Especialistas que atuam com dependentes químicos apoiam internação involuntária
Medida traria proteção imediata da vida e reduziria danos sociais e familiares, além de ser porta de entrada para um tratamento real
Foto: Tatiana Francisca/CMBH
O Projeto de Lei 174/2025 institui e regulamenta a internação voluntária e involuntária de usuários e dependentes de drogas em rede de atenção à saúde no município de Belo Horizonte. Após receber um parecer favorável e outro pela rejeição em comissões de mérito, o autor da proposição, Braulio Lara (Novo), solicitou a realização de audiência pública para auxiliar a produção do parecer da Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, que será a última a analisar o texto em 1º turno. Psiquiatras e representantes de ONGs que atuam com dependentes químicos destacaram os benefícios que a internação involuntária pode trazer e ressaltaram que a atitude é um ato de humanidade com pessoas que tem os seus direitos violados há muito tempo. Para Braulio Lara, algumas pessoas querem analisar o problema só por um lado, esquecendo o contexto, e essa discussão está acontecendo porque “ninguém quis encarar um assunto espinhoso como esse”. “Muitos despejam insultos, mas o que se vê é uma ausência de propostas efetivas”, declarou o vereador.
Restaurar a dignidade
Braulio Lara afirmou ainda que o encontro era uma oportunidade de se colocar um contraponto sobre o assunto e relatou a forma como tem visto Belo Horizonte. Segundo o parlamentar, ao invés de soluções, muitos querem preservar as pessoas em situação de rua na miséria, sem dignidade.
“A gente vê uma cidade extremamente largada, uma cidade suja, uma cidade malcuidada, uma cidade onde essas pessoas não estão tendo de fato uma restauração da dignidade de viver. [...] Para mim, quem está querendo acabar com todo mundo são eles, querendo preservar essas pessoas no nível que eu vejo de miséria, de isolamento e falta de cuidado público. Então, hoje é a nossa oportunidade de colocar uma outra visão de forma respeitosa e de uma forma civilizada”, declarou Braulio Lara.
Negligência do Estado
O vice-presidente da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), Ronaldo Viana, defendeu a existência de negligência por parte do Estado. Ronaldo relatou que teve um filho que viveu cinco anos em situação de rua e que como pai sofreu com a omissão do poder público ao “não oferecer proteção às pessoas que estão em situação de comprometimento grave, com despersonalização, sem crítica, realmente correndo risco de vida e colocando a vida de outras pessoas em risco”. O terapeuta afirmou que a dependência química é um problema complexo e que às vezes uma mesma pessoa precisará de diferentes estratégias em momentos diversos. “Se em um determinado momento ela precisa apenas de orientação, em outro ela precisará de proteção com uma internação compulsória sim”, disse Ronaldo.
“Ninguém está pedindo para fazer uma política higienista e que fica focada única e exclusivamente no processo de retirada das pessoas porque elas estão na rua. Não é isso que se quer. O que se quer é respeitar esse indivíduo, reconhecer sua vulnerabilidade e dar para ele a condição de tratamento. Tem que ter o profissional qualificado, tem que ter intervenção humanitária, tem que ter o respeito e a proteção dessas pessoas que estão em sofrimento e que não podem agora fazer escolhas por si própria”, completou Ronaldo Viana.
O vice-presidente da Febract ainda ressaltou que a redação do PL 174/2025 deixa claro que os motivos que justificam a internação involuntária serão descritos por um profissional médico e “não por uma pessoa qualquer criando uma política pública higienista”.
Política de redução de danos
O médico psiquiatra Lauro Eustáquio de Moura declarou que a Prefeitura de Belo Horizonte realiza atualmente uma "política de redução de danos" e que não há nenhuma evidência científica de que esse método funcione. Segundo Lauro, um dependente químico que queira se internar não vai conseguir e o que a prefeitura vai oferecer a ele é o tratamento nos Centros de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam AD).
“Eles se vangloriam de falar que o tratamento é em liberdade. Quem quiser tratar e ficar aqui vai tratar, quem não quiser vai para casa, vai para rua, vai continuar usando droga livremente. Então são serviços abertos. O paciente pode eventualmente dormir, mas é um serviço que não tem médico 24 horas, tem uma estrutura muito precária. O problema é que não há nenhuma evidência científica que essa política de redução de danos funcione. Na prática, ela só prolonga o problema”, defendeu Lauro Eustáquio.
Benefícios da internação involuntária
Representantes de ONGs que trabalham com dependentes químicos destacaram os benefícios que a internação involuntária pode trazer e afirmaram que este é um ato de humanidade ao tirar a pessoa de uma condição em que ela não tem discernimento para tomar decisão por si própria. Ativista do Projeto Banho Solidário, Dai Dias declarou que as pessoas em situação de rua têm seus direitos violados há muito tempo. Para Dai, a internação representa “a proteção imediata da vida, redução de danos sociais e familiares, afastamento dessas pessoas das áreas de risco e a porta de entrada para um tratamento real para que consigam sair das drogas”.
Ainda de acordo com a ativista Dai Dias, a internação involuntária gera um impacto na segurança pública e possibilita a reinserção social e a redução da exploração criminosa, já que “muitos usuários são explorados por traficantes”. “Quebra a dependência química e quebra também essa ajuda ao tráfico de drogas. Política pública complementar não substitui a prevenção, o acolhimento e o cuidado à liberdade, mas pode ser usada em casos graves, emergenciais, quando todos os outros serviços oferecidos já falharam”, disse Dai Dias.
Assunto controverso
O Projeto de Lei 174/2025 estabelece que o tratamento do usuário ou dependente de drogas deverá ser ordenado na rede de atenção à saúde de Belo Horizonte, dando prioridade para o tratamento ambulatorial e incluindo, excepcionalmente, formas de internação em unidades de saúde e hospitais gerais. A proposta define ainda que quando não houver consentimento do dependente, a internação poderá ocorrer a pedido de familiar ou de servidor público da saúde ou assistência social. No caso específico da internação involuntária, o texto prevê laudo médico detalhado que comprove a existência de risco à integridade física do dependente ou de terceiros.
Esta foi a segunda audiência pública sobre a proposição assinada por Braulio Lara. Em abril, um debate realizado pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor também tratou do tema. Tramitando em 1º turno, o PL recebeu parecer favorável na Comissão de Saúde e Saneamento e parecer pela rejeição na Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor. Agora, o texto será analisado pela Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, antes de ir a Plenário. Para ser aprovado e seguir tramitando, a proposta precisa do voto favorável da maioria dos vereadores (21).
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