CRIANÇA E ADOLESCENTE

Especialistas discutem medidas para melhoria da saúde desde a infância

Uso abusivo de celular, excesso de açúcar e enfraquecimento de vínculos geram transtornos e exigem atenção de pais e poder público

quinta-feira, 23 Março, 2023 - 23:45

Foto: Karoline Barreto/CMBH

Com a presença de médicos, psicólogos e mães, a Comissão de Saúde e Saneamento abordou nesta quinta (23/3) alguns dos principais fatores da vida moderna que vêm gerando transtornos físicos e mentais em crianças e adolescentes. Os especialistas, baseados em estudos recentes e na experiência clínica, apontam que a exposição excessiva a telas, maus hábitos de alimentação, falta de informação, tempo e envolvimento das famílias e ausência do poder público estão por trás do significativo aumento de casos de ansiedade, depressão, déficit de atenção e hiperatividade, obesidade e outros fatores que causam estados de tristeza e medo, irritabilidade, baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem e de socialização que, no limite, podem levar a comportamentos destrutivos e ao suicídio. Para evitar as consequências a curto e longo prazo, eles defendem que pais e cuidadores, escolas e serviços de saúde invistam na prevenção e detecção precoce em vez de “correr atrás” quando o problema já está instalado. Todos concordam que o lar é o lugar por excelência da atenção, cuidado e apoio, mas cabe ao poder público conscientizar a sociedade, capacitar recursos humanos e oferecer serviços de diagnóstico, acompanhamento e tratamento. Uner Augusto (PRTB), requerente da audiência, e os colegas presentes se comprometeram a propor projetos e indicações a partir das considerações e sugestões dos participantes e fortalecer essa pauta na Câmara.

Antes de passar a condução da reunião ao requerente, o presidente da Comissão, Reinaldo Gomes Preto Sacolão (MDB), parabenizou a inciativa do colega de trazer o tema à pauta da Câmara. “Cuidar da saúde das crianças e adolescentes é cuidar do nosso futuro”, ressaltou. Membro efetivo do colegiado, Helinho da Farmácia (PSD) destacou a ameaça representada pelo excesso de utilização de computadores e celulares por crianças e adolescentes: “vivem dentro do celular, os pais deixam que passem mais de 10 horas direto na frente desses aparelhos, e isso vai trazer problemas no futuro”, alertou. Uner Augusto mencionou dificuldades encontradas para aprovação do requerimento, que previa inicialmente a discussão sobre possíveis riscos da vacina da Covid para esse público, e agradeceu os colegas que entenderam o “espírito democrático da Casa”, a quem cabe acolher as questões trazidas pela população independente de orientações ideológicas e partidárias. Aos que não puderam permanecer, em razão de compromissos prévios, ele pediu que assistam a gravação da audiência para que possam contribuir na proposição de soluções concretas para o Município.

José Ferreira (PP) reforçou a defesa da democracia e da participação da sociedade no debate público e criticou opositores que “usam esse argumento apenas quando se trata de questões que lhes são afeitas“.  Cláudio do Mundo Novo (PSD), que se dedica há anos à questão do uso de drogas e criminalidade juvenil, celebrou a tematização específica, pela primeira vez, da saúde de crianças e adolescentes no âmbito da Casa. Loíde Gonçalves (Pode) salientou que acompanha o debate não apenas na condição de parlamentar, mas também de mãe e avó; e, lembrando que todas as questões relacionadas à criança e ao adolescente envolvem necessariamente esta dimensão, reafirmou que a defesa da família é uma das principais bandeiras de seu mandato. Uner e Ferreira ressaltaram que os vínculos familiares estão na raiz de muitas das questões existenciais e sociais, e seu fortalecimento é um subtema a ser tratado em qualquer debate sobre saúde.

Todos os especialistas convidados, que abordaram os eixos temáticos do debate, bem como as entidades de mães, ressaltaram que a ocorrência dos problemas mencionados, suas causas e consequências foram comprovadamente aumentados e agravados pelo fechamento das escolas, isolamento social forçado, maior exposição a aparelhos eletrônicos e sedentarismo durante a pandemia da Covid-19, e pelas dificuldades de readaptação. Diante dessa realidade, vereadores e convidados lamentaram a suspensão do programa de assistência e acompanhamento psicológico nas escolas municipais pela Prefeitura, que beneficiaria alunos e professores, e defenderam sua retomada. A ausência da Secretária Municipal de Saúde, Cláudia Navarro, que não compareceu nem enviou representante à audiência, foi criticada pelos presentes, que não puderam obter maiores informações e esclarecimentos sobre as ações e planos do Município sobre essas questões.

Ansiedade e depressão

A neuropsicopedagoga Ivana Brandão abordou as causas, sintomas e consequências da ansiedade em crianças e adolescentes e formas de lidar com o transtorno para evitar que produzam efeitos irreversíveis na personalidade. Ivana explicou que o cérebro da criança não está preparado para lidar com as marcas emocionais causadas por abusos, falta de carinho e cuidados, que acabam levando ao desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e transtorno bipolar. Um dos primeiros sinais, muitas vezes interpretados como “manha e chatura” pelos pais, é a tendência de ver as coisas e situações de forma negativa, o que desperta reações de fuga ou medo; a descarga de adrenalina e cortisol provoca estresse, cansaço físico e psíquico. A busca de segurança gera a necessidade de controle que pode se prolongar na vida adulta. Sintomas emocionais como agitação, impaciência e irritação podem ser confundidos com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), sendo necessário discernir, já que, nesses casos, a medicação não surte efeito. Crises de ansiedade podem surgir na forma de sintomas físicos como dor de cabeça ou de barriga, taquicardia, sudorese e dificuldade para dormir.

Os psicoterapeutas Maria Clara Rabelo e Amarílio Campos, especialistas em adolescentes, enfatizaram a cultura do imediatismo, a dificuldade de suportar esperas e frustrações como fator desencadeante de quadros de ansiedade. Quanto mais jovem, menor é a noção de passado e futuro e maior a orientação pelo desejo de recompensa ou alívio imediatos. A criança e o adolescente também não têm a visão e a consciência suficientes para compreender suas necessidades e estabelecer a relação entre elas e a realidade, e suas relações são marcadas pelo imediatismo. Nos tempos atuais, essas características são agravadas pelo imediatismo atual dos adultos, sua dificuldade em respeitar o tempo das crianças, permitir que sejam crianças, exigindo que “nasçam sabendo”, entendam as coisas e reajam racionalmente às situações. Sendo assim, cabe aos pais olhar para si mesmos, amadurecer, se fortalecer e exercer seu papel de educar e acalmar, em vez de compartilhar os medos, angústias e impaciências.

Amarílio relatou que o suicídio é a terceira causa de morte de crianças e adolescentes no mundo, atrás apenas dos acidentes de trânsito e dos óbitos ligados às drogas. As ações do poder público e das instituições devem ser trabalhadas o ano todo, e não apenas no Setembro Amarelo. Para reforçar o papel dos adultos, o psicólogo fez uma analogia com as máscaras de oxigênio em aviões, que devem ser colocadas primeiro neles para que possam acudir as crianças nas emergências. À oferta de informação, devem se somar políticas de amparo e suporte a pais e professores, que muitas vezes também estão adoecidos, e de prevenção e acolhimento de jovens em situação de sofrimento. A culpabilização dos pais, assim como a adoção de pseudociências e teorias com viés político e ideológico, não produzem resultados e podem ser contraproducentes. Os especialistas reiteraram que o adolescente deve ter acompanhamento psicológico permanente, e não só quando já está doente.

Excesso de telas e de açúcar

A questão da exposição às telas (TV, celulares e computadores) como fator desencadeante de transtornos mentais e físicos e correlação entre o consumo excessivo de açúcar e os sintomas de TDAH foram abordados, respectivamente, pela pediatra Maria Cláudia Brito e a advogada especialista em neurociências e educação, Adriana Marra. A médica reconheceu que as novas tecnologias oferecem facilidades e benefícios práticos, mas que o uso cada vez mais frequente e intenso por crianças e adolescentes vem causando danos físicos e mentais importantes. Apesar da recomendação da Organização Mundial de Saúde - nenhum uso até os 2 anos; no máximo uma hora entre os 2 a 5 anos e duas horas dos 6 aos 10, com supervisão de um adulto; e de três horas de 11 a 18 anos, de preferência com supervisão do conteúdo acessado. Esses limites não são respeitados pela grande maioria da população; porém, segundo ela, os maiores criadores de hardwares e softwares do Vale do Silício só dão celulares aos filhos após os 14 anos.

Entre os malefícios, ela citou distúrbios do sono, problemas oftalmológicos que podem levar até à cegueira, a longo prazo; síndrome visual do computador - olhos vermelhos, lacrimejamento, ardência, vista embaçada; distúrbios neurológicos e cognitivos, perda de interesse capacidade de aprendizado, déficit de atenção, “autismo da tela” - redução da atenção e interação, distúrbios emocionais (ansiedade, depressão, fadiga, irritabilidade, agressividade, tristeza, medo, isolamento social e familiar, transtornos de imagem corporal, baixa autoestima, sedentarismo - obesidade, hipertensão, pré diabetes, problemas posturais e articulares, alterações hepáticas e metabólicas, aumento do risco cardíaco e oito tipos de câncer causados pela radiação, especialmente em crianças menores, e quadros de dependência e abstinência. Além desses efeitos, bastante frequentes, ficam expostos a pedofilia, abusos sexuais, bullying e crimes cibernéticos.

Adriana Marra apresentou seu trabalho de conclusão do curso de especialização em neurociências e educação, inspirado no filho. Sugerido o diagnóstico de TDAH em razão de características como impulsividade, irritabilidade, agressividade, comportamento destrutivo, dificuldade de manter o foco, agitação e hiperatividade, foi sugerido o uso de medicamentos. Nesse interim, a advogada percebeu que o aumento do consumo de guloseimas durante a pandemia como forma de compensar o sofrimento causado pela quarentena, além do ganho de peso, agravou muito os sintomas da criança, o que a despertou para a possibilidade de tratá-los por meio da redução do consumo de produtos açucarados. Os efeitos foram impressionantes e levou os professores e examinadores a adotá-los como parâmetro no diagnóstico e tratamento da TDAH. Partindo dos resultados, o estudo sugere, entre outras, ações educativas acerca dos limites de consumo determinados pela OMS; proibição da venda de guloseimas dentro e no entorno das escolas; e da exposição desses produtos em prateleiras baixas e nos caixas dos supermercados.

Espiritualidade, virtude e proteção

As presidentes do movimento Mães Direitas e da Associação Guardiões da Infância e Juventude, Cláudia Diniz e Luciana Haas, defenderam a importância da família e dos laços familiares, que ficou bem demonstrada nas perspectivas e abordagens dos especialistas. As exposições reforçaram o papel de pais e adultos “funcionais e bem resolvidos” como orientadores e especialmente como exemplos no comportamento das crianças e na prevenção da saúde, e a importância de investir no autoconhecimento e amadurecimento para lidar com elas – “não se culpabilizar, mas se aprimorar”. Afinal, são os pais que dão as telas e as guloseimas para os filhos e estabelecem as regras e limites. Além disso, elas recomendaram a inclusão e participação dos filhos nas atividades familiares, a criação de redes de apoio mútuo e a educação para a virtude, palavra que não é mais usada na educação e na cultura nos tempos atuais.

“Nossa geração foi criada com a noção e o cultivo de virtudes, como o respeito”, reiterou Álvaro Lima Júnior, que estava na plateia, criticando a perda desses valores e a entrega da educação, da cultura e da saúde nas mãos do Estado e da indústria. “No nosso tempo, os pais cuidavam dos filhos e éramos mais saudáveis e felizes”. A médica Maria Cláudia reiterou que o conceito de saúde inclui o bem estar físico, emocional e também espiritual, e a ciência não nega a importância de alimentar o espírito, independentemente de religiosidade; nesse sentido, cabe à família incentivar a criança e o adolescente a serem pessoas boas, gratas, fraternas, a praticar o amor, a empatia e a caridade. Para Uner, “é um verdadeiro bálsamo ouvir um médico falar da dimensão espiritual do ser numa época em que vigora o materialismo nas esferas política, cultural e na ciência como um todo”. Além de se comprometer a dar continuidade e aprofundar o debate sobre essas questões, os parlamentares declararam que as informações trazidas pelos especialistas e pelas mães deverão orientar a elaboração de projetos de lei e indicações ao Executivo para adoção das medidas sugeridas e aprimoramento da atenção e dos serviços nas redes de ensino e de saúde do Município.

Pauta da reunião

Antes da audiência, os vereadores apreciaram a pauta da reunião ordinária e aprovaram requerimentos de visitas técnicas, debates públicos e pedidos de informação sobre assuntos pertinetes à Comissão. Confira aqui os documentos apreciados e o resultado completo.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir a atenção dada a saúde de crianças e adolescentes-6ª Reunião Ordinária: Comissão de Saúde e Saneamento