Violência contra mulher negra parlamentar é realidade em casas legislativas
Tema foi abordado em audiência e proposta é que assunto seja mais debatido. CMBH deve realizar roda de conversa com parlamentares
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
“Deslegitimar a fala de uma vareadora eleita é tão violento quanto um tapa na cara. Não é menor e precisamos pensar estratégias para lidar com isso; e, embora eu tenha sido a vereadora mais votada na minha cidade, não tem um dia que eu não escute uma piadinha, uma chacota ou tentativa de silenciamento”. O depoimento é da vereadora de Uberlândia Dandara Tonantzin (PT) e foi dado na manhã desta sexta-feira (26/11) em audiência pública que debateu o papel da mulher política no enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres negras. Requerido pela vereadora Macaé Evaristo (PT), o encontro realizado pela Comissão de Mulheres contou com a participação de parlamentares de outras casas legislativas e confirmou a sensação que muitas delas já percebiam: a violência contra a mulher negra parlamentar está presente nas diversas esferas do parlamento e, para além do debate sistemático, é necessária a criação de mecanismos e estratégias que garantam o pleno exercício parlamentar.
Democracia ‘torta’
Ao abrir o debate, Macaé lembrou que está em curso a campanha anual das Organizações das Nações Unidas (ONU) pelos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres e que no Brasil, para além da violência de gênero sofrida pelas mulheres, a ocorrência desta agressão sobre as mulheres e meninas negras chega a uma taxa superior a 50% em comparação com a mulher não negra. Para a parlamentar, o cenário é fruto de uma democracia ‘torta’ que não contempla a mulher, nem a negritude e o LBGT. “Nas últimas eleições não tivemos 3% de ocupação destes espaços e quando são alcançados temos a vida ameaçada, o tratamento diferenciado e a gente precisa explicitar isso que está acontecendo. O assédio também mata e precisamos olhar e falar mais sobre isso”, afirmou.
Defensora pública do Estado, Marolinta Dutra compartilha da percepção e, mesmo não estando presente ao encontro, enviou mensagem destacando a necessidade e a importância de dar amplitude aos debates, a fim de que as lacunas deixadas pela ausência de políticas públicas sejam preenchidas. “Nosso país é machista, sexista e racista e precisamos cobrar que mais mulheres pretas ocupem espaços de poder e que tenhamos consciência da nossa negritude, para assim lutarmos por nossa representatividade e direitos”, declarou em vídeo.
Questionadas e desautorizadas
A falta de representatividade de que a defensora falou parece mesmo vir da prolongada ausência da mulher negra nas casas legislativas. Dandara Tonantzin, vereadora da Câmara Municipal de Uberlândia, contou que sente todos os dias os reflexos deste esvaziamento, que, segundo ela, chega a causar uma sensação de não pertencimento. “Quando chegamos temos a impressão de que não pertencemos àquele lugar. Que não era para estarmos ali. Todos os dias somos questionadas, desautorizadas e sofremos violência; e se precisamos debater isso é porque isso não é uma apenas realidade pontual”, afirmou.
Para Iza Lourença (Psol) e Bella Gonçalves (Psol), que também participaram do encontro, o tema necessita mesmo de debate contínuo, uma vez que as ocorrências se repetem. Para Iza, a denúncia, por exemplo, é importante, porém ela não tem resultado em mudança de atitude. “Vemos casos como o da Andréia de Jesus (deputada/MG ameaçada de morte), mas também temos as violências cotidianas, que são ali, diárias; e precisamos de respostas institucionais para isso”, destacou Iza.
Já Bella lembrou que esta violência vivida no parlamento se repete também em outras instâncias de participação política como os conselhos e entidades. “Precisamos desnaturalizar essa violência e se não conseguirmos debater isso com uma roda de conversa ou um papo sobre violência política, precisamos discutir isso no parlamento, inclusive com outras audiências”, declarou.
Roda de conversa
Antes de encerrar a audiência, Macaé destacou que a sua insistência em debater o tema vem de uma percepção de um crescimento desta tentativa de interdição da mulher negra parlamentar. “Isso é uma tentativa de apagamento, um feminicídio político, e não há democracia quando uma parlamentar negra é deslegitimada na sua atuação política”, afirmou a vereadora, que também considerou positiva a iniciativa da roda de conversa.
Macaé também pediu uma menção à deputada estadual Andréia de Jesus (Psol), que, após sofrer ameaças de morte no último mês de novembro, precisa agora ser acompanhada de escolta policial. “Está ameaçada de morte porque cumpriu seu papel no exercício parlamentar. Estamos junto com ela e não podemos deixar nenhuma mulher ser vítima de violência” finalizou.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional