CPI DA BHTRANS

Empresário do transporte depõe e diz ignorar irregularidade na licitação de 2008

Documentos trazidos pela CPI indicam que apenas uma empresa teria sido a responsável por elaborar todas as propostas apresentadas

quarta-feira, 30 Junho, 2021 - 18:00

Foto: Abraão Bruck/CMBH

“Ou uma única pessoa fez todas as propostas e isso frauda a licitação, ou vocês compartilharam informações e isso também frauda a concorrência, ou isso é tudo uma coincidência”. A declaração do vereador Gabriel (sem partido) foi dada na manhã desta quarta-feira (30/6) durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans em que foram apresentados diversos documentos que apontam que apenas uma empresa ou pessoa teria feito a elaboração das propostas durante o processo licitatório para a concessão do transporte coletivo da Capital, no ano de 2008. Dentre os dados trazidos pela CPI estão cópias de documentos que mostram os horários de protocolos das propostas e da aplicação de selos do cartório, que têm variação de pequenos minutos, além de cópias do salvamento de arquivos eletrônicos que indicam que apenas uma pessoa finalizou todas as propostas. Ouvido na condição de investigado e confrontado com os documentos apresentados, o empresário Robson Lessa, que atualmente gerencia a Viação Jardins e já esteve à frente da Viação Pampulha, afirmou desconhecer qualquer irregularidade no processo licitatório de 2008, e confirmou que a retirada dos cobradores foi uma decisão adotada pelas empresas com o objetivo de reduzir os custos com o serviço. Ainda no encontro, os vereadores aprovaram pedidos de informações destinados à Prefeitura e à BHTrans sobre a manutenção e instalação de radares na cidade e acordos coletivos de trabalho da empresa e do sindicato dos empregados, e solicitaram ainda o envio da memória de cálculo e documentos que embasaram as modificações na tarifa dos coletivos do ano de 2008 pra cá. Confira o resultado completo da reunião.

Empresas fundidas

Embora dados trazidos pela CPI apontem que Robson Lessa de Carvalho seja sócio de 27 empresas em Minas Gerais e de outras 45 com seus irmãos, o empresário do ramo de transportes afirmou que atualmente possui apenas duas empresas que atuam no Consórcio Pampulha de ônibus de BH – a Jardins e a SMTransporte, sendo esta última mantida com os irmãos. As demais segundo Lessa, ou foram extintas por meio de fusões ou ele deixou a sociedade em 2019, quando a Saritur fez uma cisão em seus negócios.

Mas as coisas eram diferentes em 2008, quando Lessa integrou o processo licitatório para a concessão dos serviços de transporte público da cidade.  Mesmo participando com apenas uma empresa (Turilessa) como afirmou, o empresário adquiriu logo em seguida ao menos outras quatro empresas do ramo, dentre elas a Sagrada Família e a Praia. Ao depor, o empresário explicou que a fusão ou extinção de empresas feita nos últimos anos é uma prática comum e tem o objetivo de tornar o negócio mais ágil de se administrar. “É oneroso. Não faz sentido você ficar com várias empresas, melhor ter apenas aquilo que precisa para operar”, explicou.

Auditoria, redução nos custos e ilegalidade

A redução de custos, aliás, parece ser a palavra de ordem das empresas que operam as linhas de ônibus de BH. Perguntado pelo vereador Gabriel se ele acreditava que as empresas operam hoje com prejuízo na cidade, e se entende que a passagem deveria ter o valor de R$ 6.53 apontado pela Consultoria Maciel, Lessa descreveu as perdas com que as empresas tiveram de lidar nos últimos anos, com a migração dos usuários para os veículos particulares e aplicativos de transporte, quadro agravado na pandemia, e confirmou a existência de um prejuízo. “A auditoria foi contratada pelo Município e o resultado mostrou que o contrato está em desequilíbrio. Como está ele não pára em pé”, argumentou.

Na sequência, confrontado com dados como notas fiscais de outras cidades e documentos que mostram distorções quanto ao dimensionamento de frota e apólices de seguro, e aluguel de garagens, documentos entregues pela empresa de Lessa à Maciel, o empresário foi questionado se tinha conhecimento do teor da auditoria. “Foi o Município quem contratou e nós apresentamos todos os documentos solicitados. Pode ser que tenha tido um ou outro equívoco da contabilidade, porque eles operam em várias praças, mas ela (consultoria) deve ter desprezado esta nota”, disse.

“E pasme o senhor: ela (a Maciel) não desprezou, mas validou!”, retrucou o vereador Gabriel, que continuou: “E a BHTrans que teria que fiscalizar o contrato também aceitou. Então a empresa, a consultoria e a BHTrans acharam que estava tudo certo. Se uma nota tão expressiva passou, quantas outras não passaram? Se tem que calcular o custo da passagem tem que ser com a documentação clara, correta”, afirmou o vereador, lembrando que o diretor da BHTrans que teria que fiscalizar o contrato da Maciel foi afastado do cargo, após ser ouvido na última semana pela CPI.

Em 2018, após processo de verificação de contrato que a própria Consultoria Maciel admite não ter se tratado de uma auditoria, foi indicado que o valor da passagem deveria ser de R$6.35. Na ocasião, a decisão do prefeito Alexandre Kalil foi de não conceder o aumento. Questionado se a retirada dos cobradores teria sido uma forma de retaliação (vingança) por parte dos empresários, como havia afirmado o ex-presidente da BHTrans durante oitiva na CPI, Lessa respondeu que a fala de Bouzada foi infeliz, e que não houve retaliação. O empresário admitiu, porém, que foi sim uma medida para reduzir custos. “Foi a única forma de conseguirmos continuar a prestar o serviço. Mas neste período fomos avançando em tecnologia. Hoje são 80% a 90% de bilhetagem eletrônica. Nós e a população pagamos por este serviço. E se mantivéssemos os cobradores seria um custo há mais para as passagens”, explicou.

Após a confirmação do empresário, a vereadora Bella Gonçalves (Psol) e o vereador Gabriel lembraram que o contrato ainda vigente prevê a presença de cobradores em todas as viagens, e que a confirmação da retirada dos mesmos denota que as empresas estão agindo na ilegalidade. O empresário, entretanto, rechaçou o apontamento e disse que não houve o reequilíbrio. “Há ofícios que mandamos e nunca foram respondidos. Vieram os ônibus com ar condicionado que também não estavam previstos no contrato”, justificou.

Tecnotran

Caminhando para a última parte da oitiva, o empresário foi questionado sobre a licitação para a concessão do serviço de transporte feita em 2008, como foi a sua participação e se sabia de irregularidades no processo. Ao responder, Lessa contou que participou com a Turilessa no Consórcio Pampulha e que cada empresa do consórcio desenvolveu sua proposta nas suas garagens e que a empresa Milênio seria uma espécie de líder do grupo. Sobre as irregularidades disse que não tinha conhecimento de nenhum problema, e que inclusive o contrato já tinha sido objeto de inquérito arquivado pelo Ministério Público de MG.

À CPI, entretanto, os parlamentares trouxeram cópias de documentos que constam do inquérito do MP e que apontam que uma mesma pessoa ou empresa teria elaborado todas as propostas apresentadas para concorrer na disputa. Dentre as cópias trazidas estão documentos com os horários em que as propostas foram entregues pelas empresas, que mostram minutos de diferença entre eles; cópia do selo do cartório às vencedoras, que foi emitido para 22 empresas diferentes (concorrentes) em cerca de 5 minutos; e finalização de documentos eletrônicos de consórcios diferentes pela mesma pessoa (Renata). Sobre a documentação apresentada, Lessa disse não saber quem é Renata e argumentou que o cartório presta um serviço público, que não tem informações sobre o seu funcionamento, e que é aberto a qualquer pessoa.

Insistindo nas sistemáticas coincidências, Gabriel contou que além destes dados relatados, também os textos das propostas são extremamente similares. Ao que o empresário disse ser esperado uma vez que existia um padrão a ser cumprido no edital. “Mas temos os mesmos erros de digitação e até de português nas propostas, parecem o nosso conhecido copiou colou”, afirmou o vereador.

Seguindo com a oitiva, Gabriel perguntou a Lessa se ele conhecia o empresário André Luiz de Oliveira Barra, sócio-administrador da Tecnotran e da qual participava também como sócio Daniel Marques Couto, diretor afastado da BHTrans, ao que o mesmo respondeu que conhecia a sim a pessoa, porém não a sua empresa. 

Gabriel, entretanto, apresentou cópia de notícia recebida pelo MP, de forma sigilosa, de denúncia vinda de um funcionário da Tecnotrans de que a empresa foi contradada para elaborar todas as propostas das empresas, inclusive as que seriam derrotadas. “Isso é cartel e faz com que o contrato que esteja em vigor em BH seja uma mutreta”, afirmou. Ainda sobre a Tecnotrans, Gabriel disse que Renata Avelar Barra Righi, que assina todas as planilhas das empresas que concorreram ao certame, é filha de André Luiz Barra e engenheira da Tecnotrans. “Ela será convocada por esta CPI na condição de investigada, porque foi a responsável por rasgar um processo de licitação dessa cidade de 20 anos, de R$20 bilhões. Agiu para garantir um conluio”, concluiu o vereador.  

Antes de encerrar a reunião, o empresário foi questionado se teria se encontrado com o então prefeito à época Fernando Pimentel, e se sabe de medidas que o gestor editou em favor dos empresários da área do transporte quando ele foi prefeito e governador, ao que o empresário respondeu não ter se encontrado e não conhecer nenhuma medida nesse sentido.

Ao finalizar o encontro, Gabriel agradeceu a participação do empresário, ressaltou que não há nada de pessoal no que está sendo feito, e que o papel do legislador é exatamente esse de fiscalizar o serviço público. “O senhor foi muito respeitoso e mesmo dizendo que não sabia respondeu a todas as questões. Nenhum dos meus colegas aqui atua por proselitismo ou sensacionalismo, atuamos para fiscalizar um serviço que não é bom, não é decente e que os senhores são concessionários”, finalizou o vereador, ressaltando que é preciso parar, encerrar este contrato de 2008 que não para de pé.

Pedidos de informação

Acolhidos pela CPI, três requerimentos aprovados são de autoria do vereador Braulio Lara (Novo) e dirigidos à PBH e a BHTrans. Um solicita a relação de reuniões entre a BHTrans e os consórcios municipais, suas respectivas datas e atas, no período de 2008 até a presente data. Já os outros dois pedem, respectivamente, o envio do Balanço Patrimonial e o Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE), evidenciando o custo anual e as fontes de renda dos últimos dez exercícios; e a memória de cálculo e documentos que fundamentaram cada vez que a tarifa foi modificada. No caso da utilização da fórmula paramétrica conforme contrato de concessão, requer que sejam explicitados cada um dos índices utilizados.

Placas, radares e acordo coletivos

Ainda de autoria do parlamentar do Novo e também dirigidas à PBH e BHTrans, outras duas solicitações pedem informações sobre quais são as empresas responsáveis pela manutenção e instalação de radares em BH, o valor mensal pago às mesmas, bem como informações sobre o encaminhamento do contrato, aditivos e processo licitatório; e se as manutenções de placas, semáforos, pinturas de faixas e estacionamentos ocorrem pela mão de obra da própria BHTrans ou por empresas prestadoras de serviços contratadas. Caso o serviço seja terceirizado, requer sejam enviados os respectivos contratos vigentes e que seja informado o custo mensal de contrato.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

 

11ª Reunião - Comissão Parlamentar de Inquérito: BHTrans - Oitiva - Robson José Lessa Carvalho