adoção de políticas inclusivas. Segundo ela, os serviços disponibilizados a esse grupo são “insuficientes”, muitas vezes, “precários”, mas reconheceu que há um “trabalho sério” sendo desenvolvido pela PBH.
O subsecretário de Assistência Social afirmou que o governo municipal tem como bandeira “governar para quem mais precisa” e que neste grupo estão os mais vulneráveis. Ele afirmou que as prioridades de um governo se traduzem pelo orçamento e garantiu que a área de assistência social contou com uma “expansão expressiva” de recursos na atual gestão municipal. O subsecretário também afirmou que a estrutura herdada pela atual gestão na área de assistência social é “muito frágil”, mas que, diferentemente do que ocorre em outras cidades, Belo Horizonte vem ampliando o número de equipamentos para atender à população em situação de rua. De acordo com ele, até o final deste ano serão abertas duas unidades de acolhimento institucional de mulheres, capacitadas, inclusive, para receber puérperas e gestantes.
José Crus chamou a atenção, ainda, para o Programa “Estamos Juntos”, instituído pela Lei 11.149, de iniciativa do Executivo e sancionada pelo prefeito Alexandre Kalil. Por meio do programa, a Prefeitura pretende oferecer cursos de qualificação profissional e vagas em postos de trabalho para população em situação ou com trajetória de vida nas ruas no próprio Executivo Municipal e também por meio de parcerias com a sociedade civil. O objetivo da Prefeitura ao fomentar e garantir a inclusão produtiva desse público é garantir uma saída digna das ruas. De acordo com o subsecretário, o programa está em fase de regulamentação e, em breve, um decreto tratando do tema será assinado pelo prefeito. Segundo o secretário, a Prefeitura está, atualmente, em fase de contato com empresas que poderão ser parceiras neste programa.
Encaminhamentos
A audiência gerou uma série de encaminhamentos para tratar dos problemas relatados. Entre as medidas que serão tomadas está o envio do vídeo da audiência pública ao Tribunal de Justiça, de modo a que a discussão ocorrida na Câmara Municipal possa ajudar a embasar o julgamento de uma ação popular contra a retirada de pertences de pessoas em situação de rua na capital mineira, de modo a que seja mantida a proibição de retirada compulsória de pertences pessoais. O julgamento está agendado para ocorrer nesta quinta-feira.
Os vereadores também irão solicitar que guardas municipais tenham a formação adequada para lidar com população em situação de rua. A abertura de restaurantes populares nos finais de semana também será requerida à PBH.
Ainda defendido que o Ministério Público investigue as denúncias de violação de direitos em abrigos e que a PBH simplifique os meios para apresentação de denúncias contra agentes públicos.
Os parlamentares também vão solicitar cópias dos autos de apreensão e a lista do que é apreendido da população em situação de rua. Bella Gonçalves e Pedro Patrus também deverão apresentar requerimentos para a realização de visitas técnicas às unidades de acolhimento institucional das pessoas em situação de rua da capital para fiscalizar as suas condições, o tratamento e os serviços prestados. A expectativa é que os requerimentos com as ações propostas pelos parlamentares sejam apreciados já na próxima reunião ordinária da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, que deve acontecer na segunda-feira, às 13h, no Plenário Camil Caram.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional