DIREITOS HUMANOS

Moradores temem violência em ação de reintegração de posse no Olhos D'água

Comunidade denunciou abusos recentes e afirmou que há novos empreendimentos sendo erguidos na área a ser desapropriada, ao longo da extinta Rede Ferroviária Federal

terça-feira, 4 Junho, 2019 - 19:15
Parlamentares e convidados compõem mesa de reunião

Foto: Sidney Lopes/ CMBH

A Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor realizou audiência pública, nesta terça-feira (4/6), para debater a situação dos moradores da Vila Nova, Beira Linha e Morro do Calango, que ocupam área desativada da extinta Rede Ferroviária Federal, localizada no Bairro Pilar/Olhos D'água (Região Oeste de Belo Horizonte). Foi obtida reintegração de posse pela Superintendência de Patrimônio da União (SPU), a ser feita pela Polícia Federal em 55 dias. Moradores denunciaram que há empresas ocupando o local, inclusive invadindo a Estação Ecológica do Cercadinho, da Copasa. Também foi denunciada a destruição de moradias, em outra ação de reintegração de posse e até por milícias. Representantes do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União apontaram erros no processo de reintegração, como a não comunicação das ações aos órgãos.

“Estive lá dois dias depois da operação de reintegração, com derrubadas de casas de moradores dessa ocupação. Nós acreditamos que a população das ocupações deve ser ouvida. Nossa função legislativa é mediar esse tipo de conversa. As coisas que têm acontecido lá são de encher nosso coração de angústia, com ações à noite, (homens) mascarados, fogo...”, destacou o vereador Pedro Patrus (PT), solicitante da audiência.

O vereador Gilson Reis (PCdoB) declarou solidariedade à questão da moradia, afirmando, também, que o Estado se posiciona em favor dos mais ricos, em detrimento dos mais pobres. “Temos aqui um limbo, precisamos de informações oficiais, até pra tomar nossas providências, do ponto de vista político, social, econômico. É preciso reforçar a solicitação de documentações para que tomemos posição”, apontou.

Representante dos moradores da Vila Nova, Mauro Henrique Soares informou que são cinco comunidades e cinco mil famílias dentro de uma única ocupação, em mais de 12 km ao longo da linha férrea. Ele citou empresas que estão empreendendo ou empreenderam no local que será desapropriado. “Acusam-nos de ter entrado na área do Cercadinho, mas permanecemos dentro da área da ferrovia. Cercas foram construídas dentro da área da União, mas ninguém fala de invasão dos empresários. Nascentes da região foram secadas pelo uso dos motéis. Foi feita reunião com a PM e empresas, sem ninguém da comunidade”, disse. Ele também acusou a SPU de colocar manilhas na entrada da Vila, atrapalhando o percurso e até o acesso à água, além de denunciar ataques de milicianos, que teriam ocorrido no dia 16 de maio: “deixaram para nós uma cena de guerra”.

“Sim, nós ocupamos a terra, que não é produtiva, que estava abandonada por todo mundo, pelo Estado, pelo Município. Depois de seis anos de ocupação, por que foram fazer empreendimento para mexer com os fracos e necessitados?”, questionou o morador Wanderley Mariano da Silva.

Cercadinho

Já Ubirajara Pires, presidente da Associação do Belvedere (que faz divisa com o local), defendeu a Estação Ecológica do Cercadinho. Segundo ele, a região é composta pela Copasa e “todas as áreas sem ocupação de construção” e foi doada ao município por Aarão Reias na fundação da cidade. “As águas captadas no Cercadinho são área de recarga. Com a criação da Estação Ecológica, todas as construções foram impedidas. Toda a área vaga, inclusive a linha férrea, pertence à Estação Ecológica do Estado. A nossa luta de 20 anos foi para não construir nessas áreas”. Quando questionado sobre por que não conseguiu barrar a construção de um shopping, ele respondeu não ser ele quem aprova os empreendimentos.

Disputas

A vereadora Bella Gonçalves (Psol) contou que já esteve várias vezes no local e fez diversos pedidos de informação aos órgãos competentes, sem resposta. Também afirmou que, quando a comissão tomou conhecimento da Vila Nova, não havia ação proposta pela União, mas disputas entre empresários e habitantes pelo espaço. Ela contou que levará a questão ao Ministério Público, pois considera que nem todas as pessoas interessadas estão cientes do processo. A vereadora lamentou uma aparente desconexão entre os órgãos de defesa e a lógica da justiça social: "tiram as casas (populares), mas não tiram empreendimentos”, pontuou.

A acusação foi corroborada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, Helder Magno da Silva: “a ação proposta pela SPU/AGU de reintegração tem algumas falhas. Parece-me que a AGU, ao propor a reintegração, faltou com o dever de apresentar todos os fatos. Se ela tinha informação que algumas pessoas estavam lá, ao propor reintegração, teria que apontar o nome das pessoas, o que é mais uma nulidade da decisão consubstanciada nessa ação”. Ele também apontou outras falhas: na ação judicial de reintegração proposta em outubro de 2018 não foi pedida intimação do MP para que ele participasse do processo e não houve reassentamento adequado de pessoas. O magistrado afirmou que levará o caso para a conciliação da justiça.

Em perspectiva semelhante, o defensor público da União João Marcio Simões afirmou que pediu "efeito suspensivo e o juiz não olhou, apressado em cumprir a ordem. Também não analisou até hoje os embargos que estão lá há mais de 60 dias. O agravo de instrumento que fiz, ele tampouco examinou. Já são 55 dias, e um oficial de justiça vai voltar lá e pôr todo mundo na rua”, sentenciou, pedindo à Câmara que atente para a política habitacional do Município, a qual seria ineficiente ou mesmo inexistente, de acordo com ele. 

A questão do cadastro das famílias também foi levantada pela diretora de Assistência Social da Regional Oeste, Maria Angélica Barros Menezes, que afirmou não ter recebido pedido de cadastro na Vila Nova. A gestora colocou a Regional à disposição para fazer busca ativas na área, juntamente com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), além de novos cadastros.

Para a diretora de mediação de conflitos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Maria Eunice Natalina, a Polícia Federal tem obrigação de abrir uma mesa de diálogo para chegar a um acordo entre as partes. “Fizemos consulta à SPU, não temos pedido de atuação nessa área. Por favor, nos identifique para fazer visita”, solicitou.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Comissão de Direitos Humanos - Audiência pública para debater a situação dos moradores da Vila Nova, Beira Linha e Morro do Calango