Flexibilização para instalação de antenas de telefonia preocupa especialistas
Pesquisas apontam para o aumento de doenças como o câncer em áreas próximas às torres de transmissão eletromagnéticas
Foto: Heldner Costa/ CMBH
Reconhecido internacionalmente, já apresentado em diversos países e outras cidades do Brasil, estudo realizado pela Profª Dra. Adilza Condessa Dode (UFMG) aponta relação direta entre a distância das antenas de telefonia e a taxa de mortalidade por neoplasias (como o câncer) na cidade de Belo Horizonte. A pesquisa foi apresentada à Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, em audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (11/11), quando foram recebidos outros pesquisadores e entidades preocupadas com a possibilidade de uma nova regulamentação para instalação de antenas na capital, que flexibiliza o serviço. O debate se contrapõe às informações apresentadas em outra audiência pública sobre o tema, realizada na manhã desta segunda-feira (11/11), pela Comissão de Administração Pública, em que se defendeu a ampliação das antenas, mesmo em áreas adensadas.
O motivo do debate é o Projeto de Lei 851/19, do vereador Léo Burguês de Castro (PSL), que tramita na Casa em 1º turno, propondo uma atualização na legislação que regula a implantação de infraestrutura de telecomunicações na cidade. O texto flexibiliza a instalação e compartilhamento de equipamentos como postes e torres que dão suporte a Estações Transmissoras de Radiocomunicação (ETRs). De acordo com o projeto, as ETRs seriam “bens de utilidade pública e relevante interesse social (...), podendo ser implantadas em todas as zonas ou categorias de uso”.
Em imóveis privados, seria permitida a instalação e o funcionamento de estações com a devida autorização do proprietário do imóvel ou do seu possuidor, “mesmo que situado em área precária”. Também nos bens públicos municipais de todos os tipos seria permitida a implantação da infraestrutura de suporte e a instalação e funcionamento de estações, mediante Termo de Permissão de Uso ou Concessão de Direito Real de Uso, a ser outorgada pelo Município a título não oneroso.
Riscos para a saúde
Engenheira eletricista e professora universitária, a pesquisadora Dra. Adilza Dode contou que tem estudado os impactos da emissão de ondas de rádio na cidade desde 2003, tendo analisado duas antenas atentamente: uma na Rua do Ouro, no Bairro Serra (Centro-sul) e outra no Bairro Camargos (Oeste). A professora realizou medições minuciosas em diversas residências e locais de trabalho, tendo identificado que as pessoas que estão no nível da rua recebem volume mais baixo de radiação, próximo a 5%, no entanto, aquelas em apartamentos mais altos, vizinhos às antenas, chegam a receber 100% das emissões eletromagnéticas.
Professor da PUCMinas, Luciano Bossi explicou que “o sistema de comunicação móvel celular utiliza comunicações por ondas de rádio, ou seja, emite e recebe ondas eletromagnéticas”. Mas, afinal, as ondas de rádio podem fazer mal à saúde humana? Categoricamente, os dois especialistas responderam que sim. Bossi destacou que, comprovadamente, as ondas, chamadas ali de "radiações não ionizantes – RNI”, podem prejudicar a saúde das pessoas. Pesquisa divulgada pela International Agency for Research on Cancer (IARC) classificou as radiações como possíveis causadoras de câncer.
Foram indicados centenas de trabalhos acadêmicos que tratam do tema, incluindo relatório divulgado pela ONG Bioinitiative Report, produzido por médicos e doutores, com base em mais de 1,8 mil artigos científicos publicados, que relatam experiências e impressões sobre o aumento de casos de adoecimento devido à exposição a campos eletromagnéticos.
Bossi destacou que “os raios X são radiações ionizantes, ou seja, mesmo que de pequena intensidade interagem com o tecido biológico, entretanto, podem ser utilizados em seres humanos, desde que seja de modo controlado”. O pesquisador lembrou que essa tecnologia é muito útil na medicina e na odontologia e que uma reflexão similar poderia ser aplicada às radiações não ionizantes (RNI), alertando para o uso moderado e fixação de limites. “Falta informar à população em geral sobre a possibilidade dos efeitos, conforme padrões sugeridos pela OMS”, pontuou.
Taxa de mortalidade
De acordo com a pesquisa apresentada pela professora Adilza Dode, entre 1996 e 2006, Belo Horizonte registrou 7,1 mil óbitos por neoplasias, sendo 3,5 mil (quase 50%) ocorridos em áreas a até 100 metros de distância de alguma Estação Rádio Base (ERB). Os estudos identificaram que a taxa de mortalidade e, portanto, o risco relativo, cresce progressivamente ao passo em que se aproxima das antenas transmissoras.
“Qual é a proteção que o poder público pode nos oferecer?”, perguntou Fernando Santana, representando o Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAM-BH). “Não somos contra o avanço tecnológico. Pelo contrário, queremos a implantação do 5G agora mesmo, mas sem o efeito pernicioso sobre a saúde humana”, alertou o representante. Santanta destacou que o PL 851/19 “libera geral”, flexibilizando regras para facilitar a implantação da tecnologia de internet 5G. Conhecida como “internet das coisas”, a rede 5G teria um tempo de resposta mais ágil e permitira a conexão de diversos equipamentos domésticos à internet.
Grupo de estudos parlamentar
Impressionada com os dados apresentados, a vereadora Bella Gonçalves (Psol) afirmou que “é dever dos vereadores estudar isso que vocês trouxeram” para avaliar a adequação da nova legislação proposta. “A apresentação mostra ainda o tanto que a gente precisa fazer a defesa de uma pesquisa acadêmica com autonomia”, alertou a vereadora, defendendo o investimento público na área para que os resultados não estejam submetidos a interesses de determinados grupos econômicos.
Em perspectiva similar, o vereador Maninho Félix (PSD) propôs a criação de um grupo de estudos composto pelos pesquisadores, representantes populares e parlamentares, para que se tenha um espaço de orientação sobre o assunto. Já o vereador Gilson Reis (PCdoB) sugeriu uma possível CPI para buscar esclarecer as informações conflitantes, uma vez que as empresas de telecomunicações afirmam que as radiações emitidas pelas antenas não atingem os moradores, e que não haveria riscos à saúde.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional