VETO TOTAL

Criação de escolas bilíngues em Libras e em português é vetada por Kalil

Para o prefeito, escolas regulares da rede municipal já atendem alunos surdos e surdocegos

quinta-feira, 17 Março, 2022 - 11:30

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Instituir diretrizes para a criação de escolas capazes de garantir o ensino de Libras como primeira língua e de Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua. Este é o objetivo do Projeto de Lei 22/2021, de autoria da vereadora Professora Marli (PP), que foi integralmente vetado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD). O veto e sua fundamentação foram publicados no Diário Oficial do Município (DOM) desta quarta-feira (16/3). Visto pela maioria dos vereadores como um avanço na garantia dos direitos da comunidade surda e surdocega de Belo Horizonte, o texto, que foi considerado inconstitucional e não inclusivo pelo Executivo, visa garantir a essa parcela da sociedade atendimento adequado na rede municipal de educação de BH. Professora Marli contesta o veto e destaca falta de conhecimento do Executivo ao não acatar e sancionar a proposta. O veto será analisado pelos vereadores, que podem mantê-lo ou derrubá-lo.

Inconstitucionalidade e inclusão

Ao vetar o PL 22/2021, que foi aprovado em fevereiro na forma do Substitutivo 1, o prefeito Alexandre Kalil se apoia em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6590) movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra o Decreto Federal 10.502/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial. O STF, que suspendeu os efeitos do decreto por meio de medida cautelar (quando são antecipados os efeitos de uma decisão antes do julgamento final), afirmou que “a Constituição estabeleceu a garantia de atendimento especializado às pessoas com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino”, sendo que “o paradigma da educação inclusiva é o resultado de um processo de conquistas sociais que afastaram a ideia de vivência segregada das pessoas com deficiência ou necessidades especiais para inseri-las no contexto da comunidade”.

De acordo com o veto do prefeito, o STF afirma ainda que a Constituição não veda a existência de escolas especializadas, mas estabelece como primeira hipótese a “matrícula de todos os alunos no sistema geral.” Para o STF, o decreto federal estaria violando as normas que norteiam a matéria, por “deixar de enfatizar a absoluta prioridade da matrícula” no sistema educacional geral, “ainda que demande adaptações por parte das escolas”. Segundo o prefeito, a proposição aprovada pela CMBH “incorre no mesmo vício” do decreto federal ao não estabelecer a priorização da educação inclusiva.

Alternativa educacional ou exclusão?

Na defesa da legislação federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) sustenta que o objetivo do texto seria “criar alternativas educacionais” para atender estudantes da educação especial que não se beneficiam da escolarização comum”. A AGU também afirmou que a política educacional proposta “mantém a diretriz de que o ensino especial deve ser ofertado preferencialmente na rede regular”. O argumento foi rechaçado pela Suprema Corte ao se posicionar contra o decreto.

Para ampliar o debate, o STF promoveu, em agosto, audiência pública com entidades defensoras do ensino inclusivo que se uniram no que chamam de “Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva”. Também em agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que estudantes com deficiência atrapalham o aprendizado de outros alunos e que o grau de deficiência de parte de alunos especiais torna “impossível a convivência”. As declarações repercutiram em vários veículos de imprensa. O julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade deve acontecer ainda neste ano. Enquanto isso, os efeitos do decreto estão suspensos.

Direito de escolha

O art 3º do Substitutivo 1, aprovado pela Câmara Municipal e enviado ao prefeito, diz que “fica assegurado aos responsáveis legais pela educação formal do estudante surdo o direito de opção pelo ensino regular ou pela escola bilingue durante a educação infantil e o ensino fundamental”, aspecto também contestado pelo Executivo. Segundo justificativa ao veto, “ainda que o art. 3º da proposição assegure ao responsável legal pela educação formal do estudante surdo o direito de opção pelo ensino regular ou pela escola bilíngue, na linha de entendimento do STF tal previsão não tem o condão de afastar a inconstitucionalidade.”

Chamada a se manifestar, a Secretaria Municipal de Educação esclareceu que a política de atendimento aos estudantes surdos nas escolas municipais garante a inclusão em classes regulares, “com o necessário apoio”. A Smed afirma que há disponibilização de tradutores e intérpretes para “atuarem como mediadores da comunicação nas salas de aula, no PEI (Programa Escola Integrada) e em eventos da escola”. Atualmente 103 alunos surdos estão matriculados na rede municipal de ensino.

Ainda segundo a secretaria, BH conta com a Escola Estadual Especial Francisco Sales, que tem equipe multiprofissional, professores e currículo voltados ao ensino bilíngue, “viabilizando o atendimento educacional quando, em função das condições específicas dos alunos surdos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.”

Vereadora contesta veto

Perguntada sobre o veto ao projeto, a autora da proposta, Professora Marli, afirmou que o texto foi mal interpretado pelo Executivo e que a negativa da PBH prejudica ainda mais a comunidade surda e surdo-cega da capital. “É uma pena o veto do prefeito ao PL 22/2021. As razões do veto não fazem sentido com o que está no projeto e mostram um desconhecimento sobre o que é a luta do Movimento Bilíngue e o que seriam as escolas bilíngues. Educação em modelo bilíngue, em Libras e Português, não é educação especial. A escola bilíngue é uma escola inclusiva no ensino regular, como qualquer outra escola bilíngue em outras línguas. É sofrível que um veto seja dado sem entender isso”, afirmou a palamentar.

Marli destacou ainda que a proposição garante aspectos já previstos em lei. “Não por acaso, o ensino bilíngue de Libras, garantida como 1ª língua, está entre as metas traçadas no Plano Municipal de Educação, no Plano Nacional de Educação, no Plano Estadual de Educação, na Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e é lei no Estado de Minas Gerais. As escolas bilíngues se inserem no modelo de educação inclusiva”, disse a vereadora, destacando que da forma que está, os alunos não recebem o tratamento adequado. “Hoje, na escola regular inclusiva, o aluno surdo recebe, em média, cinco aulas de português por semana e apenas uma de Libras. Isso não é garantir a alfabetização da criança surda em Libras como primeira língua. Quem conhece a realidade do aluno surdo de perto sabe que ele não está aprendendo como deveria. A Libras é língua oficial do Brasil, tal como o Português, e precisa ser difundida, ensinada e acessível no ensino, para todos”, finalizou a professora.

Superintendência de Comunicação Institucional