Desafios das políticas para pessoas em situação de rua estiveram em debate
Órgãos de segurança e Ministério Público expõem perspectivas e ações para atender a esse segmento da população
Karoline Barreto / CMBH
Buscando alternativas para mudar a perspectiva de pessoas em situação de rua em Belo Horizonte, garantindo-lhes direitos como abrigo, proteção de pertences, emprego e renda; mas adequando tais condições a regras para a ocupação de espaços públicos, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário realizou, nesta quinta-feira (21/10), audiência pública para discutir o tema. No encontro, foram debatidos o papel da Guarda Municipal no encaminhamento de casos à assistência social da Prefeitura; dificuldade na investigação de ocorrências pela Polícia Civil, devido à ausência de cadastros e registros; e importância de um trabalho interdisciplinar entre governo, universidades, Judiciário e movimentos sociais para a humanização do atendimento a essa população.
No início da audiência, o vereador Braulio Lara (Novo), que requereu o encontro, destacou que o objetivo da reunião foi estabelecer um diálogo com as forças de segurança da capital e o Ministério Público, lembrando que já vêm sendo realizadas conversas com entidades filantrópicas, associações de moradores, comerciantes da Região Central de Belo Horizonte e Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, para o mapeamento do cenário sobre a população em situação de rua em Belo Horizonte.
Patrulhamento e prevenção
Segundo o supervisor Policarpo e o subinspetor Carolino, da Guarda Municipal, a corporação possui competência geral, atuando no patrulhamento e prevenção em logradouros públicos. De acordo com eles, a corporação age na pacificação de conflitos e na articulação com órgãos municipais para a concepção de políticas públicas, bem como na observância de direitos humanos para a preservação de vidas.
No que tange à população em situação de rua, a corporação informou que atua de forma secundária, remetendo-se aos órgãos responsáveis por políticas sociais, garantindo a segurança desses profissionais e desse segmento. A Guarda Municipal destacou que possui efetivo permanentemente qualificado, com órgãos de controle, como corregedoria e ouvidoria próprias. Os representantes da Guarda contaram, também, que adotam procedimentos padrão, com manual de diretrizes na rotina operacional e definição de regras para lidar com esse público.
Responsável pela gestão do espaço urbano, incluindo a ocupação de logradouros públicos, a Guarda Municipal age, segundo eles, na mediação de conflitos, acionando, em casos de denúncia, profissionais como psicólogos e assistentes sociais, que se se dirigem ao local para conversar com essas pessoas. A corporação atende a aproximadamente 150 denúncias e a 15 ocorrências por semana.
Salientando que o maior número de casos é de agressão a fiscais e psicólogos, exemplificou-se que a população em situação de rua tem direito a um carrinho por pessoa, mas que este muitas vezes compromete a ocupação do espaço urbano. Assim, muitas vezes, quando a Guarda Municipal tenta negociar com as pessoas a retirada de seus pertences, elas entregam o que possuem, mas não concordando com a apreensão, agridem os fiscais.
Quando questionada quanto ao acolhimento dessa população na cidade, a Guarda Municipal afirmou que o segmento é informado sobre alternativas disponíveis para buscar abrigo e apoio do Município e para saírem dessa condição. Na reunião, salientou-se, ainda, que foram realizadas, de janeiro a outubro deste ano, 21,2 mil ações fiscais, sendo monitorados, até o momento, 1,5 mil endereços e impactadas por ações 4,3 mil pessoas em situação de rua. Foram, também, recolhidos em ações 1,27 milhão de kg de materiais inservíveis; e encaminhados pelas equipes para rede socioassistencial e de saúde mais de mil casos.
Agressores e vítimas
Na audiência, a delegada da Regional Central da Polícia Civil, Daniele Silva, contou sobre registro de ocorrências relativas a furtos praticados a outras pessoas e a situações em que esse grupo também é vítima da violação de direitos. Ela destacou que o fato de essa população não possuir moradia fixa, nem cadastro na Prefeitura, dificulta o andamento de investigações criminais, destacando, entre as principais ocorrências, furtos, extravio de documentos e agressão para entrar em abrigos. Na reunião, a policial propôs como alternativa a construção, de um banco de dados com outras instituições, para auxiliá-las nas mais diversas situações enfrentadas.
Quando indagada sobre o furto de cabos eletrônicos na Região Central da cidade, prejudicando o funcionamento de prédios, a delegada relatou a ocorrência frequente desses casos, com flagrantes de cabos em carrinhos. Contudo, ressaltou que a Justiça libera, recorrentemente, essas pessoas e que, para solucionar o problema, é preciso reprimir os receptadores.
Quanto a casos de documentos perdidos, ela contou que, muitas vezes, o segmento não possui documentos para se identificar em boletins de ocorrência, em casos de flagrante, e acabam por utilizar nomes de parentes. Assim, antes da prisão, são analisados dados papiloscópicos em sistema eletrônico da Polícia Civil, lembrando que o banco de dados disponível é geral, ou seja, cada delegacia ou regional possui o seu.
Outro aspecto apontado foi o número de cidadãos em sistema prisional, que migra de outras cidades para Belo Horizonte, para viver nas ruas, após a liberação.
Trabalho interdisciplinar
Para o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Francisco Ângelo Assis, a população em situação de rua requer uma visão transversal, que conta, hoje, com a reativação de Comitê Municipal, com a contribuição de acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc-MG) e da Universidade Federal de Minas Geras (UFMG); com a Secretaria Municipal de Governo, a Secretaria Municipal de Saúde, a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e movimentos sociais, para a humanização do atendimento e definição de uma pauta permanente. Entre as perspectivas, o projeto visa à empregabilidade, melhoria das condições sanitárias, acesso a abrigos e cuidado com pertences.
No que se refere às causas do problema, ele afirma que a vida nas ruas reflete não somente um desarranjo familiar, mas econômico, totalizando-se 10 mil pessoas em situação de rua na capital. Ressaltando a importância de parcerias com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público do Trabalho, Prefeitura de Belo Horizonte, movimentos sociais e Câmara Municipal, reafirmou a demanda por emprego e renda e por acolhimento com foco humanitário.
Dúvidas apontadas
Esclarecendo a divergência entre dados apresentados em relação ao número de pessoas em situação de rua pela Polícia Civil e Ministério Público, o inspetor Carolino justificou que os dados apontados pela Polícia Civil são contabilizados a partir de cadastro único da Prefeitura; mas que esse número se eleva considerando a visita de profissionais da Prefeitura ao local, quando muitos não querem fazer o cadastro.
Outro ponto elucidado foi que a pessoa em situação de rua abordada é quem indica o que é inservível e o que pode ser retirado. Além disso, o material apreendido é encaminhado para um depósito, podendo ser retirado a qualquer momento pelo proprietário.
Conclusões
Para Braulio Lara, muitos são os desafios que tangem este tema, e a sensação de insegurança influencia a dinâmica comercial de Belo Horizonte e o desenvolvimento das empresas. Por isso, são necessárias políticas para oferecer vida digna à população em situação de rua, buscando, todavia, ajustar as lacunas às regras da cidade. Informando sobre decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 2013, determinando a proibição da apreensão de documentos de identificação de moradores de rua, bem como de pertences pessoais, como cobertores, roupas, alimentos, remédios e quaisquer outras substâncias que não sejam ilícitas, o parlamentar considera que é preciso garantir os direitos humanos, mas que não se pode deixar essas pessoas soltas nas ruas, sem um trabalho assistencial.
Participaram da audiência os vereadores Braulio Lara, que presidiu o encontro, Wesley (Pros), que preside da Comissão, Henrique Braga (PSDB), Gilson Guimarães (Rede) e Rogerio Alkimim (PMN).
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional