COMBATE ÀS DROGAS

Vacina contra cocaína e crack é vista com receio por rede de saúde mental da PBH

Gestoras alegam que abordagem deve considerar fatores socioculturais e não apenas biológicos da dependência. UFMG não compareceu

quinta-feira, 27 Novembro, 2025 - 19:00
Vereadores e convidados no Plenário Helvécio Arantes

Foto: Denis Dias/CMBH

O projeto da vacina "Calixcoca", desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aposta na resposta imunológica do organismo para neutralizar os efeitos da cocaína e do crack no sistema nervoso, desestimulando o uso. Em audiência da Comissão de Saúde e Saneamento sobre o tema nesta quarta-feira (26/11), o requerente Neném da Farmácia (Mobiliza) e o presidente do colegiado, José Ferreira (Pode), lamentaram a ausência da instituição e do Governo do Estado para divulgar e esclarecer dúvidas sobre o projeto. Gestoras da rede de saúde mental da Prefeitura de Belo Horizonte reconheceram o avanço, mas temem que o foco no fator biológico desconsidere outros aspectos do fenômeno, que exige uma abordagem multifatorial. Para dar continuidade à discussão, a comissão vai encaminhar pedidos formais de informações e promover novos encontros para tratar do tema.

Na abertura da audiência, Neném da Farmácia destacou a seriedade do problema do abuso e dependência de drogas, fenômeno crescente que, segundo ele, atinge principalmente os jovens. Salientou também a importância de conhecer o projeto e as perspectivas da disponibilização desse produto pioneiro, que "projetará nacional e internacionalmente a UFMG, o estado e a capital". O vereador explicou, resumidamente, que a vacina estimula a produção de anticorpos que se ligam à droga e a transformam numa molécula grande que não atravessa a barreira hematoencefálica, impedindo sua interação com os receptores cerebrais. Os resultados do estudo com primatas não-humanos (saguis), segundo nota técnica assinada pela consultora legislativa em Saúde Pública Thamires Lima, indicam que essa resposta do organismo neutraliza os efeitos psicoativos da substância.

Fenômeno multifatorial

A gerente da Rede de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), Kelly Nilo, e a coordenadora do Consultório na Rua, Carina Camargos, reconheceram a importância das pesquisas científicas voltadas ao tema, mas manifestaram preocupação em relação à forma como esse recurso vai chegar à população, receando que seja apresentado como panaceia ou promessa de cura. Segundo elas, o uso (e abuso) de drogas, ocorre "desde sempre na humanidade" e é um fenômeno complexo, que não se restringe ao aspecto biológico. “Os motivos que levam a fazer uso são vários. Há mais coisas sobre o ser humano além do corpo”, salientaram.  

Carina alertou que essa abordagem traz um risco de reforçar o proibicionismo e as intervenções higienistas no tratamento da questão. Para ela, as soluções propostas devem respeitar os marcos que regem as políticas nacionais e municipais sobre drogas, sem desconsiderar fatores subjetivos e estruturais, como a pobreza e a falta de oportunidades e de acesso a educação, lazer e entretenimento.  

“Na realidade, o uso de substâncias é um fenômeno multifacetado, que envolve sofrimento psíquico, vulnerabilidades sociais, racismo, culturas familiares, desigualdade”, afirmou a coordenadora do Consultório na Rua.

Jandira Aparecida Gomes, da diretoria de Vigilância Epidemiológica da SMSA, afirmou que ainda precisa pesquisar e entender mais sobre o projeto antes que o produto chegue à rede para a elaboração de estratégias adequadas para incorporá-la como um dos recursos a serem utilizados na abordagem do problema.

Processo regulatório

Silmara Ferreira, da área de registro de medicamentos biológicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), destacou o desafio enfrentado pelas instituições para o cumprimento de todas as exigências e procedimentos para autorização e regulamentação do produto. A técnica, que não tinha conhecimento sobre a Calixcoca, recomendou que o órgão seja procurado desde o início do projeto para obter orientações sobre o passo a passo do processo regulatório, como a documentação e dados a serem gerados em cada etapa, para evitar atrasos e garantir a entrega do produto à população no prazo previsto.

"Glamourização"

Caio Marczuc, do Fórum Brasileiro de Combate às Drogas, ressaltou que a drogadicção vem começando cada vez mais cedo. Segundo ele, há relatos de crianças e adolescentes de 12, 13, 14 anos já usando maconha e cocaína e, por isso mesmo, há a necessidade de conscientizar sobre os perigos das drogas, especialmente quando o organismo ainda não está completamente formado. “Aos 18 anos essas pessoas já estão com a sua história de vida na lama. É uma geração inteira perdida”, lamentou, defendendo o empenho conjunto das instituições e da sociedade na prevenção e na recuperação dos dependentes antes que seja tarde demais. Como exemplo, o ativista citou a reversão da imagem positiva do cigarro, nos anos 1990, por meio de campanhas informativas.

“O jovem é bombardeado o tempo todo por uma cultura pop glamourizadora do consumo de substâncias entorpecentes. Do outro lado, o poder público não faz o papel de combater essa cultura com uma contracultura, mostrando os riscos das drogas em linguagem clara e acessível”, pontuou Caio Marczuc.

O advogado de família Felipe Faustino lamentou a crise social, familiar e de saúde pública gerada pelo uso de drogas, "que vem aumentando de forma preocupante". Ele relatou que, em sua experiência profissional, já testemunhou vários casos de famílias devastadas pelo problema. Faustino acredita no impacto positivo do imunizante no combate à dependência química. “Essa estratégia, além de trazer esperança para os pais, também deve desafogar o SUS. É uma forma de cortar o mal pela raiz”, acrescentou.

José Ferreira também elogiou o empenho da UFMG e o apoio do Governo do Estado, que anunciou o aporte de recursos para a pesquisa. Ele criticou, no entanto, o não atendimento do convite que "daria a oportunidade de divulgar o projeto na Casa do Povo, espaço onde representantes eleitos pela população discutem os temas relevantes, esclarecendo a sociedade sobre os objetivos, metas, perspectivas de conclusão e resultados esperados".

“Escravidão”

Antes de encerrar o encontro, Neném da Farmácia discorreu longamente sobre o problema que as drogas representam "independentemente de cor da pele e condição financeira". Falou ainda sobre como a bebida alcóolica age como porta de entrada, a dor das famílias e a importância do amor verdadeiro, do diálogo e da educação para mudar comportamentos. Nessa perspectiva, ele celebrou as pesquisas e avanços científicos e também defendeu a internação involuntária (proposta que tramita atualmente em 2º turno na Câmara), refutando o argumento de que a medida “tira a liberdade” do usuário.

“Que liberdade onde? Isso é escravidão! Livre é quem não bebe porque não quer, livre é quem não fuma porque não quer, livre é quem, não usa droga por que não quer. Quem é escravo é quem é vencido por essa vontade”, afirmou Neném.

O parlamentar lamentou mais uma vez o não comparecimento dos convidados, ponderando que a participação do Legislativo da capital pode trazer contribuições ao debate e ajudar até mesmo na captação de recursos. Para isso, ele anunciou que continuará a pautar o assunto, encaminhando pedidos de informações aos órgãos e instituições envolvidos e promovendo outras audiências públicas sobre o tema na comissão.

Superintendência de Comunicação Institucional  

Audiência pública para discutir a vacina da UFMG contra crack e cocaína que está sendo desenvolvida - 41ª Reunião Ordinária - Comissão de Saúde e Saneamento