DIREITO À MORADIA

Entidades e ex-moradores da Ocupação Vicentão pedem prorrogação da bolsa-aluguel

Cohab descumpriu acordo de reassentar famílias no prazo de dois anos; Associações e Defensoria Pública cobram solução emergencial    

segunda-feira, 12 Abril, 2021 - 20:30

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Em janeiro de 2018, 90 famílias sem teto, a maioria chefiada por trabalhadores informais, camelôs e ambulantes passaram a habitar um prédio abandonado na região central de Belo Horizonte, criando a Ocupação Vicentão. Um ano depois, após acordo com os proprietários e a Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab), os moradores deixaram o imóvel e passaram a receber bolsa-aluguel, que perduraria por dois anos até seu reassentamento. Vencido o prazo, as famílias ainda não têm para onde ir e não conseguem mais pagar o aluguel. Impossibilitadas de trabalhar em razão da pandemia, estão mais sujeitas à contaminação e à insegurança alimentar. Em audiência pública nesta segunda-feira (12/4), a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor e a Defensoria Pública solicitaram à Cohab que estenda a concessão do auxílio e agilize a doação do terreno para construção das moradias.  

Presidindo a audiência, a requerente Bella Gonçalves (Psol) reconstituiu a história da Ocupação Vicentão e saudou a presença dos representantes de entidades e ex-moradores que participaram da construção da comunidade, conectados remotamente à reunião. A parlamentar cedeu a palavra primeiramente aos afetados, para que relatassem os fatos. Representantes do Centro de Cooperação Comunitária e Popular (Casa Palmares), Luiz Roberto, e da Associação Morada de Minas, Almezinda de Moura, confirmaram os termos do acordo, devidamente homologado em juízo, que reconheceu a boa-fé das famílias e o direito à moradia.

Ficou acordado então que as famílias deixariam o local e receberiam uma bolsa-aluguel por um prazo de dois anos; ao final do período, seriam reassentados em áreas de regularização fundiária do Estado. Segundo os líderes comunitários, um ano após a assinatura do acordo, a Cohab passou a recusar o pagamento do benefício, que só voltou a ser concedido por determinação judicial. Além da tentativa de violar o direito conquistado, vencido o prazo previsto a Companhia ainda não reassentou os moradores, que ficaram sem a bolsa-aluguel e sem alternativa de moradia, acumulando dívidas com aluguel ou mesmo morando nas ruas. “Ou paga aluguel ou come”, lamentou Almezinda.

Sônia Oliveira, Regina Lúcia e Samantha Rodrigues, ex-moradoras da ocupação, também relataram a situação que estão vivendo e testemunharam as enormes dificuldades que todos vêm enfrentando com o fim da concessão do auxílio-moradia pela Cohab em plena pandemia, e pediram a prorrogação da concessão do benefício como solução emergencial imediata para amparar   as famílias enquanto o acordo de reassentamento não for cumprido.

Desemprego e desproteção

Segundo os representantes da comunidade, o isolamento social, a proibição da circulação e o fechamento de atividades econômicas adotados há um ano pela Prefeitura de Belo Horizonte resultaram na perda de empregos e de renda pelos trabalhadores, na maioria informais – ambulantes, camelôs, catadores de materiais –, que estão impedidos de exercer suas atividades, agravando a situação que estão enfrentando. Mencionando que muitas famílias possuem crianças e idosos, Sônia e Regina pediram que a Cohab “tenha compaixão” e reveja a interrupção do benefício, mesmo estando prevista no contrato, prorrogando sua concessão pelo menos enquanto durar a crise da pandemia.

Bella Gonçalves reforçou o argumento, apontando que a moradia digna, o acesso à água e à segurança alimentar são essenciais para proteger a saúde das pessoas, especialmente durante a pandemia de covid-19, que vem provocando internações e mortes em Belo Horizonte e no resto do mundo. Sem essas condições básicas, os mais vulneráveis não conseguem cumprir as medidas de prevenção e ficam mais expostos ao contágio e transmissão do vírus.

Doação de terreno

Moradores e associações se declararam surpresos com o conteúdo do ofício encaminhado hoje pela Cohab ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc) do TJMG, lido durante a reunião, que informa a impossibilidade de incluir as famílias em nenhuma das faixas do programa Casa Verde e Amarela, por não atenderem os requisitos exigidos para o financiamento. Segundo Luiz Roberto, em nenhum momento essa possibilidade foi abordada durante as negociações, e eles nem sabiam que estava em cogitação. No documento, o poder público recomenda aos interessados que façam uma “busca ativa” por terrenos disponíveis para a construção das moradias.

A coordenadora da Associação de Moradores de Aluguel da Grande BH (Amabel), Gladis Oliveira, reforçou as falas de Bella e dos moradores contra essa determinação, afirmando que a Cohab “sabe quais são e onde estão esses terrenos”. A ativista afirmou o convênio com o Estado já previa a liberação de um terreno em Santa Luzia para abrigar as famílias. As entidades denunciaram que a Cohab vem financeirizando os imóveis, negociando e vendendo terrenos em vez de utilizá-los para cumprir seu papel social.

Representando o presidente da Cohab, Salete Oliveira explicou que a avaliação da viabilidade do enquadramento das famílias no programa habitacional do governo, mencionada no ofício, foi apresentada como uma possível solução do problema. Segundo ela, a Prefeitura de Santa Luzia não ficou satisfeita com a ideia de receber os ex-moradores da Ocupação Vicentão, por isso foi sugerida a busca de terrenos para permuta. A gestora assegurou que o pedido de busca de terrenos pelos beneficiários não impõe obrigação, apenas sugere a colaboração voluntária. Sobre os motivos da “animosidade” do prefeito do município vizinho, ela declarou que “não se sente à vontade” para responder por ele.  

Medida emergencial

A defensora pública Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, Cleide Nepomuceno, “rogou” aos órgãos responsáveis que esclareçam todos os aspectos da situação para os moradores, regularizem eventuais irregularidades formais do convênio que possam estar impedindo a efetivação do que foi pactuado, com a colaboração do Cejusc, e agilizem os procedimentos para o reassentamento, resolvendo definitivamente a situação das famílias. Luiz Roberto sugeriu que o Programa Pólos de Cidadania da UFMG, que tem uma “larga experiência” em mediação de conflito, seja convidado a participar do acordo, escutando as partes separadamente e depois em conjunto.

Os convidados queixaram-se de sua não inclusão nas discussões e negociações entre a Cohab, o Cejusc e a Sedese, envolvendo a Prefeitura de Santa Luzia, para agilizar a questão do terreno. Reforçando a necessidade de participação dos interessados nas tratativas, Bella Gonçalves pediu aos órgãos que comuniquem às associações todas as sugestões, andamentos, avanços e decisões referentes ao destino das famílias. A vereadora e os convidados ressaltaram que o direito à moradia e à saúde são assegurados na Constituição Federal e o prolongamento dessa situação configura violação de direitos humanos e sociais.

Os vereadores Macaé Evaristo (PT) e Miltinho CGE (PDT), que acompanharam a audiência, reforçaram as palavras da requerente e também defenderam que a efetivação do direito à moradia dessas pessoas, por meio do auxílio-aluguel temporário e do reassentamento, seja cobrado dos órgãos pertinentes. Para garantir o suporte imediato dessas pessoas pela Cohab, Bella Gonçalves anunciou o encaminhamento de uma indicação à companhia para que o benefício seja concedido até que as negociações estejam concluídas e a solução definitiva seja definida. “A fome não espera”, alertou a vereadora.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater sobre a violação do direito à moradia da Ocupação Vicentão - 9ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor