Transporte público tem problemas como escassez de serviços e baixa qualidade
Entidades diversas concordam que o modelo atual precisa de mudanças. BHTrans e Setra defendem manutenção do contrato
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Mudanças urgentes no transporte público por ônibus em Belo Horizonte foram propostas na audiência pública realizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário, nesta quinta-feira (30/9). Solicitada por Braulio Lara (Novo), a reunião contou com contribuições e críticas de diversos atores ao transporte coletivo por ônibus da capital, considerado deficitário e com problemas como baixa qualidade e frequência de viagens. Foram sugeridos diminuição do tempo de concessão, definição do preço por viagem ou quilômetro rodado, subsídio público, utilização de tecnologias para apurar fluxos de mobilidade e integração com a região metropolitana.
Braulio Lara (Novo) disse que o debate sobre mobilidade ocorre no contexto de suspensão das atividades do Comitê de Repactuação do Contrato e Revisão Tarifária, instituído pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e suspenso na última semana. Lara propôs a discussão de temas como abertura de mercado, integração com cidades vizinhas e o sistema de concorrência entre as empresas. E acrescentou que o sistema de transporte de Belo Horizonte teve perda de eficiência ao longo dos anos e não dialoga como sistema de transporte metropolitano, o que gera redundância.
Mudanças necessárias
Profissionais de diversos perfis e pontos de vista concordam que os contratos do transporte público municipal são deficitários. Muitos aventaram a possibilidade de cobrar os serviços prestados, atualmente contabilizados por passageiro, por viagem ou quilômetro rodado. Também foram feitas propostas de diversificar as empresas que prestam serviços e diminuir a duração dos contratos (os atuais são de 20 anos), permitindo uma regulação maior das empresas pelo Município.
Gustavo Wagner Nunes Balieiro, engenheiro e coordenador técnico da Empresa Planejamento e Consultoria Urbana Ltda. (Planum), afirmou que as empresas que operam no ramo são poucas, e atuam nas principais capitais do Sudeste. Ele disse que o sistema de transporte da capital mineira tem linhas regulares e eficazes, como as das Avenidas Cristiano Machado e do Contorno, que subsidiam as deficitárias, com poucos passageiros. Nesse contexto, a abertura da concorrência entre as empresas é quase impossível, visto que elas irão preferir as linhas lucrativas às deficitárias. Balieiro propôs ouvir as demandas do usuário e utilizar dados de telefonia para determinar os fluxos de mobilidade. E disse que, caso seja adotada a remuneração das empresas por quilometragem ou viagem, o problema da falta de passageiro deixa de existir.
A analista de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Annie Oviedo lamentou a interrupção das discussões realizadas pelo comitê municipal, e solicitou que a Câmara pressione a Prefeitura para que as discussões sejam reabertas. Oviedo disse que o transporte público tem problemas urgentes, como o retorno das atividades rotineiras sem a ampliação da ofertas de viagens; a tendência à lotação do ônibus e as janelas lacradas preocupam os passageiros. Ela afirmou que o cálculo da tarifa em BH é composto por índices sem lastro nos custos das empresas, com reajuste sempre positivo. Para aumentar lucros, as empresas tendem a reduzir viagens e aumentar de número de passageiros por viagem. Essas questões perpassam muitas cidades que adotam o mesmo modelo de transporte. E defendeu que o novo modelo de contrato tenha menos exigências, para permitir que empresas menores concorram e sejam distribuídas mais áreas de atuação. A analista citou pesquisa federal que constatou que o cidadão quer mais conforto, maior frequência de viagens e tarifa menor. Oviedo defendeu que, além de resolver questões atuais, é necessário atrair um público para o transporte coletivo, pois a utilização massiva de carros individuais produz engarrafamentos.
Cobrança ampliada
Raul Lycurgo Leite, representante do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros (Setra), citou a Lei Federal 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, e defendeu o subsídio do transporte público, afirmando que esta é a solução para o equilíbrio entre linhas superavitárias e deficitárias. Ele disse que que o transporte público deveria ser cobrado por quem o utiliza e por quem se beneficia dele, citando cidades como Praga, Turim e Paris, em que ele é subsidiado em porcentagens diversas. Leite disse que Belo Horizonte tinha 1,2 milhão de passageiros por dia útil antes da pandemia, e hoje tem cerca de 800 mil. Segundo o representante do Setra, o modelo de contrato é ineficiente, como em diversas partes do Brasil, mas pode ser aperfeiçoado. Leite também defendeu a desoneração de impostos para o setor, o que contribuiria para a manutenção do preço das passagens. E defendeu a manutenção do contrato das empresas iniciado em 2008, com melhorias.
Braulio Lara disse que as novas tecnologias permitem a aferição de dados como o fluxo de passageiros com mais facilidade. E defendeu uma transição entre o modelo atual de prestação de transporte público e um novo modelo, a ser criado a partir do diálogo entre as diferentes visões sobre o tema. “É preciso maturidade para reconhecer os problemas do momento para buscar novas soluções”, disse, acrescentando que é preciso buscar empresas que atuem trazendo os resultados que a cidade quer, o que não está acontecendo atualmente.
O subsecretário de Transportes e Mobilidade do Estado, Gabriel Fajardo, disse que o governo estadual concorda com muito do que foi dito, pois os contratos de transporte metropolitano firmados em 2008 com duração de 30 anos têm um modelo defasado e de difícil alteração. Problemas como pouca representatividade dos indicadores de desempenho e pouca clareza na divisão de riscos dificultam a cobrança de desempenho das empresas concessionárias para a satisfação do usuário. Fajardo disse que o governo está construindo um Plano de Mobilidade para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Soluções como descentralizar a bilhetagem, mudar a oferta de frota e realizar contatos de menor prazos estão sendo consideradas. Gabriel Fajardo afirmou que algumas das metas do setor são otimizar custos e diminuir o repasse integral para a população, e que o estado está dialogando para construir soluções. Fajardo contou que retirou das concessionárias, com consentimento delas, a operação da rodoviária, dos terminais e estações. Estes locais serão revitalizados e irão oferecer serviços como wi-fi para os usuários. E defendeu a criação de um ente regulador externo técnico que não se contamine, para oferecer ao setor decisões embasadas.
Eriênio Souza, gerente de Controle, Estudos Tarifários e Tecnologia da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), disse estar trabalhando na interface de dados da empresa para que eles possam ser acessíveis ao cidadão e reconheceu a necessidade de evolução do transporte urbano. Ele defendeu que o transporte público seja cobrado de maneira mais ampla, não se restringindo a quem o utiliza, pois todos se beneficiam com ele. Souza disse que o debate trouxe muitas ideias para a construção de um novo modelo de transporte em 2028.
Braulio Lara defendeu que município e governo estadual caminhem de mãos dadas em relação ao transporte público. E propôs mudanças como a prestação de serviços por quilômetro ou viagem, a separação da bilhetagem dos demais serviços e a implantação de uma engenharia de transporte para otimizar os recursos, com o Município focado na gestão. Ele disse que as próximas audiências tratarão de temas como Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) e modais. E concluiu que os debates permitem atualizar percepções sobre o que é possível mudar para Belo Horizonte.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional