Convidadas falam sobre dificuldades no ensino à distância nas favelas
Foram relatados problemas em arranjar alguém para ficar com os filhos durante trabalho, sobre material ruim e falta de acesso a suprimentos
Foto: William Delfino/CMBH
“Que tipo de educação queremos para nossas crianças? Que tipo de escola a gente deseja para nossas crianças?” Foi com perguntas como essas que a professora Débora Martins da Costa Barbosa iniciou sua participação da reunião da Comissão de Mulheres, nesta segunda-feira (22/6). Ela foi uma das cinco convidadas a falar sobre impactos da pandemia no ensino e medidas de contenção de risco, do ponto de vista das mulheres. O Colegiado também aprovou em 2º turno parecer favorável à Emenda 1 ao Projeto de Lei 763/19, de autoria do vereador Jorge Santos (Republicanos), que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotarem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco. A emenda retira dos estabelecimentos a obrigatoriedade de disponibilizar acompanhamento ao meio de transporte às mulheres em risco, deixando a eles a “indicação das possibilidades de transporte disponíveis”.
A articulação de uma rede de apoio às mulheres trabalhadoras, especialmente da periferia, principalmente em relação à vida escolar dos filhos, foi colocada em discussão por várias convidadas, como a professora Débora Martins da Costa Barbosa. Ela informou que a rede municipal de ensino está com as aulas paralisadas e sem retorno previsto, e elencou algumas medidas tomadas pela escola onde trabalha, como tentar estabelecer algum tipo de contato com alunos (por meio de chat), doação de cestas básicas e reuniões semanais entre professores. Ela não indicou quantos alunos a escola possui, mas disse que o contato diário está sendo feito com 80 alunos, o que seria “realmente mínimo”. “Nossa preocupação, no momento, é não deixar os alunos completamente abandonados. É ali que eles têm espaço de convívio social. A perda do convívio tem sido muito sofrida para eles”, afirmou, lembrando que a escola citada tem ensino integrado e boa parte das crianças frequentava a unidade por 10 horas/dia. Barbosa também explicou que o ensino à distância, trazido pela pandemia, “pode significar aumento da desigualdade”, e que “a gente quer mitigar ao máximo possível essa disparidade”.
Aparentemente, essas dificuldades estão sendo sentidas na pele pela diarista Deisilene Aparecida da Silva, que cuida sozinha de três filhos em idade escolar. Ela citou algumas, como não ter com quem deixar os filhos para trabalhar, problemas com a estrutura e o custo da apostila indicada para o ensino à distância, aumento dos gastos com os filhos em casa e acréscimo no preço de itens alimentícios. Segundo ela, a apostila “não dá estrutura” para ensinar os filhos e “não está tendo diferença nenhuma no estudo”. Ela também pediu para que o material seja entregue impresso nas mãos dos alunos. Além disso, citou problemas em pagar a internet para ter acesso aos conteúdos da escola. “A maioria das mães tinha o lanche da criança na escola, tinhas os professores ali, qualquer dúvida que tinha... Eu, como mãe, estou quase pedindo socorro para auxiliar meu filho, principalmente na escola”, desabafou.
Isolamento seletivo
“Pra mim, a quarentena só serve pra classe média e alta”, sentenciou a moradora do Alto Vera Cruz e líder comunitária Simone Oliveira, completando que ela mesma, “de periferia, mãe de quatro adolescentes”, não sabe o que é a pandemia. Ela criticou o direcionamento das escolas para lidar com o problema: “Há 15 dias soltaram um material (...) meu filho vai desenhar, ele tem 12 anos”. Simone reclamou do preço de impressão da apostila, de R$ 23 cada (ela tem dois filhos que a utilizam, somando R$ 46). Indignada, fez algumas perguntas: “Como [se] faz quarentena numa casa que tem 10 pessoas? Como [se] consegue segurar um adolescente dentro de casa? Por que não tem um canal 0800?” Simone citou outros problemas como a repressão policial, a atração do tráfico e das drogas sobre crianças que agora estão nas ruas, e a violência doméstica. Ela reclamou que o Estado trouxe para as mães do território a obrigação de tomar conta dos filhos das vizinhas. “A escola fechou, o Cras fechou, mas o meu portão não se fechou. Além de ser mãe, eu sou uma liderança. Nós, favelados, não estamos vivendo a realidade que o governo diz que é pra ser vivida. O Cras não pode ficar de porta aberta, ela [a atendente do Cras] não pode ficar contaminada, mas a Simone pode, por que é negra?”
A vereadora Cida Falabella (sol) considerou importantes as denúncias e afirmou que as mulheres, “apesar de toda essa dor, essa dificuldade, encontram forças para atender outras mulheres”. E concluiu: “Não estamos no mesmo barco, isso é mais nítido que nunca”.
“Nossas crianças estão na rua mesmo, todo mundo soltando papagaio. A rua é muito atraente, eu sempre falei isso para as mães. A criança na favela tem esse costume de brincar na rua”, explicou Floriscena Estevam, professora da Escola Municipal Professor Edson Pisani, localizada no Aglomerado da Serra. Flor lembrou problemas anteriormente citados, como a dificuldade em cuidar dos filhos durante a pandemia e a vulnerabilidade das crianças. Também criticou a apostila, que considerou “de péssima qualidade” e “com muitos erros”. Ainda de acordo com ela, a escola fez uma montagem de atividades para as crianças realizarem em casa e os professores têm grupo de WhatsApp ou Facebook com famílias da turma, onde trocam ideias sobre como fazer as tarefas. Entretanto, seria difícil conectar essas pessoas, principalmente por conta de mudanças constantes nos números de celulares: “Se você não mora na favela (...), você tem que conhecer pessoas que se disponham a fazer essa ponte, a encontrar essas famílias”. Flor também considerou que o isolamento social é um privilégio: “Quem se isola é quem tem condição, é condição financeira”. Denunciou que as crianças estão, como as famílias, jogadas nas ruas, enquanto nas escolas os alunos tinham de quatro a seis refeições diárias: “Não se pensa no uso da pandemia como mais uma forma de precarização da educação, para o pobre, o favelado, o filho da favela”. Por fim, questionou a criação de obstáculos sem propostas viáveis, sugerindo a implantação de pontos de internet nas comunidades.
A gente não quer só comida
Para a professora, moradora do Alto Vera Cruz e organizadora do Projeto “A gente não quer só comida”, Priscila Regina de Souza Tomas, “é outra realidade falar de pandemia dentro da favela”. Ela explicou o nome do projeto, ao lembrar que cestas básicas já estão sendo distribuídas, mas que as mães não sabem “o que vai ser dos estudos dessas crianças”. Por meio da iniciativa, a educadora atende, por dia, 12 pessoas, em grupos de quatro, por duas a três horas. Durante esse período esses estudantes recebem reforço escolar e intermediação com outros professores, inclusive em relação à apostila enviada para ensino à distância, que a professora considerou “surreal”, principalmente pelo prazo para entrega das atividades, mas também por abordar assuntos que os alunos ainda não estudaram e pressupor a dependência da orientação dos pais. Sobre o projeto, ela concluiu: “Mesmo que seja uma ou duas horas que esta criança fica dentro da minha casa, é uma ou duas horas em que ela não está na rua”.
Cida Falabella se emocionou durante os relatos: “deixam a gente sem palavras”. Optou por dar encaminhamentos na próxima reunião, para “refletir um pouco mais sobre esses pedidos de informação” com mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Falou, ainda, em encaminhar a questão da viabilidade de implantação de acesso à internet nos territórios, assim como a distribuição de material didático de forma física.
Também para a vereadora Bella Gonçalves (Psol), a quarentena é um privilégio de classe, e os governos estadual e federal estariam “jogando contra a possiblidade de se fazer isolamento”. Ela afirmou estar discutindo sobre a questão da assistência social, “serviço essencial, que tem funcionado de forma remota” no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. Alertou sobre a dificuldade do cenário social da escola, porque a responsabilidade ficaria toda sobre as mulheres.
O vereador Edmar Branco (PSB) falou em “sentar à mesa e discutir com todo mundo envolvido” e encaminhar para a Comissão de Mulheres da Assembleia informações sobre o material da apostila que não funcionou.
Participou da reunião, de forma presencial, o vereador Edmar Branco. Participaram remotamente os vereadores Bella Gonçalves, Cida Falabella, Maninho Félix (PSD) e Marilda Portela (Cidadania).
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional