Instalação de pedras debaixo de viaduto é duramente criticada em audiência pública
Reunião foi marcada pela ausência da Prefeitura; movimentos sociais e convidados questionaram aparente “política higienista”
Foto: Bernardo Dias/ CMBH
“A Prefeitura trabalha com a separação entre o urbano e o social. Temos que unir as duas coisas para irmos na direção da moradia e do trabalho. É importante pensar alternativas para este espaço (baixios de viadutos). Nós queremos uma nova cidade que seja pensada junto com os moradores em situação de rua”. A fala é de Egídia Maria Aiexe, representante do Fórum Mineiro de Direitos Humanos e do Polos de Cidadania, que se manifestou em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, realizada na manhã desta quinta-feira (5/9). A reunião tratou da situação da população em situação de rua de Belo Horizonte, abordando a recente instalação, por parte da Prefeitura, de pedras pontiagudas embaixo do Viaduto da Lagoinha, na região central de Belo Horizonte.
A audiência, solicitada pelo vereador Pedro Patrus (PT), contou com a presença de representantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, do Grupo de Pesquisa Indisciplinar da Escola de Arquitetura da UFMG, da Defensoria Pública Especializada em Direitos Humanos, da Pastoral do Povo de Rua e do Polos de Cidadania. Representantes da Prefeitura que foram convidados, incluindo o prefeito Alexandre Kalil, não compareceram à audiência, atitude que foi repudiada por todos que estiveram presentes.
“Mais uma vez a Prefeitura se faz ausente em audiência pública que é fundamental para a cidade. A PBH se nega a debater, desrespeitando a Câmara e a Comissão de Direitos Humanos, mas principalmente os moradores de Belo Horizonte”, lamentou o vereador Pedro Patrus. “Há tanto o que perguntar para a prefeitura. A PBH disse que vai gastar R$ 1,8 milhão somente no Viaduto da Lagoinha. Qual o projeto daquela obra? Essa política se restringe ou será expandida para outros viadutos? Vai ser uma política da Sudecap e da PBH? E a política de habitação da Prefeitura que é mais importante, como está?”, questionou Patrus, deixando clara a importância da presença da Prefeitura no debate. O Executivo justifica a colocação de pedras pontiagudas sob o Viaduto da Lagoinha como uma forma de evitar fogueiras próximas às pilastras, que poderiam causar o abalo das estruturas.
Segundo a vereadora Bella Gonçalves (Psol), que também participou da audiência, a colocação das pedras deve ser explicada pelo Executivo para toda a população. “As pedras passam uma ideia de violência e exclusão e manda uma mensagem às pessoas sobre o que pode e o que não pode ser feito com esta população. As pedras colocam em risco a vida das quase 10 mil pessoas que vivem nas ruas de Belo Horizonte”, afirmou Bella lamentando a ausência da Prefeitura.
Revolta
Samuel Rodrigues e Alex Maciel participaram da audiência representando o Movimento Nacional da População de Rua. Ambos elogiaram a iniciativa da realização da audiência pela Comissão e criticaram a Prefeitura, não só pela ausência, mas também pela política implementada na cidade. Para Rodrigues, em um momento em que o combate à violência é tão importante, a PBH estaria investindo no sentido inverso. “A gente trabalha combatendo a violência e a pobreza o tempo todo. Como classificar a instalação de pedras embaixo de viaduto? Como uma forma de violência. É ridículo, esdrúxulo", apontou a liderança, que destacou que "as pedras vão além" das colocadas debaixo do viaduto, referindo-se à retirada de pertences dos moradores e à negação de banheiro e água potável.
Rodrigues explicou que trabalhar com a lógica da moradia (na elaboração das políticas públicas) ficaria muito mais barato que a construção de abrigos e albergues, e ainda permitiria a inclusão. “O aluguel social custa R$ 500 por mês, e o acolhimento, quanto custa? No radar da população de rua, Kalil está no mesmo campo do Márcio Lacerda. Vínhamos dialogando, mas agora vimos que há um retrocesso”, lamentou.
“Vivemos em uma cidade loteada. Nós não viemos aqui para brigar com a Prefeitura. Queríamos mesmo entender o que foi feito, mas a PBH não veio", afirmou Alex Maciel, contando que, em nenhum momento, o Movimento foi convidado para conversar com a Prefeitura. "Queremos pedra é para construir as nossas casas e não assim, debaixo dos viadutos”, concluiu.
Para Solange Damião, da Pastoral de Rua de Belo Horizonte, os “projetos higienistas vêm sempre com a violência contra a população de rua” e a solução pode estar no diálogo honesto. “Não sabemos ouvir os gritos dos moradores de rua. Tudo foi roubado deles. Por qual motivo somos tão violentos com a população de rua? Será que fazemos esta pergunta quando colocamos pedras no único lugar que eles têm pra dormir?”, questionou.
Custos
Para a Defensora Pública Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, Júnia Romam Carvalho, é necessário saber quanto a Prefeitura gasta com recolhimento de pertences de moradores em situação de rua e o custo da implantação das pedras. “Uma reportagem fala que a Prefeitura vai gastar R$ 5,7 milhões. Isso daria para pagar bolsa-moradia por um ano para cerca de mil pessoas. A gente tem que discutir o custo e também o ponto de vista arquitetônico, pois ninguém prova que há abalo nas estruturas. Quando a Prefeitura não vem aqui ela está falando que não dá a menor importância para nenhum de nós”, afirmou a defensora pública explicando que retirar os pertences das pessoas é grave, mas retirar as pessoas é mais grave ainda.
O morador em situação de rua, Ricardo Fonseca, também falou sobre os investimentos da PBH na assistência à população de rua. Segundo ele, a “PBH diz que falta dinheiro para abrir o restaurante popular aos finais de semana, mas investe em serviços (abrigos e albergues) que não vão resolver nosso problema”. Fonseca também falou da necessidade de investir mais no trabalho dos catadores de material reciclável, como alternativa de renda para as pessoas em situação de rua, lembrando que “a associação que trabalha com reciclagem ajuda muito a cidade". Para ele, a Prefeitura parece querer "que a gente não seja visto por ninguém, mas quanto mais ela faz, maior é a população de rua, pois os tempos são maus”, finalizou.
Encaminhamentos
Ao final da reunião, foram definidos alguns encaminhamentos, que, segundo o vereador Pedro Patrus, serão levados para a reunião ordinária da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. “Já há um pedido de informação que a Prefeitura tem que nos responder até o final de setembro. As outras demandas levantadas aqui serão levadas aos demais membros da Comissão”, afirmou o vereador que, junto à vereadora Bella Gonçalves, sugeriu a formação de uma comissão para se reunir com a Prefeitura.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional