COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

Afirmação e voz da juventude negra periférica passam por pleno acesso à internet

Debate que reuniu experiências diversas aponta que iniciativas de comunicação são essenciais na construção democrática de direitos

segunda-feira, 13 Dezembro, 2021 - 16:00

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

"A juventude está sendo apagada. Não conseguimos ser ouvidos, por exemplo, sobre o que foi passar pelo confinamento dentro de um barraco com nove pessoas. É fundamental garantir o acesso à internet na favela. Se a favela não tem voz, não temos democracia de verdade". A reflexão de Thiago Santos, membro do Comitê Gestor do Centro de Referência das Juventudes (CRJ/BH) é uma das diversas contribuições que foram trazidas durante o evento “Juventude Negra Resiste!” realizado na manhã desta segunda-feira (13/12). O encontro, requerido por Iza Lourença (Psol), é a terceira audiência pública realizada pela Comissão Especial de Estudo sobre Empregabilidade, Violência e Homicídio de Jovens Negros neste ano e contou com a participação da vereadora Macaé Evaristo (PT) e dos vereadores Gilson Guimarães (Rede) e Marcos Crispim (PSC), todos membros do Colegiado. No debate, que reuniu coletivos e movimentos de diversas partes da Capital, além de representantes da Prefeitura e de veículos de comunicação, foram apontados avanços importantes que a juventude negra periférica tem conquistado por meio de estratégias específicas de comunicação, mas que ainda esbarram na ausência de políticas públicas perenes e do pleno acesso à internet.

Cobertura reforça violência

Ao abrir audiência, Iza lembrou o papel importante deste tipo de discussão no Legislativo e recordou outros dois debates já promovidos pela Comissão Especial de Estudo, quando foram tratadas a questão da mortalidade e da violência contra jovens negros moradores da periferia e os desafios para se garantir a empregabilidade deste jovens. Para a vereadora, para se criar políticas efetivas é preciso que a Câmara faça esta escuta. "Muitas vezes quando o Estado não chega são eles (coletivos e movimentos) que garantem a manutenção das vidas. Então a escuta é importante, pois precisamos fazer as políticas públicas para estas pessoas", ressaltou.  

Também Gilson Guimarães concordou com a parlamentar e ressaltou que repensar o papel realizado pela grande mídia na cobertura do dia a dia da periferia reforça um estado de constante violência. "Quando ela (mídia) entra lá é para falar de tráfico, de violência, de abandono. Não mostra o lado bom, os talentos que existem. Vemos pessoas do asfalto que vão dentro da favela cortar cabelo, porque aqui estão os melhores. Isso nos qualifica, dá oportunidade e mostra o nosso valor", afirmou o vereador, recordando que sua história está na periferia.

Alfabetização tecnológica e unidades regionais do CRJ

A qualificação, aliás, é também um ponto central para Thiago Santos, membro do Comitê Gestor do CRJ/BH e para quem a comunicação é o norte para as futuras oportunidades de emprego para os jovens. O co-gestor, que também defende a necessidade de alfabetização tecnológica da juventude negra periférica, lembrou que emprego é igual a autonomia. "Se o jovem não tem emprego ele não consegue se organizar. Eu mesmo estou desempregado desde a pandemia. Passei em um processo seletivo recentemente, mas não tenho um computador próprio para seguir com as demandas do contratante", contou.

Ainda segundo Thiago, em BH este processo deve passar necessariamente pela ampliação dos equipamentos de referência nas regionais da cidade, já que o CRJ (Praça da Estação) está na Centro-Sul, uma região ainda pouco acessada pelo jovem da periferia. "Precisamos que o jovem não apenas vá conhecer o CRJ, mas vá lá fazer um curso profissionalizante. Porque talento não nasce em árvores. É quando damos mais oportunidades aos pretinhos que vamos ver mais médicos negros, mais professores negros, mais vereadores negros", destacou.

Capital que menos investe em juventude

O co-gestor que acredita ainda que este avanço não será possível sem investimentos por parte do poder público e chamou a atenção do colegiado para a necessidade de investimentos contínuos. "BH ainda segue sendo uma das capitais que menos investe em juventude. Menos que capitais do Nordeste, por exemplo, menos também que o Rio de Janeiro. Não fazemos isso (qualificação) sem orçamento. Que esta comissão seja a nossa tropa de choque para disputar o orçamento na cidade", defendeu.

Ponderando as colocações de Thiago, a diretora de Igualdade Racial da PBH, Makota Kizandembu, lembrou que o Conselho de Igualdade Racial possui uma Diretoria de Juventudes e que este tem sido um canal atuante no sentido de fazer chegar as demandas dos jovens ao Município. Já sobre o acesso à internet a diretora reconheceu as potencialidades da ferramenta e defendeu o protagonismo jovem. "Vimos como a pandemia silenciou a periferia e a internet popular é extremamente importante para ouvir o que podemos construir juntos, mas também para mostrar o que já existe. Temos um plano de igualdade já construído e acredito que a juventude será a grande propagadora disso", declarou.

Estúdio de gravação e autonomia

Também a gerente do CRJ, Samira Vorcaro, ressaltou que nos últimos anos a comunicação feita pelas juventudes tem sido muito presente na unidade e hoje o Centro de Referência é o responsável, junto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pela curadoria do Festival de Verão da universidade, onde a programação é toda pensada pelas juventudes do CRJ.

A gestora contou que a unidade está já em fase de pregão eletrônico para instrumentalizar um estúdio de gravação no local até o fim deste mês. Ela acredita também que formação tecnológica e em comunicação é essencial para autonomia e organização dos jovens periféricos, como mostrou a própria pandemia da covid-19. "Tivemos experiências do Norte do país, onde o carro de som, a bicicleta de som e também a rádio comunitária foi o que fez chegar cestas básicas e itens de higiene. Paraisópolis também é outro exemplo e foi capa de oito revistas e jornais, inclusive do Washington Post", enfatizou Samira.

Formação e Identidade

E o investimento do poder público deve ressoar em ainda mais projetos de sucesso para a juventude negra periférica, que já faz bastante com o que tem em mãos. Na Cabana Pai Tomás, Região Oeste da cidade, o Conecta Cabana é exemplo deste esforço. Dirigido pela jornalista Lorraine Batista, moradora da vila, a rede trabalha a partir das principais redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp) e tem mudado a forma como a comunidade se enxerga. "Sabemos que não atingimos toda a população. Mas a Cabana já foi uma terra sem lei onde as pessoas vinham de fora e levavam a riqueza. Hoje conseguimos construir uma referência e quando chega alguém de fora já identifica que aqui existe uma liderança", contou.

A identidade foi também o que uniu três mulheres negras estudantes de comunicação e que queriam não apenas se ver nos produtos de comunicação, mas, mais que isso, queriam que o mercado que gera estes produtos fosse ocupado por jovens negros e periféricos. Assim, Gabriela Souza Matos, moradora do Morro do Papagaio, e duas amigas, também de regiões periféricas, fundaram em 2019 a Renca Produções, que até o ano passado já havia criado 79 vagas de emprego, sendo 34 delas ocupadas por pessoas negras. "O nosso nome vem daí, queremos levar a renca toda. Queremos contratar pessoas negras para esse mercado", contou Grabriela, explicando que a agência também atua em parcerias com o poder público e com projetos a partir de editais de financiamento.

TV pública e encaminhamentos

Também presente ao debate, o diretor de Conteúdo e Programação da Empresa Mineira de Comunicação (EMC), Luiz Yagelovic, que dirige a Rádio Inconfidência e a TV Rede Minas, reconheceu o tratamento estereotipado muitas vezes produzido pelas grandes emissoras de comunicação e disse que mesmo com pouco tempo no cargo tem buscado destacar outro lado das comunidades da cidade e também do estado de Minas Gerais. "Nossa preocupação hoje é dar voz e visibilidade a estas comunidades para que a gente possa mostrar a vida pulsante que existe. E que isso não fique apenas em um dia, em um mês do ano, mas que seja permanente. É isso que a TV pública pode oferecer, espaços de visibilidade", declarou.

Antes de finalizar a audiência, a vereadora Macaé Evaristo propôs como encaminhamento, dentre outros pontos, o levantamento de informações junto à PBH sobre como está o projeto que deve levar internet para as comunidades e o que a Prefeitura está fazendo para o desenvolvimento econômico e também de trabalho para os jovens de BH.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

Superintedência de Comunicação Institucional 

Audiência pública - Finalidade: Audiência pública Juventude Negra Resiste! para discutir a importância da comunicação na periferia e também quais as formas adotadas para registro e afirmação da juventude negra por meio da comunicação - 8ª Reunião