DADOS RACIAIS

Servidor e cidadão ainda precisam entender relevância da autodeclaração racial

Campanha é sugestão para incentivo à autoidentificação. Audiência apontou ações de órgãos da PBH e intersetorialidade foi cobrada

terça-feira, 3 Outubro, 2023 - 14:30

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

Produzir na cidade uma campanha para capacitar e incentivar a autodeclaração racial durante os atendimentos nos serviços municipais. Este foi um dos encaminhamentos retirados da audiência pública que a Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou na manhã desta terça-feira (3/10). O encontro, que debateu a questão do quesito raça/cor nos formulários municipais, bem como a coleta e processamento de dados raciais pela Administração Pública, reuniu representantes das principais secretarias municipais, que apresentaram suas ações sobre o assunto. Além da Educação que faz essa identificação no momento da matrícula dos estudantes, a Secretaria de Cultura e o Centro de Referência da Juventude (CRJ) mantêm formulários onde o quesito é solicitado. Já no âmbito interno da Câmara Municipal, Iza Lourença (Psol), autora do pedido de audiência, cobrou que o concurso público da Casa tenha vagas destinadas a negros e contou que irá trabalhar para certificar o Legislativo da capital com o selo municipal BH Sem Racismo.

Ampla campanha na cidade

Iza Lourença lembrou que há um esforço grande dentro da comissão para que o Município disponibilize seus dados com recorte de raça e cor. Para a parlamentar, essa é uma condição essencial para que se estabeleça políticas públicas eficazes na cidade. Segundo Iza, pedidos de informações foram enviados aos órgãos municipais, mas nem todos enviaram o retorno. “Precisamos saber a situação das pessoas negras em BH. Já temos lei, temos portarias estabelecidas, mas precisamos que esses dados de fato sejam coletados, processados, analisados e disponibilizados”, afirmou.

Na Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), a diretora de Promoção da Igualdade Racial, Makota Kizandembu, contou que desde 2017 um questionário sobre raça/cor vem circulando internamente no órgão e a ideia é que até o fim do ano as informações sobre os servidores estejam disponibilizadas. Segundo a diretora, por parte da população, entretanto, há uma dificuldade quanto à autodeclaração. “Eu chego no posto de saúde porque machuquei o dedo. O servidor lá me pergunta: qual a sua cor? Eu posso responder: - por que você quer saber minha cor, se eu vim aqui para fazer um curativo. Então aí já temos duas demandas: a capacitação do servidor para solicitar o dado e da população para responder”, explicou, dizendo ainda que os formulários existentes são deficitários, já que não contemplam, por exemplo, indígenas, ciganos e migrantes.

Segundo Makota Kizandembu, a Diretoria de Promoção da Igualdade Racial já disponibiliza um serviço de capacitação que pode ser acessado pelos servidores municipais e, para que o dado seja coletado com efetividade nos serviços, é necessária uma ampla campanha na cidade. “Desde 2019, BH já tem um Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial. BH tem cinco quilombos e dois grupos ciganos. Precisamos fazer uma campanha na cidade para a população inteira entender. Precisa ser uma tarefa de todos, do Ministério Público, da Câmara Municipal, da Assembleia Legislativa, para a gente ver o tamanho do racismo e o estrago que ele traz”, defendeu.  

Dados solicitados na matrícula

Já na Educação os dados parecem mais sistematizados, segundo Mara Catarina Evaristo, da Diretoria de Educação Inclusiva e Diversidade Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação. "Lá, a cada matrícula ou rematrícula, o quesito raça/cor é solicitado. As famílias podem ter a opção de não declarar, mas o servidor não tem opção de deixar de solicitar. Na pandemia vimos que este dado foi diminuído, mas este ano tentamos identificar inclusive os indígenas, quilombolas e migrantes”, contou, dizendo ainda que hoje já são 39 nacionalidades identificadas na rede.

Para Evaristo, embora a informação já esteja sistematizada, o desafio agora é como transformar os dados em política pública eficiente, já que este é o objetivo da coleta. “É um olhar. Não é um dado que tá elaborado e sistematizado. Mas escolas que têm maioria negra, têm um número menor de profissionais que estão vinculados àquela instituição formalmente. Ou seja, é uma instituição que tem mais ‘dobras’, onde o professor, no ano seguinte, pode ou não dar continuidade ao trabalho”, explicou, lembrando que, do ponto de vista do orçamento, pode ser pensada, por exemplo, a criação de uma estratégia de fixação dos profissionais nesses territórios mais vulnerabilizados.

Intersetorialidade e Integralidade

Outros dois órgãos que também coletam dados em algum nível são o Centro de Referência da Juventude (CRJ) e a Secretaria Municipal de Cultura. Aiesa Martins, que coordena o CRJ, contou que tem se organizado para colher as informações sobre os jovens que acessam o equipamento, mas que os dados atuais são das agendas solicitadas.  “De janeiro até agora, das 624 ocupações agendadas, 450 foram por jovens que se declararam negros, o que representa mais de 70% dos pedidos. Um dado importante e que a gente já sabia: o CRJ é ocupado realmente por uma maioria de jovens negros”, declarou.

Também a Secretaria Municipal de Cultura realiza algum tipo de coleta do público externo e interno. Graziela Pereira, diretora de Desenvolvimento e Articulação Institucional do órgão, contou que as informações foram repassadas por meio dos pedidos de informação feitos, mas há que se fomentar, além da autodeclaração, a intersetorialidade entre os órgãos, estabelecendo assim, uma política de governo.  “O desafio da PBH é mesmo tratar o dado de forma intersetorial porque cada um tem um procedimento. Precisamos pensar isso de forma mais ampla. Não podemos pensar a pessoa negra como a que vai consumir cultura ou a que está da educação, mas a pessoa negra de forma integral”, afirmou.

Encaminhamentos

Antes de encerrar a audiência, Iza Lourença determinou como encaminhamentos, dentre outros pontos, a indicação ao prefeito para a realização de uma ampla campanha para fomentar a autodeclaração na cidade; o pedido para a inserção do quesito raça/cor nos formulários da Câmara Municipal; e a solicitação para que o próximo concurso público para o provimento de cargos efetivos contenha reserva de vagas para pretos e pardos. A parlamentar contou ainda que trabalhará para que a Casa seja certificada com o selo BH Sem Racismo, que premia entidades que estabeleçam ações afirmativas.

Além de Iza Lourença, Gilson Guimarães (Rede) também participou da reunião.

Assista à íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir "O quesito raça/cor nos questionários municipais e a coleta e processamento de dados raciais pela Administração Pública de Belo Horizonte." - Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor