Gastos com contrapartidas custaram quase metade do valor da Arena do Galo
CEO do Clube foi ouvido pela CPI. Intervenções para melhorias são de cerca de R$ 335 milhões e custo da obra R$ 750 milhões
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Um dos depoimentos mais aguardados pelos parlamentares que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Abuso de Poder na PBH foi dado na manhã desta quinta-feira (15/6). Bruno Muzzi, CEO do Clube Atlético Mineiro, foi ouvido acerca das contrapartidas que a entidade precisou realizar para a construção da Arena MRV. Em seu depoimento, o dirigente contou que mesmo sem serem debatidas intervenções, em especial obras viárias, foram incluídas na lista de exigências para concessão do licenciamento ambiental e que outros detalhamentos das contrapartidas foram surgindo ao logo da obra, como a criação e manutenção de um parque linear de uma área de 76 mil m2 e o plantio e manutenção de 46 mil mudas de árvores, aumentando assim o custo de empreendimento. Muzzi afirmou que as contrapartidas são importantes, pois mitigam os impactos, mas que 'a Arena do Galo não é poder público e não pode fazer tudo'. Segundo ele, o clube teve que provar que intervenções viárias solicitadas e não acordadas, como alças com saídas para o Rio de Janeiro e Vitória, não seriam necessárias. Para os parlamentares, o abuso de poder e oportunismo por parte da Prefeitura ficou claro, já que a região necessitava de obras de trânsito desde a década de 1990.
Itens não acordados
Engenheiro de formação, Bruno Muzzi assumiu a gestão da Arena do Galo no fim de 2017. Antes dele, Bernardo Farkasvölgy é quem respondia pelo empreendimento. O arquiteto depôs à CPI na semana passada, afirmando que Muzzi é quem melhor explicaria questões relacionadas a contrapartidas.
As contrapartidas para a execução da Arena se deram em três frentes: social, ambiental e viárias. Segundo o CEO do Atlético, quando assumiu a direção do empreendimento já havia a decisão de não mais fazer a obra por meio de uma operação urbana simplificada, e sim como obra de interesse social; então, foi aberto um processo de utilidade pública, a fim de se conseguir as licenças necessárias. Após conversar com setores diversos da PBH, uma reunião foi marcada no Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) para apresentação e votação do projeto, momento em que Muzzi conta ter sido surpreendido com a inclusão, por parte do Município, de itens na lista de contrapartidas que não haviam sido acordados. "Eu pedi que fossem retirados, pois não haviam sido debatidos. Já era tarde, um dos conselheiros tomou a palavra e disse que aquilo não precisava ser resolvido naquele momento e eu poderia voltar ao Comam e retirar quando achasse melhor", contou, dizendo ainda que conseguiu fazer isso depois de três anos (2022), com muito esforço.
Contrapartidas viárias
Dos itens não acordados com a Arena do Galo estavam duas alças viárias que seriam viadutos que fariam ligação do estádio com o Anel Rodoviário, nos dois sentidos da via (Rio de Janeiro e Vitória). Estimadas em torno de R$ 20 milhões, ambas foram retiradas da lista de contrapartidas, mas diminuíram pouco o volume de recursos despendidos, já que todas as obras viárias estão em torno de R$ 212 milhões. "Apresentamos o impacto e propusemos medidas robustas, mas do que foi conceituado para o realizado muda muito. Hoje já temos R$ 170 milhões (contrapartidas já executadas), mas temos algo em torno de R$ 150 milhões que não temos como fazer. Não há recurso", queixou-se. Perguntado então pela relatora da CPI, Fernanda Pereira Altoé (Novo), sobre o valor total estimado da obra e o valor das contrapartidas, Muzzi disse que estão, respectivamente em cerca de R$ 750 milhões e R$ 335 milhões. "(A contrapartida quase) é metade do valor da obra. Pior que a Receita Federal!", disparou a parlamentar.
Em tabela apresentada aos parlamentares, Bruno Muzzi mostrou detalhamento dos custos. Apenas em contrapartidas viárias devem ser gastos R$ 212 milhões, sendo R$ 30 milhões em desapropriações de terrenos de terceiros. Segundo o dirigente, apenas com mudanças solicitadas pelo Município em uma das intervenções, que é a melhoria da saída do Anel Rodoviário para a Via Expressa, houve um aumento da ordem de R$ 17 milhões. "Propusemos uma melhora do acesso, com duplicação das vias, mas foi muita discussão e tivemos que mudar o traçado, invadindo uma área de terceiros e a desapropriação ficou em R$ 6.5 milhões", afirmou.
De R$ 460 mil para R$ 5.2 milhões
O segundo maior gasto em contrapartidas foi no campo ambiental: cerca de R$ 95 milhões. Além da recuperação e preservação de duas nascentes dentro do estádio e a canalização de um curso d'agua, para conseguir o licenciamento ambiental, a Arena precisou adquirir uma área de mata ao lado do estádio (Mata do Morcego) e realizar o plantio de 46 mil mudas de árvores (uma para cada cadeira/torcedor). "Isso (plantio) foi proposto lá na hora (da reunião do Comam), fiz uma conta rápida, cada muda a R$ 10 e pensei, R$ 460 mil, ok. Com o passar do tempo, pediram que fizéssemos o plantio de todas em apenas um lugar e que cuidássemos delas por três anos. Imaginei que precisaríamos de uma área de 54 mil metros e não temos isso em BH. Então negociamos que a PBH forneceria a área e o plantio seria feito em 10 anos. Hoje isso deve ficar em cerca de R$ 5.3 milhões", declarou.
Outros gastos também não acordados foram a criação de paisagismo na área da esplanada e criação de um parque linear na Mata do Morcego. Segundo Muzzi, na esplanada houve muita resistência de sua parte, já que a área verde está sendo bastante considerada e as alterações trariam custos e mudanças importantes no projeto. "O argumento era para que a área não ficasse árida, como é no Mineirão. É uma lage do estacionamento e que tivemos que colocar jardineiras (quatro ao todo). Tivemos então que reforçar as vigas, a lage e a fundação também. Relutei bastante, mas não houve sucesso", contou, apontado que o custo do paisagismo ficou em R$ 3.9 milhões.
Instituto Galo e benefícios gerados
Sobre as contrapartidas sociais, Bruno Muzzi disse não contestar nenhuma delas e achou todas adequadas. Orçadas em cerca de R$ 12.7 milhões, as intervenções prevêem a construção de um novo Centro de Saúde no bairro Califórnia, do Instituto Galo e de um centro de línguas, além de uma Academia da Cidade e um Núcleo de Atendimento à Saúde da Família, dentro da esplanada. "Talvez o que mais eu possa reclamar do poder público, mais do que colocar coisas na contrapartida, é perguntar que tipo de apoio tivemos? Qual incentivo? Em outros lugares temos até doações de terrenos. A Arena é a maior obra desde o Centro Administrativo", lembrou Muzzi, que ainda citou como ganhos para a cidade a criação de 13 mil empregos diretos e indiretos durante a pandemia e a valorização dos imóveis da região.
Perguntado pelo presidente da CPI, Wesley Moreira (PP), se houve reuniões com o prefeito Alexandre Kalil para tratar das contrapartidas, Muzzi disse que deve ter estado com ele duas ou três vezes, mas que a situação foi meio chata e ele não teve sequer chance de falar. "Estava em uma dessas reuniões, tinha mais pessoas e ele disse que fui irresponsável de ter assinado por estas contrapartidas", afirmou. Wesley então insistiu sobre o ele achava que teria acontecido caso as exigências não fossem atendidas. "Teriam a Arena hoje, indagou"? "Acho que não. Tivemos muitas discussões, debates mesmo, pontos de vista divergentes. Quando tivemos um acordo levamos para o Comam, mas na hora de realizar vem os detalhamentos".
Abuso de poder e oportunismo
Segundo Bruno Muzzi, no site da PBH é possível consultar informações sobre obras viárias antigas e examinando documentação foi possível ver que grande parte das intervenções viárias propostas se concentraram em trechos onde o Município já planejava intervir. "Desde 1996 já existia previsões do Viurbs de obras para mitigar impacto de trânsito na região. E é exatamente onde foram apontadas as contrapartidas colocadas. Existia uma necessidade da cidade que já era apontada", considerou. Para o dirigente, que se disse defensor do instrumento das contrapartidas, é preciso, entretanto, que se estabeleça uma regra clara. "Acredito que é preciso estabelecer um percentual que indique o valor das contrapartidas. Não é possível ficar quase metade do valor da obra", argumentou.
Para Wesley Moreira, o Município teria se aproveitado da situação. "Não sei se chamo isso de abuso ou oportunismo. Houve um oportunismo da PBH, pois são obras já desejadas pela população há mais de 30 anos. Agora, a gente entende esse valor absurdo. Não são obras mitigatórias. Foi abuso misturado com oportunismo", afirmou.
Além dos parlamentares citados, participaram da reunião, Ciro Pereira (PTB), Gilson Guimarães (Rede) e Loíde Gonçalves (Pode).
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional