SEGURANÇA ALIMENTAR

Cesta básica que contenha itens verdes e de higiene é demanda dos beneficiários

Distância na retirada e escassez são dificuldades. PBH não enviou representante para audiência sobre fome na pandemia 

quinta-feira, 29 Abril, 2021 - 18:30

Foto: Bernardo Dias/CMBH

“A vida toda fomos ensinados a viver com o mínimo e com o nosso mínimo socorremos o outro. Por que nós conseguimos fazer e o poder público não consegue?”. A fala em tom de desabafo é da Luhh Dandara, mãe, referência comunitária na Ocupação Dandara e fundadora do Aura da Luta. Junto dela, diversas outras vozes de homens e mulheres se somaram, e trouxeram seus testemunhos de uma rotina alimentar de escassez, pouca qualidade e ausência de dignidade. Os relatos ocorreram durante audiência pública realizada nesta quinta-feira (29/4) pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, que debateu a insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19. Requerido pelas vereadoras Bella Gonçalves e Iza Lourença, ambas do Psol, o encontro ouviu depoimentos acerca da insuficiência dos itens da cesta básica ofertada pela Prefeitura de BH, da ausência de frutas, verduras e legumes, e de artigos de higiene, como sabonetes e absorventes íntimos. Embora representantes do Executivo tenham sido convidados, uma recomendação feita pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) teria orientado pela não participação no debate.  

Ao abrir o encontro  Iza Lourença lembrou que a fome é um assunto doloroso, mas extremamente importante. Destacou que os participantes da audiência são pessoas que trabalham diretamente com esta realidade, buscando alternativas e construindo soluções. “É um trabalho belíssimo, mas precisamos do poder público atuando e cuidando disso e lamento que a PBH não possa estar presente e não tenha se disposto a discutir as ações no município”, ponderou.

Hortifruti, higiene pessoal e dignidade

Cestas mais robustas com um maior número de itens e que contemplem frutas, verduras e legumes e ainda produtos de higiene pessoal, como sabonete e absorvente. Este foi um dos grandes desafios apontados pelos participantes do debate.  Para a Luhh, que realiza um trabalho de recebimento de doações e distribuição de produtos na comunidade, é essencial que o poder público atue para apoiar e reconhecer as ações em curso nas regiões periféricas. “Uma criança não pode comer apenas arroz e feijão, precisa ter acesso a frutas e legumes. Nosso trabalho não é reconhecido se não temos um CNPJ, mas corremos para socorrer o que este mesmo Estado não faz”, contou Luhh, lembrando que apenas neste ano foram 300 famílias atendidas.

O desafio da Dandara é também a realidade vivida por outras comunidades periféricas como a Ocupação Vitória e a Vila Cemig. Para Paula, referência na Ocupação Vitória, que todos os dias recebe em sua casa pessoas solicitando ajuda, a ação do poder público tem sido insuficiente. “As famílias da ocupação estão no mercado informal e foram muito atingidas. A cesta básica não é suficiente. As famílias são grandes. Temos núcleos com até 20 pessoas e antes do fim do mês tudo já acabou”, observou.

Já na Vila Cemig, a referência comunitária é Simone Oliveira e os relatos são bem semelhantes. Além da escassez de itens, a fundadora do Movimento Flores de Resistência conta que as cestas que conseguem montar deveriam servir de exemplo para a Prefeitura, pois incluem itens como absorventes íntimos, fraldas descartáveis e kits gestantes. Para Simone, a atuação do poder público precisa ser urgente, pois o agravamento do momento está trazendo um cenário de caos social que já havia sido superado pelo país em anos anteriores. “Tenho mães que estão voltando para as drogas, para o alcoolismo. Voltamos a catar lixo, a ficar nas portas dos sacolões para pegar os descartes, a cebola, o tomate”, conta. Outra dificuldade trazida por Simone é a distância que muitas vezes as pessoas precisam percorrer para retirar as cestas que são adquiridas pela Prefeitura por meio das grandes redes supermercadistas. “Temos que sair da Vila Cemig para ir ao Super Nosso, na Região Sul, buscar cesta básica e a Prefeitura não dá um vale-transporte. Eu não tenho dez reais para passagem, porque se tivesse compraria comida”, desabafou.

Hortas urbanas e agricultura familiar

A agroecologia, as hortas urbanas e a cozinhas comunitárias acenam como uma alternativa para contribuir com estas realidades, mas ainda carecem de investimento e de boa vontade dos entes públicos para avançar mais fortemente. Para Lorena Fernandes, colaboradora da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, a percepção é de retrocessos, com o país podendo voltar a integrar o Mapa da Fome. Para a técnica, é necessária a priorização das políticas públicas já existentes e sua real efetivação, como no caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “São programas que asseguram que o poder público compre da agricultura familiar, incentivando as áreas de produção, o fomento da agricultura urbana e a agroecologia. Sabemos do desafio nas cidades e região metropolitana, mas precisamos avançar”, salientou.

Esta também é uma alternativa viável para Vivian Toffanelli, das Brigadas Populares, que acredita que o fortalecimento da agricultura urbana nas ocupações é uma forma para complementar a cesta verde (frutas, legumes e verduras) e também trazer renda para estas famílias. Segundo Vivian, existe nas comunidades uma rede importante de cuidados já estabelecida, porém é necessário um apoio do maior do poder público, fortalecendo as referências comunitárias que são os verdadeiros agentes de saúde e socioambientais. “A produção agrícola é um tarefa que precisa deste reconhecimento do município. A prefeitura pode trabalhar a ampliação destas frentes, garantido renda e alimento saudável para as famílias, além de uma oportunidade de aprendizagem para os jovens”, destacou.

Superávit e Defensoria

Já para além destas alternativas, que acredita serem todas muito válidas, Eduardo Cruz, do Fórum Municipal dos Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas) em BH, entende que o momento é da Prefeitura ‘botar a mão no bolso’. Para o assistente social que atua em um território de alta vulnerabilidade não é possível que a PBH coloque apenas na conta do governo federal e do estado a inoperância do Município. “Não é fato que não há recursos. BH tem um superávit de 300 milhões. Não houve repasse federal, mas a cidade tem recursos e nada está sendo feito. BH precisa botar a mão no bolso. Não dá para economizar enquanto a panela está fazia”, frisou.

Para a defensora pública Raquel Dias, da Promotoria dos Direitos Humanos, a ausência de recursos também não seria um argumento válido para justificar a falta de ação do poder público. Segundo a promotora, que colocou o órgão à disposição para construir juntos alternativas para este momento de crise econômica e social, o voluntarismo é importante, mas a política pública é não só essencial, como dever do Estado, previsto em constituição. “Não é esperar que o Estado auxilie estas pessoas. É um direito. E temos que garantir”, frisou.

Ao final do debate, a vereadora Bella Gonçalves listou os principais pontos trazidos pelos participantes e ponderou que embora alguns deles possam ser levados ao Judiciário, muito do que foi colocado pode ser levado à Prefeitura uma vez que ainda há espaço para o diálogo.

Assista ao vídeo com a íntegra da audiência

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater sobre a emergência alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 - 3ª Reunião Extraordinária - Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor