Aumento da pobreza sobrecarrega CadÚnico, que tem 11 mil na fila de espera em BH
Falta de atualização de dados prejudica construção de políticas consistentes de proteção social, advertem participantes
Foto: Karoline Barreto/CMBH
O aumento do número de pessoas aguardando inscrição no CadÚnico para acessar programas sociais sugere que o município não tem capacidade operacional para atender a demanda. A constatação é de vereadores, pesquisadores e entidades da sociedade civil que participaram de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (13/9), a pedido de Bella Gonçalves (Psol), Iza Lourença (Psol), Macaé Evaristo (PT) e Pedro Patrus (PT). De acordo com Bella, existe hoje em Belo Horizonte uma fila com mais de 11 mil pessoas aguardando para fazer o cadastro. A Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania informou que a PBH investe mais de R$ 7 milhões/ano em recursos humanos, infraestrutura e insumos para a manutenção do CadÚnico e que a descentralização do serviço em mais dois centros e a ampliação dos horários de atendimento vão contribuir para agilizar o acesso ao cadastro, impactado pela pandemia, que fez crescer o número de pessoas situadas abaixo da linha da pobreza e extrema pobreza. Os participantes defenderam a necessidade de reforçar as equipes que atuam na atualização do CadÚnico e apontaram a falta de transparência dos dados sobre as pessoas em situação de rua e os problemas que a subnotificação dessa população pode gerar, como volume menor de recursos dos governos federal e estadual.
“Essa fila impede que as pessoas acessem direitos como Bolsa Família ou até mesmo o auxílio emergencial que a PBH propôs”, afirmou. Para Macaé Evaristo, é muito importante entender a dinâmica dos cadastros existentes, “uma vez que são utilizados cerca de 19 cadastros das mais variadas fontes", revelou.
O subsecretário de Assistência Social, José Crus, fez uma contextualização histórica do CadÚnico e apresentou as medidas adotadas para continuar prestando o atendimento, mesmo durante a pandemia, tendo em vista que "ser cadastrado significa ter mais proteção social e mais cidadania". Segundo ele, a PBH investe mais de R$ 7 milhões/ano em recursos humanos, infraestrutura e insumos para a manutenção do CadÚnico. O subsecretário citou a descentralização do serviço em mais dois centros de população de rua: o CentroPop Leste e o CentroPop Centro-sul, como um esforço institucional para ampliar o acesso ao cadastro. “Descentralizar corrobora com esse processo de atuação proativa de atendimento a essa população. De janeiro a agosto deste ano, foram mais de 53 mil cadastrados". Crus reclamou dos cortes realizados pelo governo federal que afetaram o desempenho da pasta. “A demanda tem crescido cada dia mais e estamos fazendo um esforço pra não deixar ninguém de fora, sempre utilizando os cadastros oficiais”. Ele explicou que o avanço da vacinação e a flexibilização de alguns serviços possibilitaram um retorno gradual das atividades. “Estamos ampliando o horário de atendimento presencial das nossas unidades, uma proposta que foi construída com a participação dos trabalhadores, que já estão vacinados”, disse.
Muita demanda para poucos trabalhadores
A descentralização do cadastramento e a contratação de mais entrevistadores estão entre as estratégias exitosas para melhorar o acesso, citadas por Eduardo Cruz, representante do Fórum Municipal de Trabalhadores do Suas. Ele reconheceu que o reforço das equipes e a ampliação para 34 postos de cadastramento são fundamentais para dar celeridade aos processos de cadastro, mas reclamou que o número de contratados ainda é insuficiente. Eduardo Cruz afirmou que existem pedidos de cadastros que estão aguardando resposta há mais de seis meses e que, com a pandemia, o CadÚnico se tornou a porta de entrada para a maioria dos benefícios, o que aumentou a demanda consideravelmente, fazendo com que as novas contratações já chegassem em desvantagem. “Pessoas que precisam tirar um documento e não têm recursos, buscam se cadastrar para conseguir uma isenção de taxa e não podem esperar tanto tempo. Nosso desafio é muito grande”, alegou, ao explicitar que é obrigação do município garantir a inserção no cadastro.
O representante dos trabalhadores do Suas também denunciou a falta de privacidade a que os usuários são submetidos quando “precisam relatar toda uma vida na recepção de uma unidade de acolhimento”. Segundo ele, são lugares inapropriados que trazem constrangimentos e que são utilizados muito antes da pandemia. Por fim, Eduardo Cruz questionou se a capacidade operacional dos postos é suficiente: “Precisamos responder se os 34 postos de cadastramento atendem à demanda real da população mais vulnerável, e precisamos responder isso rápido. Essa pauta tem que ser levada muito a sério e não tem sido”, completou.
Insegurança alimentar
Representante do Conselho Municipal de Segurança Alimentar, Egídia Maria endossou a fala de Eduardo. Segundo ela, a pandemia fez triplicar o número de pessoas situadas abaixo da linha da pobreza e extrema pobreza e, em razão disso, a pauta da insegurança alimentar e da fome retornou. Ela salientou que é dever do município manter os dados atualizados de modo que eles sirvam para elaboração de políticas públicas capazes de atender aos mais vulneráveis e que a subnotificação, observada nos cadastros, é prejudicial para as políticas públicas em geral, mais particularmente, para a segurança alimentar.
“Como bem lembrou o subsecretário José Crus, todos os benefícios dependem do CadÚnicio. Para elaborar políticas públicas robustas, precisamos contar com dispositivos para nos apossar desses dados, tanto o poder público quanto a sociedade civil”, argumentou. Egída reclamou da falta de acesso aos dados e advertiu para necessidade de participação de diversos atores. “Falta espaço para construção coletiva. Estamos no caos e exatamente por isso precisamos trabalhar juntos e dialogar, mesmo na divergência, para criar dispositivos para fazer ver, ouvir e falar”, disse. Ela apontou como causas do “caos” que está presente no CadÚnico o pequeno número de servidores - devido à falta de concursos públicos - e a pouca estrutura de trabalho, especialmente na proteção básica. “Que a gente avance no enfrentamento para vencer esse caos. Essa luta é de todos nós”, finalizou.
Dados incompletos
A falta de transparência dos dados também foi questionada pelo professor André Dias, do Instituto Polo da Cidadania/UFMG. André informou que o instituto analisou os dados dos CadÚnico e produziu uma nota técnica sobre a violação dos direitos da população de rua. Ele questionou por que a PBH não disponibiliza no portal dados abertos do período anterior a setembro de 2020. Segundo ele, é “arbitrária e absurda” a decisão da PBH de trabalhar com dados referentes a 12 meses de atualização. “Existem 8.560 pessoas cadastradas no CadÚnico e só 2 mil têm cadastro atualizado nos últimos 12 meses. Precisamos saber onde estão essas pessoas cadastradas. Nossos estudos apontam que esse número pode ser superior a 10 mil pessoas”, alertou. Segundo o professor, é necessário fortalecer o cadastro único e isso seria uma obrigação da PBH, que não poderia ser executada sem a contratação de mais trabalhadores: “A Prefeitura não tem cumprido suas atribuições, principalmente em relação às pessoas em situação de rua”.
Ao denunciar que os dados disponíveis no portal da PBH, referentes aos meses de fevereiro e março de 2021, são idênticos, André Dias chamou a atenção para os prejuízos que a falta de dados pode acarretar. De acordo com ele, a subnotificação interfere nos recursos financeiros liberados pelos governos federal e estadual, destinados ao cadastro e, ao deixar de receber esses recursos, a PBH compromete o trabalho. Ainda segundo ele, a subnotificação “inviabiliza o acesso aos dados abertos e séries históricas da população de rua para que possamos nos debruçar e analisar os números”.
Para Samuel Rodrigues, do Fórum da População em Situação de Rua de BH, são dados inconvenientes que as cidades não querem registrar. “Quando se trata de população de rua, ninguém quer cadastrar. Nenhuma cidade quer que apareça nos seus dados que existe população de rua, mas precisamos saber quem são”, argumentou. Ao reclamar que a PBH não quer saber quem são essas pessoas, ele defendeu a necessidade de reconhecê-las no CadÚnico, que ele acredita que deva ser muito mais que a porta de entrada para o sistema público de assistência social.
Macaé defendeu que a existência de diversos cadastros pode trazer desigualdades e que o ideal é usar apenas um “para dar mais transparência". Bella propôs solicitar à PBH um plano para sanar o déficit do cadastro único, com estratégias coordenadas e planejadas para ampliar a oferta. Em resposta a José Cruz, que pediu um olhar atento dos parlamentares para o CadÚnico, que, segundo ele, estaria ameaçado, Macaé garantiu que os vereadores estão atentos. “BH sempre resistiu a essas construções clientelistas”, assegurou.
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