ÔNIBUS SEM QUALIDADE

Repasse de cotas em consórcio ocorreu para que coletivos não fossem afetados

Em depoimento, Rubens Lessa disse que operação foi apenas transferência de ativos e não concessão para nova empresa

quinta-feira, 28 Dezembro, 2023 - 14:45

Foto: Bernardo Dias/CMBH

O repasse de cotas da Viação Torres, dentro do Consórcio BHLeste, sem anuência do Município, ocorreu para que a população não ficasse sem o serviço de transporte público. Esta foi a justificativa apresentada por Rubens Lessa de Carvalho ao ser questionado sobre a operação que conduziu, sem autorização do poder público, dentro do consórcio do qual está à frente desde 2021. Na manhã desta quinta-feira (28/12), Lessa foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) – Ônibus sem Qualidade. O dirigente, que foi citado em diversos depoimentos dados à comissão, confirmou que a transferência de cotas de fato ocorreu numa quitação de dívida particular, mas assegurou que antes apresentou a possibilidade de transferência às outras empresas do consórcio, não havendo, entretanto, nenhum interessado. Rubens Lessa disse ainda não considerar a operação irregular, já que não houve negociação para concessão de nova empresa no sistema e sim transferência de ativos.

Altos custos

Rubens Lessa de Carvalho contou que há 47 anos fundou, com o pai e os irmãos, a primeira empresa no ramo de transporte. Responsável pelo Consórcio BHLeste desde 2021, o empresário, que detém cerca de 36% de participação no consórcio, disse que em meados de novembro foi procurado pela Viação Torres e informado sobre a impossibilidade desta em continuar operando as linhas que a ela cabiam, em função de dificuldades que atravessava.

Segundo o dirigente, sua primeira providência foi levar a situação às demais empresas que operam no consórcio e oferecer a elas as linhas operadas pela Viação Torres. A Torres, segundo Lessa,detinha cerca de 17% das cotas do consórcio, mas não houve interessados. “Chamei todas as empresas e, de modo geral, nenhuma tinha interesse de assumir, porque não havia como suportar os custos”, afirmou.

Ainda de acordo com Lessa, em dezembro de 2022 a Viação Torrres notificou formalmente o consórcio sobre sua incapacidade de continuar a operar, e a ideia então foi buscar um investidor de fora. Após oferecer as cotas às demais empresas do sistema de transporte, Lessa disse que foi procurado por Nilo Simões Júnior com a proposta de assumir as linhas em pagamento a dívida que Lessa tinha com seu pai. “Desde 2013 eu tinha uma pendência da minha empresa com a Transimão. Fui procurado pelo Nilo Gonçalves Simão Júnior, que disse que assumiria as cotas da Torres. Passei as cotas, paguei os custos à Torres e tive a quitação da dívida que tinha com o pai dele”, explicou.

Duas operações e abandono de linhas

Loíde Gonçalves (Pode), relatora da comissão, quis saber porque Nilo Júnior se interessou em assumir linhas de uma empresa que passava dificuldade e qual seria a vantagem de quitar uma dívida desta forma. Lessa explicou que para ele era interessante, já que a dívida seria paga à Torres num prazo estendido; ainda segundo Rubens Lessa, Nilo Júnior considerou que valia o risco assumir as operações. “Foram duas negociações. Na Torres acertei a negociação das cotas que eram dela e depois negociei a quitação da minha dívida com a Transimão. Os veículos que teria com ela (Torres) seriam acertados no longo prazo”, contou.

Braulio Lara (Novo), presidente da CPI, questinou Lessa se não caberia ao consórcio assumir as linhas da Torres e se, sob o prisma jurídico/contratual, a Viação Torres poderia desistir de operar as linhas. O dirigente disse que o Consórcio BHLeste tem apenas 5% de veículos reserva e que, por isso, não poderia assumir as linhas, que totalizavam 104 veículos. “Não tínhamos a menor possibilidade de operar a frota da Torres. Então tínhamos que achar uma solução. Ou dividíamos entre as empresas do consórcio ou buscávamos um investidor fora, porque colocar recursos do próprio sistema era impossível”, declarou.

Já quanto ao aspecto contratual, Rubens Lessa disse que a Torres não poderia sair, mas argumentou que a empresa procurou o consócio para construir uma solução. “Ela não simplesmente fechou as portas e deixou os usuários sem o transporte. Ela foi totalmente correta e coerente com o consórcio”, afirmou.

Concessão sem licitação x compra de ativos

A relatora Loíde Gonçalves mais uma vez questionou a natureza da operação e perguntou se Lessa sentia-se confortável em fazer isso (transferência de cotas) sem a autorização da PBH. “A Lei 11.458 fala de anuência prévia para concessão de licitação. Mas nós não transferimos a operação no consórcio, transferimos apenas ativos”, disse em resposta.

Ainda segundo o empresário, a negociação de ativos foi feita para que o transporte público não ficasse prejudicado, já que o processo de anuência junto ao Município é demorado. Questionado pela relatora se não entendia que havia um conflito de interesses, já que ele detinha a dívida e era o presidente do consórcio, Lessa disse que não. “Eu convoquei a reunião no consórcio. A documentação apresentada foi submetida ao nosso jurídico e estava tudo ok. A admissibilidade foi votada por todas as empresas e apenas uma (a Boa Vista) pediu mais prazo, porque disse que não tinha tido acesso à documentação”, contou.

Atraso na anuência, atraso no investimento

"Foi o senhor então que deu autorização?", questionou Loíde. "Não, não fui eu, foi o Consórcio BHLeste", disse Rubens Lessa. “Mas foi com a sua autorização que a empresa do Nilo Júnior começou a operar sem anuência do Município e opera hoje em péssimas condições, com ônibus sucateados”, afirmou a relatora. “O Nilo Júnior estava assumindo todo o passivo da Torres e o compromisso dele foi de que, após a anuência prêvia, ele iria insvestir na frota. Houve atraso na anuência e, assim, um atraso no investimento. Mas a informação que tenho é de que 13 veículos novos já foram colocados para rodar”, argumentou Lessa.

Braulio Lara questionou se a Superintendência de Mobilidade Urbana (Sumob) emitiu ordem de serviço (OS) para a empresa de Nilo Júnior, sem que a anuência prêvia tivesse sido emitida e perguntou de que forma a nova empresa vem recebendo os repasses de subsídio dados pela Prefeitura. Lessa respondeu que não foi emitida OS antes da anuência e explicou que documento assinado pela Viação Torres repassa à empresa de Nilo Júnior os recursos que a ela caberia. “A distribuição é feita pela Transfácil e leva em consideração a frota e o quilômetro rodado, completando-se a diferença com a catraca. Quem estava operando era a BH Leste, então tinha uma autorização da Torres dada ao Consórcio para que o recurso fosse destinado à BH Leste”, explicou.

Última reunião

Antes de encerrar, Loíde Gonçalves lembrou que era a última oitiva que a CPI realizava e que agora a comissão parte para a construção do relatório final, que deve ser apresentado no iníco do mês de fevereiro.

Assista à íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

25ª Reunião - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Ônibus sem qualidade