MATERNIDADE ATÍPICA

Mães de filhos com deficiência ou doenças raras precisam de política pública

Mulheres são negligenciadas e ficam sozinhas no cuidado de uma criança atípica. Desafio é não invisibilizar o trabalho e oferecer cuidado para quem cuida 

terça-feira, 12 Março, 2024 - 19:45
Imagem das participantes da audiência

Foto: Karoline Barreto/CMBH

A invisibilidade do trabalho de cuidar e a falta de apoio para mães de filhos atípicos são desafios a serem superado por políticas públicas voltadas para as mulheres. Este foi um dos apontamentos indicados na audiência pública da Comissão de Mulheres que tratou a maternidade exercida por mulheres que têm filhos com algum tipo de deficiência ou doenças raras. A desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do CPF da mãe cuidadora e a divulgação de direitos básicos, bem como a forma de acessá-los também foram apontados como prioridades. Autora do requerimento, Marcela Trópia (Novo) defendeu a necessidade de falar sobre esses desafios e como as políticas podem atender melhor as mães, as famílias e as próprias crianças.

A parlamentar argumentou que as mulheres dedicam boa parte da vida aos cuidados com os outros, sobretudo com os filhos, e lembrou que não há como falar em maternidade atípica sem falar em políticas de educação. Cida Falabella (Psol) chamou a atenção para a necessidade de um olhar maia acurado para as atípicas. 

Representante da Associação Mães que Informam, Adriane Cristina da Cruz afirmou que as mulheres são negligenciadas e ficam sozinhas no cuidado de uma criança atípica. Ela ressaltou a perda da autonomia e da própria identidade dessas mães que têm até mesmo o direito de ir e vir negado em razão da deficiência do filho. “Não precisamos de assistencialismo. Precisamos de condições para trabalhar, produzir; de uma carga horária escolar na qual a criança atípica não precise chegar mais tarde e sair mais cedo, por exemplo”, afirmou. 

Ao defender mais apoio para as 600 associadas, Adriane enfatizou que muitas não têm com quem deixar os filhos para ir ao dentista, ao médico ou psicólogo. Ela sugere que haja um apoio nos moldes da política de atendimento ao idoso; que preste ajuda à família; e que as mães atípicas tenham voz. “Nossa dor não é só a falta de insumos e o cuidado para com os nossos filhos. É também porque deixamos de existir e, não tendo voz, não sabendo ser eu mesma, como vou defender meu filho ou uma política de inclusão no Estado ou no Município?”, questionou. Segundo ela, “já existe a política de cuidados da mulher, basta incluir a mãe atípica nesta política”. 

Maurícia Vieira ressaltou que a condição de vida e de saúde mental das mães atípicas não favorece a participação na sociedade nem nas lutas necessárias. Para ela, a vinculação do CPF das mães ao BPC da criança perpetua a pobreza e impede um possível crescimento financeiro. 

Impactos na economia e no direito

A falta de dados sobre a realidade das mães atípicas pautou a fala de Tânia Scarabeli, representante da OAB. Segundo ela, o adoecimento dessas mães é uma questão muito grave que precisa do olhar do poder público tanto quanto a economia do cuidado. Ela argumentou que, dependendo da deficiência apresentada, da idade da pessoa que precisa ser cuidada e da idade e condição física do cuidador, o direito de ir e vir não pode ser exercido. “Precisamos falar da compensação do cuidado, pois essas mães não conseguem trabalhar, e não há previsão legal no Brasil”, alertou. 

Para Tânia Scarabelli, há muitos direitos subentendidos e é necessário haver ações afirmativas locais. “Precisamos recompensar o cuidado não só para as mães atípicas, mas também para as mulheres. No Brasil, estamos ferindo os direitos humanos  uma vez que a realidade de cada PCD é diferente e não há como colocar todos no mesmo lugar. Há que se respeitar a individualidade de cada uma”, alegou. 

As dificuldades enfrentadas na vida diária de uma mãe atípica foram abordadas por uma das participantes. Ela pontuou falta de vagas e desrespeito às placas indicativas de prioridade em vagas de estacionamento; falta de acessibilidade, sobretudo em shows, shoppings, teatro - que não disponibilizam um local adequado para fazer trocas higiênicas em adolescentes ou adultos que não usam o banheiro sozinho. “O mesmo respeito que é dado aos idosos também deve ser dispensado aos PCDs. Uma maca em um banheiro família seria o suficiente para atender à demanda”, disse.  

Cida Falabella lembrou que, embora os projetos culturais já contemplem a acessibilidade, é preciso refinar o atendimento baseado na necessidade de cada um e, para que isso ocorra, é preciso ouvir quem passa por essas dificuldades. Ela se comprometeu a encaminhar uma indicação ao poder público. 

Solidão e velhice

Além de lidar com o abandono dos parceiros, as mães atípicas também enfrentam a rejeição dos familiares. À medida que o tempo vai passando e a criança vai crescendo, o nível de dificuldade aumenta e a solidão acaba influenciando na saúde mental dessas mulheres. 

O fato de não haver políticas públicas que acolham as mães que deixaram de trabalhar para cuidar os filhos traz preocupações com o futuro delas, que vão envelhecer sem uma renda. Eventualmente, pode ficar sem o filho (em caso de morte) e, nesse caso, ser impedida de usar o BPC para suas necessidades, além de perder o convívio social com familiares e comunidade. Além disso, também há a preocupação com o destino do atípico em caso de morte ou invalidez do cuidador. 

O destino da criança atípica na falta da mãe cuidadora é uma constante preocupação, segundo afirmaram os participantes. A socióloga Ana Zuleima acredita que é preciso uma política pública integrada para atender, desde o nascimento, à criança atípica e sua família. “Essas pessoas precisam ser orientadas na busca de seus direitos a cada momento da vida”, afirmou. 

Marcela Trópia se comprometeu a verificar junto ao poder público de que maneira será possível dar mais visibilidade a esses direitos, ampliando os canais de informação e garantindo que todos tenham acesso a ela. 

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para debater a maternidade atípica exercida por mulheres que têm filhos com algum tipo de deficiência ou doenças raras -5ª Reunião Ordinária: Comissão de Mulheres