Debates polarizados marcaram a audiência sobre regulamentação de aplicativos
PL que disciplina o serviço foi apresentado pela PBH depois que a Justiça anulou decreto do Executivo sobre o tema
A regulamentação dos serviços de transporte por aplicativos como Uber, Cabify e 99 POP foi discutida, nesta quarta-feira (7/3), pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. Estiveram presentes representantes das plataformas digitais utilizadas pelos consumidores para contratar o serviço de transporte, dos usuários e dos taxistas. Um dos principais pontos discutidos foi o PL 490/18, do Executivo, que objetiva disciplinar o uso do sistema viário para a prestação de serviços de transporte individual privado remunerado de passageiros.
O projeto estabelece que a BHTrans seja a responsável por autorizar a prestação do serviço pelas empresas que operam por meio de plataformas digitais. Alguns dos dispositivos presentes no projeto foram criticados pelos representantes das empresas, tais como a necessidade de que elas possuam matriz ou filial em Belo Horizonte e a cobrança de um preço público para a utilização do sistema viário do Município, sem prejuízo da incidência de tributação específica.
Os representantes das empresas também criticaram a exigência de que seja a BHTrans responsável por autorizar a prestação do serviço de transporte individual remunerado de passageiros. Segundo eles, isso poderá vir a limitar a atuação das empresas que atuam no setor. Eles questionaram a transparência e a credibilidade da BHTrans para regular o setor.
Também para o vereador Mateus Simões (Novo), um dos autores do requerimento para a realização da audiência, juntamente com Doorgal Andrada (PSD) e Gabriel (PHS), “a BHTrans funciona muito mal”. Segundo Simões, as atribuições fiscalizatórias, que hoje são de responsabilidade da empresa seriam feitas de maneira precária e, portanto, ela não deveria receber a responsabilidade de fiscalizar o serviço privado individual de passageiros. Ele critica, ainda, o fato de o projeto da PBH não apresentar qualquer limite para o estabelecimento do preço público que será cobrado das plataformas digitais que fornecem serviço de transporte, caso o projeto seja transformado em lei.
Taxistas
O taxista José de Fátima defendeu a regulamentação da prestação dos serviços de transporte individual privado remunerado de passageiros por meio de plataformas digitais. Ele lembrou que o projeto de lei federal que aguarda sanção do presidente Michel Temer (MDB) é claro em estabelecer a competência dos municípios para regulamentarem este tipo de atividade. Ainda segundo ele, quem explora a cidade comercialmente deve contribuir com o Município por meio de tributação. A partir dessa lógica, ele defendeu a cobrança do preço público a ser pago pelas plataformas digitais. Ainda de acordo com ele, o percentual de 1% que será cobrado do município “não é nada” diante dos altos lucros que estas empresas acumulam. O representante dos taxistas também se disse favorável a que a BHTrans fiscalize o transporte privado de passageiros, assim como acontece com o serviço prestado pelos taxistas.
A exigência de que as plataformas digitais tenham sua matriz ou filial em Belo Horizonte também foi defendida por José de Fátima. Para ele, isso melhorará a capacidade de as empresas responderem às reclamações dos consumidores e dos condutores. José de Fátima também se disse preocupado com o ideário neoliberal que prega que o Estado deve se isentar de qualquer função reguladora. “Ao poder econômico tudo; ao trabalhador nada”, afirmou o taxista para quem os motoristas que prestam serviço de transporte privado de passageiros via plataformas digitais são explorados pelas empresas por terem que trabalhar por muitas horas seguidas e sem a devida proteção legal.
Já na opinião de Simões, que defende o liberalismo econômico, deve haver uma desregulamentação do serviço de táxi e não a regulamentação do serviço privado de transporte individual de passageiros.
Regulamentação X Desregulamentação
Assim como o vereador Mateus Simões, o representante da Fiemg, Antonio Claret, criticou a regulamentação do serviço de transporte privado individual de passageiros. “Aqui não é a Venezuela”, afirmou Claret ao defender o liberalismo econômico e apontar que o PL da Prefeitura é um desserviço à população da PBH por impor exigências às empresas. Ele qualifica as obrigatoriedades estabelecidas pelo projeto como a criação de novos problemas para os empreendedores, que já teriam, segundo ele, dificuldade para lidar com o arcabouço legal em vigor, citando especificamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Código Civil e o Código Tributário. “Chega de problema para o empreendedor” afirmou o representante das indústrias mineiras.
Já para Geraldo Magela, representante do Sindicato das Cooperativas de Minas Gerais, uma instituição patronal que defende interesses de cooperativas, inclusive de taxistas, a regulamentação é bem vinda. “O mundo moderno é regulado”, afirma Magela. Para ele, é necessário que se combata o excesso de regulação, “mas não é possível viver no Estado Democrático de Direito sem a regulamentação adequada”.
Situação dos motoristas
Os motoristas que prestam o serviço de transporte individual de passageiros por meio das plataformas digitais se disseram excluídos do debate acerca da regulamentação da atividade na capital. Eles também temem que o projeto de lei da Prefeitura abra espaço para limitar sua atuação. Outra preocupação da categoria é que a cobrança de tributos por parte da Prefeitura onere os motoristas e não as empresas que detém as plataformas digitais. Diversos motoristas salientaram, ainda, que a atividade por eles desempenhada por meio dos aplicativos tem lhes garantido renda em um momento em que não conseguem emprego em sua área de formação profissional.
Já para Wagner Oliveira, que atuou como motorista por meio de uma plataforma digital, não há segurança jurídica para os motoristas que atuam na área. Oliveira também questiona o fato de a relação dos motoristas com as plataformas digitais não gerar vínculo empregatício e clama por proteção legal para os condutores dos veículos.
A respeito da situação dos motoristas, o vereador Pedro Bueno defende que o PL seja fruto de diálogo não apenas com os patrões, mas também com os representantes dos condutores dos veículos. Para ele, é inadmissível que o capital externo, por meio das plataformas digitais, explore os trabalhadores sem que haja a devida regulamentação e o devido retorno. Ainda segundo o parlamentar, a ausência de regulamentação por parte do Estado representa um regresso à barbárie.
A situação dos trabalhadores que prestam serviço de transporte particular individual de passageiros também foi objeto de atenção da vereadora Áurea Carolina (Psol). Ela considera que, apesar de a atividade ser uma oportunidade de renda e emancipação pelo trabalho para muitos homens e mulheres, o serviço pode levar à superexploração dos motoristas. Ainda de acordo com a parlamentar, se há muitos motoristas que trabalham com as plataformas digitais, não significa que não haja superexploração, mas, sim, que há um grande número de desempregados no país. A vereadora também salientou que os condutores dos veículos não podem ser penalizados pelo processo de regulamentação. Para ela, são as empresas - e não os motoristas - que devem arcar com a tributação a ser imposta pela Prefeitura.
Projeto federal
O vereador Doorgal Andrada apresentou na audiência os principais dispositivos trazidos pelo projeto de lei que aguarda apreciação do presidente da República sobre o tema. Entre as regras previstas estão a exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT). Também está prevista a inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A proposição que aguarda apreciação presidencial também estabelece que o motorista deva ser portador de Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior. Além disso, o texto desobriga o motorista do aplicativo de ser proprietário, fiduciante ou arrendatário do veículo, bem como de usar placa vermelha no carro em que prestar o serviço.
Decisões judiciais
O vereador Gabriel lembrou que a realização a audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor só foi possível porque o vereador Doorgal Andrada impetrou um mandado de segurança contra a decisão que impediu o debate sobre a regulamentação dos serviços alegando que o tema não estaria entre as atribuições da comissão. A Justiça, em decisão liminar, entendeu que o assunto diz sim respeito à Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor e autorizou a realização da audiência.
O vereador Gabriel apontou, ainda, que, em outra decisão, a Justiça determinou que, antes de ir a Plenário, o projeto que regulamenta os aplicativos de transporte deve ser apreciado pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, o que fará com que o texto seja objeto de análise de cinco comissões permanentes. Antes dessa decisão da Justiça, a proposição seria analisada apenas pelas comissões de Legislação e Justiça; Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário; Administração Pública; Orçamento e Finanças Públicas. O vereador Mateus Simões foi o responsável por impetrar o mandado de segurança que garantiu o direito de a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor apreciar a matéria. De acordo com Gabriel, até que o projeto seja distribuído a esta comissão, sua tramitação fica suspensa. “O mandado de Mateus paralisa a partida”, afirmou Gabriel sobre a decisão da Justiça. No entendimento do parlamentar, não interessaria à PBH que a Comissão de Direitos Humanos analisasse o projeto, uma vez que esta seria, segundo ele, a única delas que não tem em sua composição uma maioria governista.
O vereador Professor Wendell (PSB) informou que também deve impetrar um mandado de segurança acerca da tramitação do PL 490/18. Dessa vez, o objetivo é que a proposição do Executivo seja distribuída para apreciação da comissão da qual faz parte. Wendell é membro da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo e alega que a temática do projeto mantém relação com a ciência e a tecnologia, o que deveria, do ponto de vista dele, exigir a análise pelo colegiado que tem, entre suas atribuições, tratar dessas questões.
O vereador Gabriel lembrou, ainda, que a PBH tentou regulamentar o transporte privado individual remunerado de passageiros por meio de decreto, mas tal intento não logrou êxito uma vez que ele acionou a Justiça contra a iniciativa do Executivo. Conforme decidira o Poder Judiciário, a regulamentação somente poderia ocorrer por meio de projeto de lei e não por decreto.
Superintendência de Comunicação Institucional