Câmara e entidades ambientais vão colaborar na construção de políticas climáticas em BH
Dados e projeções alarmantes do aquecimento global exigem ações urgentes. Município vai elaborar plano local de mitigação e adaptação
Foto: Renato Cobucci/Secom - agenciaminas.gov
O atual cenário de emergência climática global que ameaça o equilíbrio ecológico e a sobrevivência das sociedades humanas, demonstrado em relatório divulgado em agosto pela Organização das Nações Unidas (ONU), preocupa cientistas e ambientalistas de todo o mundo. Também em Belo Horizonte, os excluídos e os mais vulneráveis são os mais afetados pelas consequências do fenômeno, como temperaturas extremas, chuvas fortes, secas e falta de água. Em audiência da Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana nesta terça (28/9), especialistas alertaram para a necessidade de medidas urgentes por parte de empresas e governos para redução da emissão de gases do efeito estufa, preservação de recursos hídricos e biomas urbanos, obras estruturantes e outras ações para mitigação dos impactos. Informada do início iminente da elaboração do Plano Municipal para as Mudanças Climáticas, a comissão vai solicitar a participação efetiva do Legislativo e da sociedade civil em sua construção.
Autora do requerimento da audiência e titular da Comissão, Duda Salabert (PDT) abriu o debate mencionando os resultados do Grupo de Trabalho I do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgados em agosto, que apontam cenários catastróficos para os próximos anos e décadas, caso a temperatura média da Terra não pare de aumentar. A contribuição da ação humana para o fenômeno, segundo a vereadora, já é um consenso entre milhares de cientistas do mundo inteiro que pesquisam e acompanham a aceleração do aquecimento global, que exige a mobilização de toda a sociedade e especialmente da classe política, que possui instrumentos para criar e fiscalizar normas que promovam mais sustentabilidade às atividades econômicas e ao desenvolvimento urbano.
Após a exposição de dados e números divulgados pelo Relatório de Avaliação do IPCC e outro estudo realizado em 2016 sobre as consequências já observadas e a projeção de cenários para Belo Horizonte, o representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), Dany Sílvio Amaral, concordou que é urgente a abordagem e o tratamento dessa questão em âmbito municipal num “trabalho de formiguinha” que, mesmo não resolvendo o problema global, contribui na busca de soluções. Membro do Comitê de Mudança Climática e e Ecoeficiência (CMMCE) da Prefeitura, composto por representantes do poder público municipal e estadual, da sociedade civil, de organizações não-governamentais e do setor empresarial e acadêmico, ele defendeu a realização de pactos para enfrentar os desafios, como os desatres causados pelas chuvas e a crise hídrica, a maior dos últimos 90 anos.
Em seguida, o gestor relacionou as ações da SMMA para mitigação e adaptação da cidade aos efeitos das mudanças climáticas, focadas na redução das emissões de gases de efeito estufa e poluentes atmosféricos; maior eficiência nos processos de reutilização e reciclagem de resíduos; uso racional de energia e incentivo a utilização de fontes renováveis e conscientização ambiental; iventário de emissões; plantio e revegetação; revisão da legislação climática; eficiência energética (iluminação e prédios públicos); estudos de vulnerabilidade; Selo BH Sustentável e Crédito Verde para empresas e cidadãos. O Inventário, segundo Amaral, aponta a redução de 23% de 2009 a 2020, e as propostas para as áreas de energia (26), mobilidade (43) e saneamento (30) podem resultar numa redução de 41,1% em 2040. Levantamentos indicam que pessoas mais pobres têm sete vezes mais chance de morrer em consequência dos desastres naturais causados pelo desequilíbrio climático e “sofrem muito mais que os emissores de gases e destruidores do meio ambiente”, salientou.
Plano Municipal
Além do Plano de Contingência 2021-2022 implantado em 2020 para enfrentamento de desastres e emergências hídricas, envolvendo a Defesa Civil e outros órgãos, o gestor informou que o Plano Local de Ação Climática, em articulação com órgãos e entidades municpais, nacionais e internacionais, que estabelecerá uma política abrangente, está mais perto de ser elaborado: a destinação de recursos já estaria garantida e o início dos trabalhos está previsto para os próximos dois meses. Para a construção do plano, segundo ele, é necessário diálogo com a sociedade civil e o envolvimento efetivo da Câmara Municipal, essencial na proposição e fiscalização de normas municipais. Considerando os aspectos socioeconômicos da questão, Duda Salabert defendeu a escuta dos movimentos sociais e populações atingidas e anunciou que irá requerer formalmente a participação do Legislativo nos debates e decisões.
A comissão também deverá reforçar, a seu pedido, a divulgação e o convite à sociedade e aos vereadores para participar da Semana do Clima, mencionada pelo representante do Executivo, que acontecerá entre os dias 4 e 8 de outubro.
Dados alarmantes
Físico, P h.D. em Ciências Atmosféricas e um dos principais autores do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Alexandre Araújo Costa explicou os principais fatores do equilíbrio climático e hídrico, determinantes para a existência dos diferentes biomas e a sobrevivência de espécies vegetais e animais. Oriundos dos Relatórios de Avaliação, dados e gráficos apresentados pelo especialista mostram o aumento preocupante dos gases de efeito estufa na atmosfera desde a Revolução Industrial, que atingiram concentrações inéditas nos últimos 11.700 anos. A temperatura média do planeta aumentou 1,09 graus centígrados no período (nos 10 mil anos anteriores, o aumento foi de 4 graus). Segundo o IPCC, 1,07° C desse aquecimento é consequência das ações humanas.
O fenômeno é responsável pela ocorrência cada vez maior de temperaturas extremas e alterações de volume e distribuição das chuvas em diversas regiões do planeta, resultando em tempestades, furacões, secas prolongadas e incêndios. Projeções para as próximas décadas, baseadas em observações e cálculos, apontam cenários cada vez mais insustentáveis e até mesmo irreversíveis, com riscos para o ecossistema e a vida humana. Para evitar o colapso, o aquecimento deve se manter abaixo do limite de segurança estabelecido pelos cientistas (1,5 graus centígrados). Se nada for feito, o aumento da temperatura poderá atingir 1,6 graus até 2040; 2,4 graus de 2041 a 2060; e 4,4 graus de 2081 a 2100. Além das catástrofes naturais, o fenômeno provoca o derretimento de calotas polares, aumento do nível e da acidez dos oceanos, inundação de áreas litorâneas e desertificação de teritórios, com impactos sobre a geração de energia, a indústria e a produção de alimentos.
Segundo o especialista, trata-se de uma emergência mundial e a adoção de medidas para deter a aceleração e o agravamento do problema cabe a todos os países e governos. O Acordo de Paris, celebrado em 2015, do qual o Brasil é um dos signatários, recomendou o corte de 50% das emissões de carbono, a preservação de 60% das jazidas de petróleo e 90% das reservas de gás natural e o fim dos desmatamentos até 2030. Avaliando a contribuição de cada país (quase todos ainda estão devendo), no Brasil, em Minas Gerais e em Belo Horizonte as ações ainda são “altamente insuficientes”, avaliou. “Interromper ou não esse processo é uma escolha nossa e temos pouco tempo, não dá mais pra adiar”, alertou Costa. “Se não fizermos nada, estaremos traindo as gerações futuras; temos a obrigação moral de consertar o clima”, finalizou.
“Efeito dominó”
Melina Amoni, gerente de Risco Climático e Adaptação da WayCarbon, Natalie Untertell, diretora do Instituto Talanoa, e Ana Corrêa, da Organização, Comunidade e Sustentabilidade Brasil (OCS-Brasil), também apresentaram dados e reforçaram as falas de Alexandre, confirmando que as mudanças climáticas vêm ocorrendo de modo rápido, generalizado e se intensificando a cada ano, e que a corrida global é pela “emissão zero”. Para exemplificar os impactos, Natalie exibiu gráficos e imagens demonstrando a redução significativa da produção de vinhos na França e de cerejas no Japão nas últimas centenas de anos, também observada na produção de café no Brasil. As consequências em cada região do país indicam redução das chuvas no Norte e no Nordeste e aumento no Sudeste e no Sul.
A “parte boa” dos números alarmantes, segundo ela, é o aumento da atenção e dos investimentos de governos, organismos internacionais e setores da economia, como a precificação do carbono, e o maior engajamento da sociedade e da opinião pública, causando um “efeito dominó positivo”. A emergência climática também mobiliza a ciência e produz avanços tecnológicos importantes para a prevenção e mitigação das mudanças climáticas e suas consequências, como a expansão de fontes de energia renovável, desenvolvimento de técnicas, modos de produção e uso do solo e dos recursos naturais mais sustentáveis, inclusive no Brasil, que está à frente dos outros países na evolução da energia renovável.
Âmbito municipal
Melina exibiu um estudo realizado pela Way Carbon em 2016 sobre a situação de BH (ondas de calor, aumento de chuvas, inundações, deslizamentos de terra e proliferação de doenças como a dengue). Entre os fatores, o relatório apontou a expansão urbana e a canalização de córregos, que reduziram a permeabilidade do solo, e apontou pontos de potencialização desses efeitos (inundações no Vetor Norte e deslizamentos de encostas nas Regiões Leste e Sul, por exemplo), e a maior vulnerabilidade das pessoas de baixa renda a esses eventos. O cenário exige o engajamento de todos os setores em ações de adaptação às mudanças, como a reformulação de diretrizes urbanísticas, e de mitigação, como obras de drenagem.
Além da redução de emissões veiculares e industriais, as entidades defendem a maior utilização do instrumento da compensação ambiental exigido em licenciamentos, direcionanando-o para ações de equilíbrio climático. Ana Correia defendeu o ativismo e a luta em defesa da natureza, especialmente por pessoas com mais informação e disponibilidade, como os estudantes, já que a maioria da população não tem acesso ou tempo para se educar e mobilizar; a valorização dos catadores de material reciclável; o envolvimento dos atingidos e a cobrança de políticas públicas e ações dos “tomadores de decisão”.
Mineração
A ativista ambiental e assessora de Duda, Ana Flávia Quintão, chamou atenção sobre os danos causados pela mineração aos recursos hídricos e ao equilíbrio ecológico, lamentando a flexibilização dos licenciamentos e o avanço de grandes projetos minerários no entorno de Belo Horizonte, que ameaçam a preservação de nascentes e reservas de água. Para eficácia dos planos e ações estruturados na Capital, que não possui fontes próprias de abastecimento hídrico, ela defendeu o envolvimento de outros municípios no debate amnbiental e na construção de soluções para adaptação e mitigação de efeitos das mudanças climáticas.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional