Violação de direitos da população LGBT pauta debate na Câmara Municipal
Violência, segurança alimentar, garantia de direitos e acesso à saúde mental estão entre as principais preocupações
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
Há apenas 31 anos, a homossexualidade deixou de ser considerada patologia, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e saiu da lista de distúrbios mentais da classificação internacional de doenças. Desde então, o dia 17 de maio é considerado Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. Em Belo Horizonte, a Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor realizou audiência pública nesta segunda-feira (17/5) para falar da luta pela garantia de direitos da população LGBTQIA+ em tempos de pandemia. A falta de preparo do atendimento público de saúde, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, os vários tipo de violência que sofrem, inclusive dentro da própria família, foram constatações recorrentes entre os participantes, que também falaram sobre a importância do Poder Legislativo para a criação de políticas públicas para esse público. A Diretoria de Políticas para População LGBT, da Prefeitura de BH, informou sobre ações específicas e tangenciais para atendimento a essa população. A morte da ativista Rhany Merces, em decorrência de complicações da covid-19, e as ameaças de morte à vereadora Benny Briolly (Psol- RJ), ambas mulheres pretas, também pautaram a conversa.
Solicitante do debate, a vereadora Bella Gonçalves (Psol) trouxe a informação de que 73% de jovens brasileiros LGBTQI+ sofrem com bulling e violência escolar. Iza Lourença (Psol) falou da violência política que representa o afastamento da colega de partido, Benny Briolly, a quinta vereadora mais votada de Niterói (RJ), e da necessidade enfrentar essa violência ouvindo os movimentos sociais de luta pela vida e contra a LGBTfobia.
Papel do Legislativo
A representante da Rede Afro LGBT Brasil, Eliane Dias, lembrou que, embora a CMBH acolha a diversidade ainda está longe de representar uma sociedade diversa e que os problemas mentais de pessoas transexuais têm aumentado consideravelmente na pandemia. O representante da Aliança Nacional LGBT, Lucas Sidrach, acrescentou que a pouca representatividade no Legislativo interfere diretamente na condição de vida desta parcela da população e afirmou que a pandemia só reforça as dificuldades existentes. Para ele, a ausência de dados de pesquisa e levantamento sobre a população LGBTQI+ faz com que as propostas de soluções para problemas reais como violência, necessidade atendimento psicológico, desemprego, falta de renda e tantos outros, sejam limitadas.
A representante da Rede Nacional LGBT destacou a importância do Legislativo na construção de uma sociedade melhor, a necessidade de projetos políticos que beneficiem a população LGBTQI+, que promovam uma educação inclusiva voltada para a inserção no mercado de trabalho. A vereadora Duda Salabert (PDT) admitiu a grande relevância do papel do parlamento na construção de políticas protetivas e denunciou a existência de projetos de lei que dificultam o avanço das pautas LGBT e buscam criminalizar a linguagem neutra nos espaços escolares.
Trabalho, violência e saúde
A dificuldade de trabalho na pandemia é uma preocupação de Ed Marte, da Academia Transliterária. Com vários espaços culturais fechados, muitas pessoas ficaram sem trabalho e sem condições de prover o próprio sustento. Ed Marte contou que a Transliterária conseguiu arrecadar e distribuir 35 toneladas de alimentos, mas que a falta de ocupação e renda tem afetado e muito a saúde mental dos LGBTs.
A violência pautou a fala Bruna Benevides, representante da Associação Nacional de Travestis e Trans (Antra), que repudiou a postura da CMBH ao reproduzir de forma “sistemática a transfobia institucional com a nossa companheira". "Que este tipo de violência não seja tolerado nem aceito nos espaços de construção de decisões para impactar o enfrentamento das injustiças”, argumentou. Ao abordar os impactos da pandemia na comunidade LGBT, ela citou os problemas de saúde mental, o processo de empobrecimento e, sobretudo, o processo de marginalização dessa população e que as principais ações de enfrentamento desses problemas partiram de instituições da sociedade civil, denunciando que o “estado brasileiro tem falhado miseravelmente no atendimento das demandas da nossa população”. De acordo com Bruna Benevides, Minas Gerais está entre os dez estados com os maiores índices de violência contra a população trans e o “Estado está, seja por omissão seja por ação direta, marginalizando nossos corpos”.
A falta de ação do Estado também foi abordada por Cleiton Lopes, da Cellos. Ele destacou o aumento da violência familiar durante a pandemia e afirmou que os movimentos sociais estão saturados e não dão conta de atender as demandas da comunidade que precisa de apoio, atendimento psicológico, doações de alimentos, roupas e até de abrigo, demandas cujas responsabilidades são do poder público. Ele pediu o apoio dos parlamentares para cobrar do poder público a seguridade das pessoas LGBT e a disponibilização de um espaço de acolhimento capaz de cuidar da saúde integral, da saúde mental da comunidade trans.
Desrespeito no serviço público
Representante do coletivo de profissionais do sexo Clã das Lobas, Amanda argumentou que a falta de acolhimento do poder público se manifesta de diversas formas. "Seja na falta de políticas que garantam a segurança, a alimentação, a saúde e moradia da comunidade LGTB, ou que promovam uma educação inclusiva, seja pela não observância da lei por parte de agentes públicos que ficam contra a vítima e apoiam o comportamento do agressor, fazendo chacota e muitas vezes relativizando a situação, o poder público não nos assiste”, lamentou.
A não utilização do nome social durante atendimento público de saúde foi a queixa de vários participantes da audiência, inclusive de Amanda, que denunciou que ao socorrer mulheres trans vítimas de agressão precisou exigir o cumprimento da lei para que a vítima fosse chamada pelo nome social. “Eles não nos respeitam. O poder público também nos marginaliza”, disparou. Ayra Dias, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans) ponderou que até é possível recorrer ao Judiciário para retificar o nome no cartório, mas que o custo financeiro inviabiliza o acesso para todos. “Precisamos de políticas públicas que garantam nossos direitos. Não é um pedido, é uma exigência. E o que temos são projetos de retirada de direitos já garantidos na Constituição. Isso mostra a nossa fragilidade. Continuamos sendo perseguidas pelo Estado”, concluiu.
Centro de Referência, cestas básicas e diagnóstico
Representando a Prefeitura de Belo Horizonte, o diretor de Políticas para População LGBT, Joel Dias Rezende, destacou os avanços alcançados desde 2017, quando a diretoria foi criada. Ele compartilhou ações específicas e tangenciais para atendimento à população que vão desde a institucionalização de formatos de atendimentos até a criação de espaços de articulação e promoção de direitos da população LGBT dentro da PBH. De acordo com o diretor, a Prefeitura mantém um Centro de Referência voltado para o atendimento da população LGBT e para o enfrentamento da violência e de violações de direitos que a população LGBT sofre no dia a dia. Segundo Joel Dias, o Centro de Referência faz os atendimentos psicossociais e os encaminhamentos das diversas demandas apresentadas pelo usuários, sejam elas para outros órgãos do município ou até mesmo, do estado. Ele informou que o Centro é um espaço para receber denúncias e que a violência familiar é um tema recorrente. O atendimento é virtual ou agendado, sendo possível fazer esse agendamento pelo telefone (31) 98872-2131 ou no próprio equipamento, de segunda a sexta-feira, das 10h às 14h.
Joel Dias afirmou que, desde o início da pandemia, a Prefeitura tem distribuído cestas básicas para a população mais vulnerável e que 900 pessoas, cadastradas pela Diretoria LGBT, recebem este benefício desde abril do ano passado. Quanto à produção de dados, ele informou que a Prefeitura está fazendo um estudo para identificar a população LGBT idosa e que não há recursos para fazer um diagnóstico completo da população LGBT.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional