Auxílio para alunos da rede municipal até regularização da alimentação escolar em pauta
Valor e transitoriedade do auxílio seriam insuficientem para atender a proposta, afirmam participantes de audiência pública
Foto: Karoline Barreto/CMBH
A proposta do Executivo de instituir o programa Auxílio Belo Horizonte, de caráter provisório, para famílias em situação de extrema pobreza, pobreza e insegurança social, como medida de enfrentamento às consequências sociais e econômicas da pandemia da covid-19 foi debatida pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, nesta quinta-feira (5/8). O programa terá duas modalidades, beneficiando famílias de estudantes da rede municipal de ensino e também pessoas inscritas em cadastros de programas sociais. No primeiro caso, será concedido subsídio financeiro de R$100,00 mensais por família com estudante matriculado na rede pública municipal de educação, até a regularização da oferta da alimentação escolar. Este foi o foco da audiência pública, solicitada por Macaé Evaristo (PT) e Pedro Patrus (PT). A necessidade de aprofundar o debate e encontrar melhores soluções para o auxílio foi defendida pelos participantes, que questionaram o valor do benefício e a periodicidade da concessão, bem como a suspensão da cesta básica quando do retorno presencial das aulas. Na próxima semana, nova discussão deve tratar outros aspectos do projeto.
Macaé Evaristo defendeu que o município tenha uma renda básica permanente, considerando o momento de ampliação das desigualdades. Ela enfatizou a preocupação com a falta de um benefício duradouro para as famílias em situação de pobreza e expressou o desejo de que o debate ajude a construir uma solução capaz de minimizar os problemas de segurança alimentar enfrentados pela população carente da cidade, sobretudo, pelos alunos da rede municipal de ensino que estão sem o reforço alimentar, garantido antes da pandemia pela merenda oferecida nas escolas. Pedro Patrus apoiou a colega de partido, afirmando que “a fome não espera”.
Além de destacar a representatividade da audiência, Iza Lourença (Psol) lembrou que seu partido defende essa ideia e já promoveu vários debates sobre a questão, tendo inclusive promovido abaixo-assinado para reivindicar um auxílio emergencial para as famílias carentes da cidade. Iza argumentou que o auxílio vai ajudar a encarar os desafios que os mais pobres estão enfrentando e que BH precisa pensar em um projeto de renda emergencial aliado à distribuição de cestas básicas. Flavia Borja (Avante) e Professora Marli (PP) manifestaram disposição em contribuir com o debate e aprender com os participantes.
Garantia da cesta básica
Secretária municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares explicou as estratégias adotadas pela PBH no início da pandemia, quando as aulas foram suspensas, para evitar o desperdício de alimentos que já estavam nas escolas e para garantir que os alunos tivessem uma alimentação básica em casa. Ela lembrou os desafios do poder público para efetivar a primeira distribuição de cestas básicas para as famílias de alunos da rede municipal, realizada em março de 2020, evitando aglomerações. Segundo ela, a descentralização dos pontos de distribuição também contribuiu para o melhor acesso das famílias ao benefício.
Maíra explicou também que neste momento, devido à logística adotada para o retorno às aulas presenciais, a Prefeitura considera que a oferta de alimentos para os alunos não está regularizada. "Atualmente, as escolas não tiveram um retorno regular e, mesmo retornando com a alimentação escolar, a gente considera que ela não está normalizada e que precisamos ter uma forma de retaguarda para garantir a alimentação dos estudantes”, afirmou. A secretária explicou que o Auxílio BH cria estratégias para que as famílias tenham acesso aos dois benefícios: o subsídio financeiro de R$100,00 por família, durante seis meses; e o subsídio financeiro no mesmo valor, destinado às famílias com estudante matriculado em escolas municipais e que serão concedidos até a regularização da oferta da alimentação escolar. Maíra acredita que até o mês de novembro, as famílias já poderão ter acesso aos benefícios e assegurou que as cestas básicas não serão suspensas até que a alimentação nas escolas volte a ser ofertada de forma integral e regular.
Marcela Trópia (Novo) quis saber se haverá uma substituição da cesta básica pelo auxílio BH e qual é a fonte de receita que vai garantir o recurso, uma vez que, de acordo com ela, não teria ficado claro no projeto de lei quanto será gasto com esse auxílio. Maíra afirmou que o gasto mensal da secretaria gira em torno de R$ 30 milhões. “Deve aumentar para R$35 milhões/mês, considerando que algumas famílias vão acumular benefícios. Nossa perspectiva de gastos com esse programa é de R$163 milhões”, afirmou. A secretária esclareceu ainda que não há um monitoramento de frequência dos alunos para fins de suspensão de cesta básica. “Enquanto não houver a garantia de alimentação escolar de forma regular e universal, não haverá corte de cesta básica”, garantiu.
A secretária municipal de Planejamento, Gestão e Finanças da Secretaria Municipal de Educação, Nathalia Araújo, concordou que a segurança alimentar dos alunos ficou prejudicada, indicando como causa as medidas de distanciamento e a presença de alunos em dias alternados, e defendeu a manutenção da distribuição de cestas básicas até que o retorno das aulas seja regularizado. “Com o retorno gradativo dos estudantes, a segurança alimentar fica muito aquém do desejado. Se antes todos os alunos frequentavam a escola todos os dias, hoje é bem diferente e temos que avaliar ainda as medidas protetivas que limitam nossa atuação”, alegou. De acordo com Nathália, houve uma restrição no cardápio imposta pela redução de funcionários dentro da cantina; uma limitação para utilização do espaço da cantina, como forma de evitar aglomeração de alunos, entre outros. A secretária lembrou ainda que as cantineiras integram o grupo de maior risco para covid tanto por causa da idade quanto pelas comorbidades apresentadas e ciclo de vacinação incompleto.
Alimentação: direito de todos
Diretora do Sind-Rede, Vanessa Portugal contrapôs os argumentos das secretárias refutando a ideia de que a escola deve garantir a alimentação dos alunos. Para ela, é bastante claro que deve haver uma política pública capaz de garantir a alimentação de toda família. “A falta de alimento em casa deve ser resolvida pelo governo. É uma distorção que a criança tenha que se alimentar na escola por que não tem alimento em casa”, disse. Vanessa ainda questionou o valor estipulado pelo auxílio: “R$100,00 foi o custo de uma cesta básica que a PBH comprou no atacado, em larga escala. Ainda tem o gás, a complementação da alimentação com verdura, carne, fruta”.
Ao dizer que houve um crescimento de receita de 12%, Vanessa questionou onde foram aplicados os recursos. “Na educação houve uma queda nos gastos; na assistência houve um aumento de 2,7% em 2019 para 3,5% em 2020; o gasto com saúde ficou congelado; os recursos não foram aplicados em moradia. Então, onde foram alocados?”, perguntou. Os dados apresentados foram questionados por Maíra Colares, que disse ter sido necessário abrir crédito suplementar e que o orçamento da Secretaria de Assistência Social aumentou 23% de 2016 a 2019, fechando 2020 com R$557 milhões investidos.
Danilo Jorge Vieira, economista da Unicamp, destacou que o caráter transitório do PL pode frustrar a intenção. Ele ressaltou que, embora tenha como objetivos principais garantir melhores condições para que as famílias mais necessitadas de BH possam enfrentar os efeitos sociais econômicos advindos da crise pandêmica e reforçar as políticas sociais de proteção em assistência social, o PL não tem condições de atender a essas premissas. Segundo o economista, ainda que a pandemia termine em seis meses, tempo proposto para distribuição do auxílio, os efeitos dela vão perdurar por um longo período. “Precisamos de políticas robustas e não de auxílios emergenciais. O PL ainda aponta para a descontinuidade de distribuição de cestas básicas, o que vai implicar na redução dos recursos aplicados em assistência social”.
Escolas conhecem o problema de perto
Tanto a vice-diretora da Escola Emuc, laná Costa Andrade, quanto o representante da Escola Municipal Milton Campos, Nilton Francisco Cardoso, relataram situações vivenciadas por alunos que remetem à falta de alimentação. De acordo com eles, é comum os trabalhadores se unirem para garantir cesta básica para famílias mais carentes. Nilton destacou a falta de dignidade que a fome impõe às pessoas e Ianá alertou que a queda de renda de famílias carentes, a maioria chefiada por mulheres, obriga os estudantes a entrar no mercado de trabalho cada vez mais cedo “para ajudar na renda da famíla”. Segundo ela, o contexto de redução do auxílio do governo federal e o aumento no custo de vida geram uma ansiedade na comunidade em relação à retirada da cesta básica oferecida pelo município.
Presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Belo Horizonte, Diana Nascimento também chamou a atenção para o valor do auxílio, que na opinião dela, deve ser capaz de garantir uma cesta verde. Segundo a nutricionista, o “valor irrisório” não vai trazer segurança alimentar para as famílias. Ela destacou a importância do repasse em espécie, que “vai garantir soberania alimentar e favorecer a compra local”.
O valor do benefício também foi questionado pelo representante de pais, presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE/BH), Helder de Paula: “Quando se fala que vai dar R$100,00, eu penso que o gás custa R$99,00”. Segundo ele, a Prefeitura pode fazer melhor e o fato de haver debate é sinal de que há disposição para melhorar a alimentação de quem precisa.
A subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional, Darklane Rodrigues Dias, relatou a dificuldade logística de inserir uma cesta verde para cerca de 300 mil famílias, dado o caráter perecível dos alimentos. Ela concordou com Diana que a questão da territorialidade pode beneficiar muito a segurança alimentar das famílias. A subsecretária fez um apanhado das ações da PBH na distribuição da alimentação, afirmou que o auxílio será garantido com os Recursos Ordinários do Tesouro (ROT) e endossou a fala de Maíra ao reconhecer a necessidade da continuidade da política de distribuição de cestas enquanto perdurar a política de distanciamento que impede o retorno integral dos alunos às salas de aula.
Macaé destacou a proposta da audiência de avançar no debate com o intuito de compreender melhor as ações propostas pelo Executivo e dirimir a preocupação com a suspensão da cesta básica. A parlamentar informou que vai encaminhar os questionamentos formalmente para que haja mais clareza da proposta e para reforçar as questões levantadas pelos convidados.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional