LEISHMANIOSE

Protetores querem que PBH revise política de eutanásia de cães infectados

Participantes de debate afirmaram que “extermínio” é ineficiente para acabar com doença e defenderam coleiras e tratamento com remédios

segunda-feira, 15 Setembro, 2025 - 21:00
Osvaldo Lopes e convidados da audiência pública assentados no Plenário Helvécio Arantes, tela atrás deles mostra apresentação sendo realizada

Foto: Cristina Medeiros/CMBH

Defensores da causa animal, especialistas e representantes de órgãos públicos estiveram na Câmara Municipal de BH na tarde desta segunda-feira (15/9) para debater o cenário da leishmaniose na cidade e políticas públicas para o enfrentamento do problema. A audiência foi realizada pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, a pedido de Osvaldo Lopes (Republicanos). Participantes da reunião se posicionaram contra a eutanásia de animais doentes, defendendo o uso de coleiras que repelem o mosquito-palha, transmissor da doença; testes mais eficientes para identificar corretamente os bichos infectados; e tratamento medicamentoso para os cães com leishmania. Já a representante da Diretoria de Zoonoses, Aline Nunes, afirmou que a política seguida pelo Executivo está de acordo as diretrizes do programa nacional estabelecido pelo Ministério da Saúde. O vereador afirmou que pretende criar um comitê de enfrentamento à doença para cobrar “ações efetivas” da Prefeitura de Belo Horizonte. Confira o resultado completo da reunião do colegiado.

"Política de extermínio"

A leishmaniose é uma doença que infecta animais e humanos, e, caso não seja tratada, pode causar a morte de até 90% dos indivíduos doentes. Ela é causada por um protozoário transmitido pelo inseto flebotomíneo, conhecido popularmente como mosquito palha. Cães e outros animais acabam sendo reservatórios do protozoário. Isso significa que a infecção se espalha quando o inseto pica o bicho e depois pica um humano. Embora a doença possa ser curada nas pessoas, nos animais ela pode apenas ser controlada com remédios. Uma das medidas possíveis para evitar os casos em humanos é a eutanásia dos animais infectados, prática que faz parte do enfrentamento à doença no Brasil. Contudo, para o médico veterinário e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Paulo Abílio Lisboa a abordagem é inadequada por deixar humanos e outros animais expostos. 

“Aqueles flebotomíneos que estão naquele local acabam picando as pessoas, e isso aumenta o risco, na verdade, quando você retira o cachorro. Quando coloca um outro cachorro, configura a doença novamente”, explica. 

Defensores de animais também são contra a eutanásia por considerarem que a prática desrespeita os direitos que os bichos têm. A advogada e mediadora especialista em direito animal Amanda Turolla caracterizou esse protocolo como "política pública de extermínio legitimada por atos normativos" e "crueldade sistemática".

“Quando um humano pega leishmaniose, ele não é morto para interromper o ciclo de transmissão. Então, porque com os animais a gente não pode ter esse mesmo olhar?”, propôs a advogada.

A protetora Raquel Miranda ainda relatou que, embora a eutanásia seja opcional, havendo tratamento particular disponível para os animais doentes, os agentes de zoonoses atuariam “impondo” aos tutores que eles devam entregar os bichos para serem eutanasiados. "Eles sabem como convencer as pessoas pelo medo. O cão é sempre o culpado e o mosquito é sempre esquecido", disse.

Testes rápidos 

Outro problema do protocolo adotado pela prefeitura, de acordo com os participantes da audiência, seria a falta de precisão nos testes rápidos que detectam a doença em animais. De acordo com a veterinária Vania Plaza, do Fórum Animal, muitos animais que apresentam resultado positivo no teste rápido não seriam retestados antes de ocorrer a eutanásia. O médico veterinário Vitor Ribeiro, especialista em leishmaniose, relatou um estudo que demonstrou que, entre 1993 e 1997, dos cerca de 15 mil animais eliminados por causa da leishmaniose em BH, quase 13 mil tiveram resultado falso-positivo no teste rápido. 

"Esse diagnóstico tem que ser confirmado. Não se mata animais baseado em memória imunológica. A presença de anticorpos pode significar muita coisa, mas ela não pode ser colocada como infecção que custa a vida de um animal. Métodos quantitativos devem ser adotados, métodos parasitológicos ou moleculares devem ser adotados”, defende o médico.  

Foco no mosquito

Para os convidados da audiência pública, o foco das ações da prefeitura deveria ser na eliminação do mosquito transmissor. A defensora animal Kátia Lopes falou sobre problemas de limpeza urbana ao redor da cidade, já que as larvas do inseto se desenvolvem em ambientes úmidos e com matéria orgânica, como terrenos cheios de entulhos e fezes de animais. 

"O que a gente não entende é a matemática da prefeitura. A prevenção é sempre mais barata do que o tratamento", defende Kátia.

Outra medida de combate ao mosquito palha é colocar nos animais uma coleira impregnada com um inseticida, com validade de quatro a seis meses, que protege o animal da picada. A protetora Eliana Malta sugeriu que o poder público dê a coleira para os animais que testaram positivos para a doença, a fim de que o protozoário não se espalhe e o animal possa viver. Já Vitor Ribeiro defendeu que todos os animais sejam encoleirados, independentemente de serem soropositivos ou soronegativos.

Resposta da prefeitura

Representando a Diretoria de Zoonoses, Aline Nunes afirmou que a política adotada pelo Município é regida pelo Programa de Nacional de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. "Tudo que a gente faz tem respaldo do Ministério da Saúde", ressaltou. Também representando a pasta, Alisson Oliveira da Silva explicou que a maior parte dos cães não manifestam sintomas da infecção. Os testes rápidos são enviados pelo Ministério para a cidade e, quando dão positivo, o diagnóstico é confirmado pelo teste ELISA, que detecta a presença de anticorpos no sangue. De acordo com ele, a eutanásia dos animais não é obrigatória, e menos de 40% dos tutores fazem a entrega dos bichos infectados. Em BH, a maior incidência da leishmaniose é na Regional Norte e alguns locais da Regional Noroeste.

Alisson também afirmou que Belo Horizonte faz parte de um programa de distribuição de coleiras protetoras, que são entregues em áreas prioritárias. São mais de 36 mil animais encoleirados por ano, segundo ele, porém, animais doentes não recebem a coleira, de acordo com a recomendação oficial do Ministério da Saúde. Além disso, a PBH também borrifa inseticidas em áreas de risco – foram cerca de 51 mil imóveis borrifados em 2023. Alisson defende que a eutanásia está ligada a uma redução dos casos da doença em humanos, mas que não é uma medida única.

"A eutanásia sozinha não resolve o problema, isso é fato. O programa de controle está associado ao controle químico, à orientação de educação em saúde, manejo ambiental, diagnóstico dos animais para entender a situação epidemiológica e encoleramento. São medidas associadas", afirmou o representante de Zoonoses.

Após duas horas de audiência, o tempo regimental para duração da reunião terminou e o encontro prosseguiu de maneira informal.

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para debater sobre a situação da Leishmaniose e o Enfrentamento com Ciência, Cuidado e Responsabilidade.- 30ª Reunião Ordinária - Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana