Relatório aponta deficiências e novos caminhos para política habitacional em BH
Texto produzido por Grupo de Trabalho da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor foi apresentado em audiência
Foto: William Delfino/CMBH
Um mapeamento das necessidades habitacionais em Belo Horizonte foi apresentado em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (31/8). O documento, de 135 páginas, é resultado de um ano de estudo do Grupo de Trabalho sobre Direito à Moradia. A reunião e o entrecruzamento de dados oficiais de fontes como o CadÚnico, do governo federal, o IBGE e a Fundação João Pinheiro revelam o tamanho do déficit na Capital: 50 mil famílias sem casa, 64 mil moradias vazias, 822 famílias vivendo em habitação precária e outras 41 mil com ônus excessivo do aluguel. O relatório ainda traz dados e ações relativas a grupos vulneráveis, como moradores em situação de rua. Vereadores falaram das dificuldades na produção do estudo, como a falta de informações atualizadas e o cenário de isolamento em função da pandemia. Especialistas, movimentos populares e Ministério Público elogiaram a inovação da abordagem apresentada pelo Grupo de Trabalho.
O estudo trata, entre outros, de temas como as necessidades habitacionais e os vazios urbanos, conflitos fundiários, orçamento público para a habitação, análise da política municipal de habitação e moradia em contexto de emergência. Segundo um dos integrantes da Comissão, a “discussão sobre moradia é ainda mais pertinente neste ano por causa da tragédia ocorrida em janeiro e agora com a pandemia, que tem como principal indicação o isolamento social”. O grupo de trabalho deu início às suas atividades no ano passado e contou com a realização de audiências públicas e muitos debates. Para os vereadores, estes grupos mostram que as atividades das comissões vão muito além daquelas desenvolvidas no dia a dia do legislativo, “pautando também a sociedade com assuntos importantes” como o direito à moradia, “principalmente neste momento em que ficar em casa é um privilégio de classe”.
Para o arquiteto e professor da PUC Minas Eduardo Bittencourt, “as constatações deste relatório demonstram que é necessário fazer diferente e fazer juntos.” Segundo Bittencourt, a expectativa é de que a partir do documento “os desafios que se apresentam sejam superados neste processo de legitimação, com todos que estão trabalhando” por moradia na Capital.
Habitação precária e aluguel caro
Conforme dados do relatório, que usaram como base o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), há em Belo Horizonte 822 famílias vivendo em habitação precária e outras 41.139 com ônus excessivo do aluguel, que é, segundo a Fundação João Pinheiro, considerado parte do déficit habitacional, pois representa famílias que utilizam mais 30% de sua renda somente para morar. Este número representa 25% de todas as famílias cadastradas no CADÚnico. Sobre este problema, o relatório constata que “o combate ao déficit deve ir além da construção de novas moradias, incluindo ações de regulação de mercado, provisão de moradias para locação de baixo custo e políticas voltadas à locação de imóveis de forma ampliada.”
Nesses números não constam algo que o relatório apresenta e que foi muito elogiado pelas instituições que participaram da audiência: dados e ações relativas a grupos vulneráveis como moradores em situação de rua e mulheres vítimas de violência. “A população de rua não entra nos dados desta pesquisa. Uma população que quase dobrou nos últimos dois anos somente em Belo Horizonte. Eles simplesmente não são contabilizados”, afirmou parlamentar integrante do GT. Segundo estimativa do Ipea, a população em situação de rua no Brasil cresceu 140% a partir de 2012, chegando a 221.869 brasileiros em março de 2020 . Dados do CadÚnico demonstram que entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 houve um aumento de 4.500 para 7.433 pessoas vivendo nas ruas em Belo Horizonte, um acréscimo de 65% em apenas dois anos. Esse aumento exponencial cresce a cada dia e em julho de 2020 haviam 9.114 pessoas em situação de rua em Belo Horizonte.
Casa X sem casa
“Quanta gente sem casa e quanta casa sem gente”, disse Luiz Fernando, integrante das Brigadas Populares, organização militante popular, fundada em 2011. A afirmação tem como base a informação apresentada pelo relatório do GT sobre Direito à Moradia de que existem na cidade cerca de 64 mil moradias vazias e 50 mil famílias sem casa. “O relatório aponta uma debilidade da política municipal de habitação que não ataca os problemas realmente existentes”, afirmou Luiz. Conforme os números apresentados, “ao mesmo tempo em que há demanda por mais habitações, as cidades brasileiras contabilizam muitos imóveis vazios, não utilizados ou subutilizados.” De acordo com a Fundação João Pinheiro, em 2015 havia quase 8 milhões de domicílios vagos no país, dos quais 6,9 milhões estariam em condições de serem ocupados e aproximadamente um milhão estaria em obras ou reformas, compondo um estoque potencial. Destes 8 milhões, 729.902 estão em áreas urbanas de Minas Gerais, dos quais 190.238 estão na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Em todos os níveis federativos, o número de imóveis vagos levantado era maior do que o déficit habitacional”, afirma o estudo.
Dados dos Planos Diretores Regionais de Belo Horizonte, de 2010, apontam que mais de 10% dos cerca de 88 mil imóveis da Região de Venda Nova, por exemplo, estão vagos e somente na Região Centro-Sul da Capital existem mais de 9 mil imóveis vazios. Além destes imóveis, existem na cidade 17 mil lotes “efetivamente desocupados”. A Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor perguntou à Cemig e à Copasa o número de instalações inativas há pelo menos cinco anos, como forma de captar o número de imóveis não utilizados em condições de ocupação. Segundo a Cemig, 210.837 instalações de luz estão inativas em Belo Horizonte. Já a Copasa informou que, em relação ao fornecimento de água, são 52.359 imóveis, mas, segundo o relatório, “não há detalhamento quanto às suas características, motivo pelo qual não é possível precisar quantos se destinam a fins residenciais.”
História de lutas
Considerado por todos um marco no estudo do direito à moradia em Belo Horizonte, o relatório da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor apresenta um importante histórico sobre os programas de habitação já executados na Capital com os diversos planos desenvolvidos desde a década de 1950 e sua legislação. Um destaque é dado para a Resolução L II, que estrutura a Política Municipal de Habitação desde 2018 e que tem em suas linhas programáticas a “provisão habitacional”, a “intervenção em assentamentos de interesse social” e a “assistência e assessoria técnica”. A Resolução traz ainda programas em áreas específicas como “Programa de Produção Habitacional”, “Intervenção Integrada”, “Regularização Fundiária” e “Financiamento de Material de Construção e Mão de Obra”, entre outros.
Para a promotora de Justiça Cláudia Amaral, o texto apresentado pela Comissão é mesmo um instrumento importante para todos que atuam na área. “Hoje é um dia especial, pois temos nas mãos um instrumento desses, valioso. É como se estivéssemos alinhando nossos trabalhos. Ninguém sozinho vai conseguir fazer isso (resolver o problema de habitação em BH). O que vocês fizeram com a produção deste estudo foi reconhecer os avanços e verificar o que ainda precisa ser feito”, salientou a promotora, afirmando ainda que o relatório deve ser tratado como livro de “cabeceira onde cada um saiba cada ponto para avançar juntos”.
Para o Grupo de Trabalho, o relatório traz avanços, mesmo com o estudo tendo sido realizado em um ano pouco favorável para a coleta de dados atualizados, “visto que o Censo do IBGE (base de dados para grande parte das informações) ocorre de 10 em 10 anos, e o Censo de 2020 ainda não foi realizado até o momento”. A Comissão disse ainda que a indicação do trabalho é fazer uma luta unificada por moradia em BH para que se possa pensar novos rumos que passam pelo uso da terra, pelo Novo Plano Diretor e novos meios de executar as políticas públicas com a gestão do povo. O relatório finaliza afirmando que “é fundamental que as políticas habitacionais sejam fortalecidas e implementadas mediante o profundo reconhecimento e diálogo com a sociedade civil e os movimentos populares, visando avançar na garantia do direito à moradia adequada e à cidade para todos e todas.”
A audiência pública contou ainda com representantes da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), da Secretaria Municipal de Política Urbana, da Comissão Pastoral da Terra, do Movimento Nacional de População de Rua, Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, Habite a Política, da PUC Minas, UFMG, Defensoria Pública, Ministério Público e Brigadas Populares.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional