CPI conclui que extinção de leitos psiquiátricos comprometeu atendimento de pacientes
Relatório final foi entregue nesta manhã. Documento foi aprovado por três votos a favor e apenas um contrário
Foto: Abraão Bruck/CMBH
“A população de BH perdeu com o fechamento do Galba Velloso, uma estrutura de qualidade em saúde mental, e esperamos que as autoridades competentes tomem alguma providência”. A declaração é do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura a extinção de leitos psiquiátricos em BH, e foi dada na manhã desta segunda-feira (19/10), quando foi entregue o Relatório Final com o parecer do relator da Comissão. Após a leitura na íntegra, o documento, que sugere encaminhamento de cópia do seu conteúdo ao Ministério Público de Minas Gerais, Controladoria Geral do Município e órgãos ligados à área da saúde para devidas apurações, foi aprovado na Comissão, por três votos a favor e um contra. Antes da leitura do parecer, os vereadores aprovaram dois requerimentos para a juntada de documentos aos autos da CPI. Confira aqui o resultado final da reunião.
Sem tempo para análise
Antes do início da leitura do parecer, um parlamentar membro da CPI pediu a dispensa da descrição da íntegra do relatório para que fosse feita apenas a leitura da conclusão do documento. Interpelado por outro parlamentar, entretanto, para que a leitura fosse feita na íntegra, uma vez que o relatório final não havia sido entregue com antecedência, o que permitiria sua análise prévia, a proposta acabou sendo retirada pelo seu autor. “Acho que isso é muito ruim (a leitura apenas da conclusão). Se tivessem entregado na sexta-feira eu teria passado todo o fim de semana lendo, e traria hoje minha análise e comentários. Não é possível votar agora sem conhecer todo o conteúdo. A leitura é regimental”, argumentou o parlamentar.
Denúncias e oitivas
Ao introduzir seu parecer, o relator lembrou que a CPI foi criada em agosto deste ano com o objetivo de apurar denúncias de extinção de leitos para internação de pacientes com quadro psiquiátrico grave, bem como o comprometimento do protocolo de cooperação firmado pelo Município com a Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) para o tratamento de pacientes psiquiátricos a partir do encerramento das atividades do Hospital Galba Velloso, além de restrições de internação apuradas no Instituto Raul Soares.
No documento, o relator lembrou que a suspensão do atendimento pelo Governo do Estado decorreu sob a alegação de reforma da unidade para o atendimento de infectados pelo novo coronavírus, mas que três meses após o fechamento nenhuma intervenção, entretanto, havia sido feita. Assim, citando a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2011 que trata da Política de Saúde Mental e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, o relator definiu a relevância da instalação da CPI.
Ainda no parecer, o relator descreveu os requerimentos analisados, os pedidos de oitiva, juntada de documentos e outras ações que a Comissão desenvolveu, bem como as três reuniões com convidados realizadas, quando, segundo o relator, “se buscou ouvir os principais atores envolvidos nos fatos apurados". Em uma destas reuniões, o presidente da Fhemig, Fábio Baccheretti, explicou que, embora a unidade tenha encerrado suas atividades em março, a reforma só iniciou em agosto em função da necessidade de prazo para a fase de licitação e projeto e que a unidade iria receber pacientes em tratamento de doenças pulmonares e portadores de HIV, uma vez que vários leitos para este seguimento haviam sido fechados nos Hospitais Júlia Kubitschek e Eduardo de Menezes.
Também participando como convidado, o diretor do Instituto Raul Soares, Marco Antônio Rezende, respondeu sobre a denúncia de superlotação na unidade e proibição de internação de pessoas residentes em BH na unidade. Na ocasião, Rezende explicou que a orientação quanto a internação é uma prerrogativa do município a partir de uma pactuação previamente acordada. “Então nós acolhemos o paciente, medicamos quando é preciso, e entramos em contato com a rede da PBH para a transferência ao Cersam”, explicou o diretor na ocasião. Já sobre a superlotação, o diretor reconheceu que com a chegada dos pacientes do Galba Velloso a unidade ficou bastante cheia, porém, confirmou a falta de vagas apenas para os leitos psiquiátricos femininos.
Chamado a responder sobre a possibilidade de desassistência aos pacientes psiquiátricos moradores de BH, o coordenador da Saúde Mental da PBH, Fernando de Siqueira Ribeiro, esclareceu que a rede municipal composta pelos Cersams tem capacidade de atender toda a demanda de Belo Horizonte e que apenas 1% dos casos necessita de internação. Na ocasião, Siqueira explicou ainda ser uma política da PBH o descrendenciamento de leitos psiquiátricos e que a Organização Mundial da Saúde (OMS) apoia esta política. Sobre o número de leitos da rede própria para internação, Siqueira disse existirem 92 vagas para internação noturna e que dois Cersams possuem médico 24horas, durante sete dias na semana.
Duas correntes e fechamento não comunicado
A partir destes depoimentos e de vários outros colhidos nos dois meses de trabalho da CPI, que incluíram oitivas de funcionários, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem das instituições envolvidas, o relator considerou que, embora tenha identificado “duas correntes científicas – a internação humanizada e a supressão total da internação como prevalência do tratamento ambulatorial”–, não lhe compete opinar sobre o tema, mas que foi possível constatar que a supressão da internação foi feita de forma abrupta e não programada, deixando de ser dada a prioridade aos pacientes e seus familiares.
Também no parecer, o relator destacou que não foi demonstrada qualquer motivação para o ato administrativo, afora a convicção pessoal dos atores envolvidos. “Não foi apresentado qualquer fato concreto que justificasse o fechamento dos leitos para internação de pacientes em tratamento psiquiátrico”, descreve trecho do relatório. Ao mesmo tempo, o relatório ressalta que também não foi demonstrado que “o atendimento feito pelo Cersam seja suficiente para atender a demanda de BH, principalmente no que diz respeito à internação de pacientes psiquiátricos em quadro grave”.
Dando continuidade, o relator ressalta que, até onde se sabe, o fechamento do Hospital Galba Velloso não foi comunicado oficialmente ao Ministério da Saúde, “existindo fortes evidências de que, apesar do funcionamento regular ter sido suspenso, o fluxo de verbas do governo federal não teria sido interrompido, ocorrendo aparentemente um locupletamento ilícito (*)”, cita o documento. (*proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação).
Por fim, o relator cita a ausência de ato formal das autoridades para o encerramento do Termo de Cooperação como o indício de usurpação de função e improbidade praticados pelo presidente da Fhemig, Fábio Baccheretti, e a diretora Assistencial da Fundação, Lucinéia Carvalhais. E cita ainda a existência de omissão por parte dos servidores Fernando Ribeiro, coordenador de Saúde Mental da PBH, Luzmarina Morello, diretora do Hospital Galba Velloso à época, pela ausência de medidas visando reverter ou minimizar os impactos do fechamento.
Assim, na conclusão, o parecer recomenda o encaminhamento de cópia do relatório e documentação anexa para o Ministério Público de Minas Gerais, a Assembleia Legislativa, a Controladoria Geral do Município, as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, bem como à Fhemig para a adoção de medidas que tais órgãos entendam ser cabíveis.
Voto em contrário
Ao justificar seu voto negativo ao parecer, um parlamentar argumentou ser contra os manicômios e acreditar na rede de assistência à saúde mental da PBH. Ainda segundo o vereador, também não foi demonstrado que a rede é insuficiente para atender a demanda de BH e faltou tempo para ouvir outras pessoas. “Não ouvimos aqui sequer um usuário dos serviços da saúde mental. Acredito que a rede é potente e vigorosa e é capaz sim de atender a toda a cidade”, afirmou.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional